agenda cultural de 2 a 8 de Abril de 2012

 

 

 

por Rui Oliveira

 

 

Caro leitor :  Esta é uma semana em que o conceito de “jejum pascal” tem todo o cabimento, mesmo para os não crentes. Pouco há, assim, a destacar.

 

 

 

 

 

   Na Segunda-feira, 2 de Abril, assinale-se na Sede da Metropolitana (Travessa da Galé, nº 36 – Lisboa), às 19h, a abertura do Festival internacional de Trompete Almost 6 que inclui concertos com alguns dos mais prestigiados trompetistas a nível internacional (como veremos em seguida), além de um conjunto de masterclasses e conferências.

   O concerto de abertura do Festival  reúne no palco os Almost 6 e Jeroen Berwaerts não sendo ainda conhecido o seu programa.

   Introduzindo-os, o quinteto Almost 6 é composto por Sérgio Charrinho (trompetista na Orquestra Metropolitana de Lisboa e professor na Academia Nacional Superior de Orquestra), Ricardo Carvalho (trompetista na Banda Sinfónica da G.N.R.), Filipe Coelho (professor na Escola Profissional da Metropolitana e no Conservatório Nacional), Carlos Silva (trompetista na Banda Sinfónica da G.N.R. e professor na Escola profissional de Artes da Beira Interior e Conservatório Metropolitano de Lisboa), Óscar Carmo (trompetista na Orquestra de Câmara Portuguesa) e João Duarte (percussão).  Surge em 2007 com intenção de oferecer ao público música interpretada por trompete através da utilização das mais variadas surdinas bem como de toda a família dos trompetes, desde o fliscorne ao trompete piccolo.

 

 

   Quanto ao trompetista belga Jeroen Berwaerts, aluno premiado do Prof. Reinhold Friedrich, tem uma abertura musical que lhe permite tocar qualquer época, em particular a contemporânea e o jazz. Editou o seu primeiro CD “In the limelight” com a pianista finlandesa Maria Olikainen, havendo ainda um outro ao vivo (da RCA) tocando a  Serenata para Orquestra Nº 9 in Ré maior K. 320 “Posthorn” de W.A. Mozart.

   Ei-lo a tocar o Concerto para trompete e orquestra em Mi bemol maior Hob.: VIIe.1  de Joseph Haydn com a Orquestra Filarmónica da Flandres :

 

 

 

 

 

   Na Terça-feira, 3 de Abril, dediquemo-nos, por ausência de outro móbil, às artes visuais aproveitando a inauguração no Palácio Galveias da exposição de fotografia “Espaço Real – Espaço Conceptual” organizada pelo Instituto para Relações Externas da Alemanha (de entrada livre, das 11h-19h, permanecerá até 31 de Maio).

   Com curadoria de Ute Eskildsen, ela apresenta nos trabalhos dos fotógrafos Susanne Brügger, Thomas Demand e Heidi Specker diversas abordagens cujas ligações ao nível do conteúdo consistem precisamente na sua afinidade com o espaço público. Esta relação torna-se evidente, tanto nas dissecações de vistas de cidades de Susanne Brügger como nas imagens espaciais de Thomas Demand ou nas imagens arquitectónicas de carácter abstracto e “redesenhado” de Heidi Specker.  O realce do elemento “espaço” no título da exposição, em ligação com os conceitos antagónicos “realidade” e “imagem”, remete para abordagens específicas de um meio de reprodução que, devido ao próprio potencial  reprodutivo da fotografia, se relaciona no fundo, desde a sua invenção, com a transformação das coordenadas espaço/tempo.

   Nos últimos dez anos, e num contexto de concorrência com a tecnologia digital em constante evolução, o processo de reprodução fotográfica tradicional tem vindo a merecer um reconhecimento cada vez maior no mercado da arte, o que, por sua vez, tem também contribuído para dar novos impulsos à práxis artística com meios fotográficos e, simultaneamente, para alterar a orientação da geração de fotógrafos mais jovem como aqueles aqui expostos.

 

   

                Heidi Specker                                         Susanne Brugger                                                                      Thomas Demand

 

 

   Noutro registo, o da pintura, está aberta desde a passada Quarta-feira 28 de Março no Museu Colecção Berardo (ao Centro Cultural de Belém) a exposição “Nikias Skapinakis. Presente e Passado, 2012 — 1950” que constitui a mais ampla e significativa antologia

dedicada à obra de Nikias Skapinakis, reconhecido como um dos nomes mais relevantes da arte portuguesa na segunda metade do século XX (permanecerá até 24 de Junho com entrada livre).

