2.8 Repensar a Teoria do Comércio Internacional, repensar a Política Comercial, por Thomas I. Palley – III
Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
(Continuação)
Implicações políticas da Crítica de GBS
A questão central de análise de Samuelson está nas implicações económicas da convergência tecnológica noutros países. Para Gomory e Baumol está nas implicações da perda da base industrial e das transferências da indústria para outros países, sendo que ambos têm implicações dramáticas para a política comercial. Tradicionalmente, a política comercial tem sido pensada em termos de tarifas, quotas e subsídios à exportação. Agora, a política comercial precisa de ser re-conceptualizada em termos de forças motrizes do desenvolvimento industrial e tecnológico dentro dos países, e deve levar em conta a possibilidade das políticas estratégicas rivais entre os países.
A transferência e a convergência tecnológica são particularmente críticas para Samuelson, Além disso, há uma nova ênfase em que a vantagem comparada no mundo moderno é criada, não herdada. No século 18, o comércio foi impulsionado pela busca de especiarias exóticas e de matérias-primas. O clima e a dotação de recursos naturais significativamente determinaram a estrutura de vantagens comparadas e muito pouco poderia ser feito para alterar essa estrutura (5). Hoje, as vantagens comparadas são impulsionadas pelas tecnologias, que pode ser influenciadas pela acção humana e pela política. Isto tem implicações enormes para a distribuição dos ganhos do comércio internacional entre os países.
Uma estratégica política comercial é particularmente fundamental na história de Gomory e Baumol. A visão básica dentro do seu quadro estilizado é que o equilíbrio num mundo de IRTS é potencialmente muito frágil. Essa percepção abre o caminho para intervenções que alterem o equilíbrio e redistribuam os ganhos do comércio. Por exemplo, a política comercial pode conferir uma vantagem temporária aos produtores, levando-os a moverem-se para baixo na curva de custo médio para que eles adquiram uma vantagem na determinação dos custos. Este acto pode estabelecer uma estrutura de equilíbrio da produção mundial que persiste depois de a directiva ter sido removida.
Tais possibilidades significam que IRTS cria um amplo espaço para o conflito económico entre os países. Dado a existência de equilíbrio múltiplos em que a distribuição dos ganhos do comércio depende das particularidades do equilíbrio predominante, os países podem ter um incentivo para tentar mudar a posição de equilíbrio (6). Essa implicação política genérica de IRTS tem estado presente na nova teoria do comércio internacional (Krugman 1984; Brander e Spencer 1985), mas as simulações detalhadas de Gomory e Baumol mostram o quão potencialmente maleável é a estrutura dos pontos de equilíbrio do comércio internacional quando se está na presença de IRTS.
Especificamente, há uma série de cenários em que a estratégia das políticas é relevante. Por exemplo, considere uma situação em que a tecnologia é inicialmente distribuída de forma desigual entre os países. Neste caso, os países atrasados terão um incentivo para usar a política para aquisição de tecnologia e estabelecer a produção dentro das suas fronteiras. Isso pode aumentar o rendimento global, mas pode diminuir o rendimento dos países que perdem indústrias, sobretudo se a economia global está na zona de conflito de Baumol e Gomory.
Outro exemplo é se algumas indústrias ganham elevadas margens de lucro. Neste caso, os países terão um forte incentivo para agarrarem o controlo dessas indústrias, a fim de ganharem as margens de lucro mais elevadas. Além disso, mesmo os países estritamente com curvas de custo médios mais elevados podem ter um incentivo para tomarem o controlo, apesar do facto de que eles serem menos eficientes. Dada a presença de IRTS, um país de alto custo pode efectuar essa transferência, se o governo fornece temporariamente apoio que mova os produtores internos para baixo na sua linha de custos e se estabeleça a vantagem da determinação dos custos (como se mostrou anteriormente na Figura 1).
Finalmente, a política estratégica pode ser útil num mundo com desemprego devido à procura inadequada. Neste caso, os países que estimulam a sua própria procura interna e agregam a procura de outros países (através de medidas como subsídios) aumentam a produção nas suas indústrias e reduzem os custos médios. Consequentemente, estes países podem tornar-se os produtores a custo baixo decisão à custa dos outros.
O relativo declínio na produtividade e a perda de liderança tecnológica desempenham um papel importante na história de GBS. De forma mais imediata, isto levanta dúvidas acerca do conhecimento que se tem sobre a externalização internacional em indústrias onde os Estados Unidos têm uma vantagem comparada e historicamente têm sido exportadores. Tal externalização envolve transferências de tecnologias. Embora as empresas beneficiem da externalização com a captação de lucros no exterior, a externalização pode diminuir o rendimento nacional dos EUA se estas transferências de tecnologias aumentam a concorrência contra as exportações americanas.