   A exposição, comissariada por Raquel Henriques da Silva, organiza-se em sete núcleos reveladores da extraordinária amplitude e diversidade, bem como das inúmeras possibilidades formais e expressivas do trabalho de Nikias Skapinakis, desenvolvido durante mais de sessenta anos. A singular capacidade de síntese na abordagem da imagem e o permanente diálogo com a cultura portuguesa ou ocidental, que as suas pinturas definem, torna claro o sentido e o valor do seu contributo para um entendimento das mesmas.

   Do seu trabalho, diz em 2012 o próprio Nikias na introdução do catálogo : “… O sentido metafísico, que, juntamente com o pendor expressionista e lírico, atravessa prolongadamente o meu trabalho, tem, do meu ponto de vista, uma tripla origem:

– Os frescos “clássicos” e “modernos” da Vila dos Mistérios, em Pompeia, e Carpaccio, a quem dedico em 1961 uma homenagem, porque, justamente, venho a encontrar nele o sentido de ausência das figuras que habitavam o meu paisagismo de então;

– A poesia, designadamente de Cesário e dos “presencistas”;

– A pressão claustrofóbica e entediante do ambiente português das décadas de 1950 e 60.

   … De qualquer modo, porém, acredito que a minha “linha metafísica” se liga essencialmente a uma concepção individualizada da pintura como um processo de conhecimento, literalmente, para além das aparências físicas, que os sentidos transmitem. Esse processo define a história da pintura desde o seu remoto passado até ao presente. Porque é específico, não pode ser repartido por outros campos estéticos sem que essa qualidade essencial de indagação tenda a alterar-se ou a perder-se em favor de outras (embora igualmente válidas) expressões. Trata-se de procurar a essência das coisas; mas, talvez, as coisas não tenham realmente essência nenhuma e a sua busca seja inútil.

   É uma dúvida de natureza metafísica que procuro resolver continuando a pintar.”

 

 

    

             Paisagem do Forte da Trafaria, 1955                        Disneyland River, 1985                            A las cinco en punto de la tarde, 2002

 

 

 

   Na Quarta-feira, 4 de Abril, num salto ao futuro (como é anunciado) desloquemo-nos ao Maria Matos Teatro Municipal para assistir às 22h ao espectáculo “In Dust” dos suecos Roll the Dice

   Diz o programa que : “ no mesmíssimo futuro que um dia antecipámos, repleto de tecnologia decorada com volumosas máquinas, repletas de luzes a piscar e cabos multicoloridos, Peder Mannerfelt  e  Malcolm Pardon, os dois cientistas do duo electrónico analógico Roll The Dice, construíram a sua música, anacrónica para o nosso tempo mas emocionalmente infalível, feita com o charme vintage dos sintetizadores e o calor eterno do som analógico. Em palco, o aparato maquinal transporta-nos para o cenário de uma rampa de lançamento em constante contagem decrescente, enquanto a música nos projecta para além das estrelas. Durante a viagem, esperem zonas escuras de gravidade pesada, alguma turbulência industrial, superconforto krautrock e, nos momentos de imponderabilidade cósmica, poesia sonora sensual entre electrónica e electricidade”.  

   Do mérito acústico da sua música aprecie-se nesta canção “Calling All Workers” do CD “In Dust” de 2011 :

 

 

 

   Quanto ao “clima” duma experiência ao vivo dum tal espectáculo, é de (ou)ver “Iron Bridge” do mesmo CD :

 

 

 

 

 

   Na Quinta-feira, 5 de Abril, há à mesma hora (21h) audições musicais que podem atrair mais um público devoto das obras barrocas ou preferencialmente os apreciadores do romantismo pianístico.

   Os primeiros deverão dirigir-se ao Centro Cultural de Belém onde no seu Grande Auditório o espectáculo “O divino e o magistral” reune a orquestra residente Divino Sospiro (direcção musical de Massimo Mazzeo) com duas cantoras, a soprano inglesa Deborah York e a meio-soprano italiana Romina Basso para uma actuação que inclui a estreia moderna mundial de uma sinfonia do compositor português Francisco António de Almeida (cerca 1702-1755?).

   Do programa completo constam :

 

      Francisco António de Almeida   Sinfonia, em Fá maior

      Giovanni Battista Pergolesi   La Maddalena al Sepolcro, cantata para soprano, cordas e

                                                                                                                         baixo contínuo

      Antonio Vivaldi   Longe mala, umbrae, terrores, motete para contralto e orquestra, RV 629

      Giovanni Battista Pergolesi   Stabat mater, para soprano, contralto e cordas

 

   Desta última peça de Pergolesi ouça-se (na versão original) os 3 primeiros andamentos executados pelo Concerto Italiano (dir. Rinaldo Alessandrini) com Gemma Bertagnolli, soprano e Sara Mingardo, contralto :

 

 

 

   Os amantes  dum período posterior, o final do século XIX, são convidados a ir ao Teatro Nacional de São Carlos, às referidas 21h, ouvir a Orquestra Sinfónica Portuguesa sob a direcção musical de Dmitri Liss, acompanhada pelo pianista Filipe Pinto-Ribeiro abordar, no ciclo “Piano Romântico” , as obras seguintes :

 

      Anton Arenski  Variações sobre um tema de Tchaikovski, para cordas, op. 35a

      Piotr Ilitch Tchaikovski  Concerto n.º 1, em Si bemol menor, para piano e orquestra  e

                                                 Sinfonia n.º 6, em Si menor, op. 74 «Patética»

 

   Sendo as duas últimas sobejamente conhecidas, conheça-se a melodia das Variações de Arenski  para cordas mas pelo Quarteto Petrus, formado por Pablo Saraví (violino), Hernán Briatico (violino), Silvina Álvarez (viola) e Gloria Pankaeva (violoncelo) em 2010 :

 

 

 

 

 

 

   Na Sexta-feira, 6 de Abril sugerimos, por exiguidade de outra oferta, uma (re)conciliação com o novo cinema português, actualmente até internacionalmente premiado, optando por ver um dos três em exibição (e que pessoalmente ainda não vimos) deixando de lado “Swans” de Hugo Vieira da Silva/Heidi Wilm, um filme algo hermético sobre um universo caracteristicamente berlinense :

 

   − ou “É na Terra, não é na Lua”, um documentário de Gonçalo Tocha (com Dídio Pestana nos sons) que é o resultado final do esforço de um cineasta fascinado com a ideia de conhecer e registar visualmente a vida de um dos mais remotos pontos de Portugal, a ilha do Corvo – longínqua e distante até mesmo para os habitantes de São Miguel, ilha também açoriana que o cineasta lisboeta visitava com alguma frequência.  Afirma : “A ideia também era recuperar um pouco de uma história que está mais ou menos perdida, que está cheia de buracos para ser preenchidos, cercada de mitos, o que também nos permite fantasiar”, observando “O desafio de tudo isto foi ser aceite, conquistar as pessoas” e acrescenta que após mostrar o filme aos habitantes do Corvo “admite mudá-lo conforme as críticas que receber”.

   Teve uma menção especial no Festival de Locarno e veio vencer o Grande Prémio do Doc Lisboa 2011. Eis o trailer :

 

 

 

   − ou “Tabu” de Miguel Gomes (a que aqui já fizémos referência em Fevereiro passado) que obteve em Berlim o prémio Alfred Bauer para o filme “mais inovador”, destacado pela revista “Sight and Sound”. Esta terceira longa metragem de Miguel Gomes (após “Aquele querido mês de Agosto”) centra-se numa história de amor passada em África, tendo como intérpretes principais Teresa Madruga, Laura Soveral, Ana Moreira e Carloto Cotta.

   Eis um excerto :

 

   − ou “A Vingança de uma Mulher” de Rita Azevedo Gomes, uma adaptação de um dos contos de Les Diaboliques de Barbey d’Aurevilly que narra como a duquesa de Sierra-Leonne, para se vingar do marido que lhe havia morto o amante com requintes de crueldade, se tornou prostituta a fim de encharcar em lama a honra do duque. Tudo preservando a narrativa pela própria duquesa num monólogo “demencial” sem que se mostre louca, antes friamente racional, e numa interpretação magnífica (dizem) de Rita Durão. Diz um crítico (V.C.) : “… não é apenas uma história que é narrada, mas uma aprendizagem visual, sentimental, existencial através de patamares de naturalismo e artifício; educação e logro, até ao encarnado (referência ao tom vermelho dominante). Nada de arqueológico; pelo contrário, é experiência, é sensual…”.