A externalização também tem alguns paralelos com as compensações, pela qual os países exigem que as empresas lhes prometam que vão transferir uma parte da produção para eles como uma condição do contrato de venda. O exemplo clássico é a indústria aeronáutica, tanto civil como militar. As compensações são uma forma que um país pode utilizar para capturar indústrias de outros pais e são, portanto, muito preocupantes a partir de uma perspectiva de interesse nacional (7). No entanto, as empresas são muito menos perturbadas pelas compensações, porque eles ganham a ordem e, em seguida, obtêm lucros sobre a produção estrangeira. Isso destaca a divergência entre a empresa e o interesse nacional.
No quadro dos trabalhos GBS, a liderança tecnológica é fundamental e há sinais já de que os Estados Unidos podem estar a sair dessa liderança. Freeman (2004) relata que a participação dos EUA nas exportações de alta tecnologia do mundo caiu de 30 por cento em 1980 para 17 por cento em 2001, enquanto a participação dos EUA na produção de artigos científicos no mundo caiu de 45 por cento para 35 por cento e para o caso da química caiu de 73 por cento em 1980 para 40 por cento em 2003. A China está a ganhar rapidamente na área de tecnologia. Este país formou 325.000 B.S. engenheiros em 2003, contra 65.000 nos Estados Unidos. A liderança dos EUA na produção de alunos com doutorado em ciências e engenharia também está a cair. Em 1989, as principais nações asiáticas produziam 48 doutores para cada 100 doutores nos Estados Unidos, em 2001, o número foi de 96 doutores para cada 100 doutores nos Estados Unidos.
Esta tendência sugere que os Estados Unidos precisam de aumentar as suas despesas públicas em educação científica na investigação e desenvolvimento (I & D). Além disso, a estrutura de imposição fiscal deve ser reorganizada de forma a incentivar as empresas a realizarem a sua própria I&D e investirem nas mais recentes tecnologias e equipamentos. O que foi visto anteriormente como sendo do domínio da política interna agora faz parte da política comercial na nova era da globalização.
Não só a globalização reforça a importância da política científica e tecnológica, mas também lhe acrescenta novas dificuldades. Na era da pré-globalização as inovações da ciência e as inovações tecnológicas que foram desenvolvidas a nível interno eram provavelmente destinadas a serem aplicadas a nível nacional, de tal forma que trazia benefícios acumulados, e de forma significativos, para o país inovador. Hoje, com as grandes empresas a organizar a produção a nível mundial, não há nada que possa assegurar que as inovações desenvolvidas internamente serão aplicadas a nível nacional. Em vez disso, as empresas podem simplesmente transferir as inovações para a produção em qualquer ponto do espaço mundial. Essa transferência pode ser a melhor maneira para a grande empresa maximizar os seus lucros, mas pode não maximizar o rendimento nacional. Na era da globalização, A maximização do lucro das empresas contribui para a maximização da produção mundial, mas não necessariamente para a maximização da produção nacional. Esta divergência entre o interesse nacional e interesses das grandes empresas ainda não é compreendido pelos formuladores das políticas nacionais.
Essas observações apontam para a necessidade de uma nova agenda política que aborde e enfrente as grandes empresas, agenda que não existe hoje. Na década de 1950 poderia razoavelmente ser dito que o que era bom para a General Motors era bom para o país. A afirmação foi feita, não porque os gestores da General Motors fossem altruístas ou mais patrióticos do que são os gestores de hoje, mas porque a economia global era menos aberta e as empresas eram tecnologicamente menos capazes de organizar a produção numa base global. Consequentemente, os interesses das grandes empresas estavam bastante alinhados com os interesses do país. Esse alinhamento tem sido fracturado pela globalização. Antes da globalização, a maximização dos lucros pelas empresas competitivas maximizava o rendimento nacional. Hoje, as empresas maximizam os lucros com base nas afectações globais de produção, que maximizam a produção mundial mas não maximizam necessariamente o rendimento nacional. Assim, a necessidade para que existam políticas nacionais e que estas mudem o comportamento das empresas através do realinhamento do comportamento da maximização dos lucros com o comportamento que maximiza o interesse nacional.
Neste sentido, pode haver diferenças importantes entre os países. As grandes empresas norte-americanas são livres para escolher as suas estratégias de negócios numa base global, sem terem que ter em conta o interesse nacional. Em contraste, o governo chinês exerce um controlo significativo sobre as empresas, e o interesse nacional é bem tido em conta nas suas estratégias empresariais. Do ponto de vista de uma perspectiva nacional, isto significa que a China tem relativamente vantagens sobre os Estados Unidos, apesar de que os accionistas das empresas chinesas não sejam tão bem servidos como são os das grandes empresas americanas.
Uma terceira área que necessita de atenção é a da política cambial. Nos trabalhos GBS considera-se que as taxas de câmbio estão ao valor de paridade de poder de compra. No entanto, significativas e dispendiosas distorções surgem se as taxas de câmbio se desviam deste valor. Num mundo sem IRTS, as taxas de câmbio subavaliadas dão origem a desvios de produção face às vantagens comparadas. Num mundo com IRTS, a subavaliação cambial pode ser utilizada para alterar permanentemente o equilíbrio e para bloquear a evolução das estruturas de produção global (Palley, 2003a).