   É este o filme-anúncio (onde participam também Isabel Ruth, além de Fernando Rodrigues, Francisco Nascimento, João Pedro Bénard, Hugo Tourita, Marie Carré e Manuel Mozos) : 

 

 

 

 

 

   No Sábado, 7 de Abril, volta ao Centro Cultural de Belém um seu habitué das sessões dos “Dias da Música”, o pianista turco Fazil Say que, dono de uma técnica excelente e de uma grande versatilidade, “regularmente junta, num mesmo recital, (como bem lembra o programa) obras do repertório erudito, composições próprias, e outras obras influenciadas pela música tradicional”. No presente concerto alternam peças  de compositores do século XX com outras dum repertório mais antigo, a saber : 

 

      Leoš Janáček   Sonata 1.X.1905I.

      Sergei Prokofiev   Sonata para piano n.º 7, em Si bemol maior, op. 83

      Franz Joseph Haydn   Andante con variazioni, em Fá menor, Hob.XVII:6

      Bernd Alois Zimmermann   Enchiridion, Enchiridion, pequenas peças para piano a duas mãos (Parte II, Exerzitien)

      Igor Stravinsky   Três andamentos de Petrouchka

 

   O registo mais demonstrativo que encontrámos da técnica de Fazil Say em peças de Haydn (Sonata para piano Hob XVI 35), de Ravel (Sonatine) e de Beethoven (Sonata para piano nº 23, op. 53 “Appassionata”) é este dum recital em Tóquio (2004) :

 

 

 

 

 

   No Domingo, 8 de Abril, também a oferta é pouca sendo a Orquestra Metropolitana de Lisboa a única benemérita a oferecer ao público lisboeta no Cinema São Jorge, às 17h, um concerto que, por ocasião do seu 20º aniversário, pretende ser “uma estreia outra vez” de quatro obras escritas em anos recentes por compositores nacionais que revelam a diversidade e a qualidade do nosso panorama musical actual.

   Assim Alberto Roque que dirige a Orquestra (e também comentará o concerto) irá tocar de Pedro Osório  – Música sequencial para orquestra, de Sérgio Azevedo  – Sinfonietta Semplice, de João Madureira  – Greeting e de Nuno Malo  – Suite de Música para Cinema.

   Ouça-se a mesma Orquestra num Portuguese Lullaby de Sérgio Azevedo em 2010 :

 

 

 

   Aos menos melómanos, sugere-se p.ex. a visita ao Museu do Oriente (na Avenida Brasília, Doca de Alcântara Norte) onde, entre outras, encerra no final de Abril, a exposição sobre “Design têxtil de Kutch” em que se exemplificam duas das técnicas de estampagem e decoração têxtil mais praticadas na Índia na região de Kutch, no estado de Gujarate, junto da comunidade khatri  − a estampagem com carimbos de madeira, Block Printing Ajrakh  e a decoração têxtil através de pigmentos e resistência à cor, Bandhani Tie & Dye.

   Ou então a deslocação ao próximo e pouco conhecido Centro Científico e Cultural de Macau (na Rua da Junqueira, nº 30) onde está igualmente prestes a encerrar (fim de Abril) a exposição “Bronzes e Jades da China Antiga” Coleccão José de Guimarães  que reúne mais de cem objectos de grande valor histórico e artístico, datados do Neolítico (c. 8500 a 2000 a.C.) à dinastia Han (202 a.C. – 220),  ilustrando a evolução técnica e estilística na utilização do bronze e do jade, considerados os mais preciosos materiais a partir dos quais eram executados objectos rituais, objectos de uso quotidiano e ornamentos, que reflectiam o poder, o estatuto social ou espiritual na antiguidade chinesa.

 

    

                       No Museu do Oriente                                                                 No Centro Científico e Cultural de Macau

 

Caro leitor : As escassas Cordas sobresselentes destes dias seguem dentro de uma hora. 

1 Comment

  1. VIVA.Parabens pelo excepcional trabalho que se apresenta neste post, quer na óptica da investigação, quer no rigor do texto, quer na dádiva que o post possui.Impressionante a qualidade do texto (li por alto..), a entrega e dedicação que é visível na forma estética da .apresentação.Tenho pena de não poder alargar-me nos comentários.Os textos mereciamAb.Boa noiteJBS

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