Mesmo na teoria do comércio convencional, a sub-avaliação cambial dá origem a desvios face às vantagens comparadas e a uma má distribuição ou afectação da produção (Blecker 2005a). A teoria das vantagens comparadas é uma teoria que pressupõe balança comercial equilibrada, é uma teoria do equilíbrio nas trocas internacionais. Consequentemente, se um país tem uma taxa de câmbio sub-avaliada e um excedente comercial persistente, a implicação é que o país está a exportar alguns produtos em que carece de uma vantagem comparativa. Da mesma forma, um país de défices comerciais persistentes pode estar a importar alguns produtos em que detém uma vantagem comparativa.
Na presença de desemprego (que é assumido como inexistente pela teoria pura do comércio internacional), um país pode utilizar a taxa de câmbio mantendo-a estrategicamente subavaliada para captar a procura agregada e reduzir o desemprego à custa de outros países. Esta possibilidade foi identificada há muito tempo por Joan Robinson (1947). A esta política chamou Joan Robinson uma política “beggar-my-neighbour” como remédio contra o desemprego (8).
A linha de referência é que as taxas de câmbio são significativamente importantes no quadro da produção global e para os resultados de emprego. Num mundo sem IRTS, das taxas de câmbio subavaliadas resultam desvios de produção face às vantagens comparadas. Num mundo com IRTS, a subavaliação cambial pode ser utilizada para conseguir alterar permanentemente o equilíbrio e bloquear a própria evolução das mudanças nas estruturas de produção global.
Estes efeitos levam a tomar as taxas de câmbio como uma peça central quer da política comercial quer dos acordos comerciais. No entanto, os políticos norte-americanos rejeitam a intervenção no mercado cambial na base de que os mercados sabem melhor que os decisores qual a taxa de câmbio que deve vigorar. Esta posição está em contradição com a razão e com os factos bem evidentes, aliás. Há muitas razões teóricas para acreditar que os mercados de câmbio são propensos a comportamento de imitação, como os carneiros de Panurgo, digamos. Há também o reconhecimento bem evidente ao nível dos factos de que as taxas de câmbio se afastam dos seus níveis teoricamente justificados de equilíbrio, que são definidos como taxa à paridade do poder de compra ou como sendo a taxa de câmbio compatível com a sustentabilidade dos défices na balança corrente. Em alguns casos, os países estão estrategicamente a manipular as suas taxas de câmbio (especialmente as economias do Leste Asiático) e os Estados Unidos está, com isso, a ser prejudicado economicamente pois está a perder indústrias e a acumular défices comerciais de grande envergadura, que geram pesados encargos futuros.
Outra forma de política estratégica é a compensação interna. Aqui, os países podem direccionar as compras governamentais para as empresas nacionais, e assim, por esta via redimensionam a escala dessas mesmas empresas. Desta forma, eles ajudam as empresas nacionais a moverem para baixo na curva de custo médio e a tornarem-se os produtores de mais baixo custo global, assim, alcançando assim a liderança global.
Os países também podem enveredar pela exploração intensa do trabalho para ganharem vantagem. Neste caso, os países deslocam a própria curva do custo médio para baixo em vez de se moverem ao longo da curva de custo. Este tipo de intervenção tem sido directamente relevante nas questões do comércio dos Estados Unidos para com a China, uma vez que os sindicatos norte-americanos acusaram a China de exploração intensiva do trabalho com o objectivo de ganharem vantagens comerciais.
A exploração intensiva do trabalho é horrorosa e inaceitável. A forma legítima de reduzir os custos das empresas diz respeito ao método de proporcionarem condições para a saúde e a segurança social. O seguro é um custo do trabalho nos Estados Unidos, que aumenta o custo de produção, e que é, em termos de competitividade, desvantajoso para os produtores nacionais e fornece um incentivo para se deslocalizar a produção para o exterior. O seguro de saúde que é fornecido através de um sistema nacional de seguros e é financiado pelas receitas de impostos federais pode reduzir este incentivo (9). A mesma situação é válida para o financiamento da Segurança Social, o que sugere que o financiamento parcial da Segurança Social deve ser feito com as receitas fiscais gerais.
Em suma, a análise de GBS sobre o comércio internacional sugere um conjunto de políticas que têm alguma semelhança com o que historicamente tem sido chamado de política industrial ou de política da competitividade. No entanto, as políticas propostas não envolvem a “escolha de vencedores” pelos decisores da política estabelecida; não há nenhuma razão para acreditar que eles o possam fazer. Antes pelo contrário, trata-se de estabelecer adequadamente uma estrutura e uma atmosfera económica correspondente. Por estrutura referimo-nos aqui à lei e às regras, que devem proporcionar os incentivos para as empresas inovarem e investirem e para os trabalhadores melhorarem as suas capacidades profissionais. Deve-se também assegurar que os interesses das empresas estão alinhados com o interesse nacional. Por atmosfera referimo-nos às condições negociais que são favoráveis para a melhoria dos resultados das suas actividades internas, tais como a promoção do pleno emprego e a manutenção de taxas de câmbio competitivamente avaliadas.
(Continua)