Um Café na Internet
(continuação)
Se os horrores nazis marcam também profundamente a sua obra, constantemente presentes nela estão a esperança e o prazer da vida, ou seja, Marc Chagall não deixa de ser também um optimista.
Se tivesse de escolher de entre as muitas obras-primas que tivemos a feliz oportunidade de ver agora em Madrid, há duas que se me impõem: o «Tecto para a Ópera Garnier», de 1963, que a seguir se reproduz e de que vimos na exposição, naturalmente, o esboço, pedindo aos que conhecem Paris que vejam tudo o que reproduz com atenção redobrada;
Sendo a outra «A guerra» (1964-1966) – óleo sobre tela, 163 x 231 cm. Sobre esta obra, demos de novo a palavra a Jean-Louis Prat: «A aldeia –sempre a aldeia, símbolo de uma vida passada- é atacada a sangue e fogo, e os seus habitantes fogem a toda a pressa, com o que lhes fica, deixando os seus que já foram destroçados pela guerra. A tela é invadida pelo animal mítico, de um branco níveo, imaculado, como a paisagem, que é um sudário rodeado de negro, de desgraça e de duelo. E está também, no alto da grande cena, o Cristo que reúne e agrupa, uma vez mais, as vítimas de todas as tragédias. A composição é ampla, estruturada, e baseia-se na composição do cinzento, do negro e do branco. Só as grandes chamas que se erguem para o céu escuro dão uma nota de vermelho. Sabedor de que não pode deixar de se preocupar com a liberdade, o artista compromete-se com a sua época.» (in Catálogo da Exposição).
Recomendamos que se leia este texto de Jean-Louis Prat e, em simultâneo, que vamos olhando o quadro atentando em todos os pormenores. Imaginem depois o que é estar em frente de tal obra-prima. Estas duas obras justificam uma deslocação a Madrid, acreditem!
«A guerra»
Recentemente fomos ao CCB – Museu Colecção Berardo ver a excelente exposição, que ali se manterá até 24 de Junho, do português Nikias Skapinakis, de quem tinha visto uma ou outra mostra das suas obras, mas nenhuma como esta. Fui correndo a longa exposição e ia verificando que as cores de muitas das obras expostas me eram familiares, até que parei em frente de «O atelier de Chagall», quadro de 2005, óleo sobre tela, 100 x 73 cm, e a confirmação do que pensava, mas não expressava, tornou-se evidente. Vi depois o catálogo desta exposição, que adquiri, não resistindo a dele transcrever o que Nikias escreveu para a Introdução: «Os meus começos não tiveram nada em comum com o movimento neorrealista; bem pelo contrário, como esta exposição demonstra. Nos anos de 1950, a minha ligação foi essencialmente à primeira Escola de Paris, e nela avulta a figura tutelar de Chagall.»
Será que, a partir de agora, estará Chagall sempre presente em tudo a que eu possa assistir com a pintura relacionado? Que melhor prova da sua genialidade haverá?
Mas esta crónica «De regresso a Madrid» não pode, no entanto, findar aqui. Depois de percorrermos as duas referidas exposições no Museu Thyssen-Bornemisza, fomos até à Fundación Caja Madrid, na Plaza de San Martin, o que significa que fizemos uns bons quilómetros a pé, para ver a última parte da exposição -«O grande jogo da cor, França, 1948-1985»- e uma pequena amostra das suas esculturas e cerâmicas, onde estão os dois quadros que acima destaquei. No regresso, a caminho do hotel e de novo a pé como excelente exercício que é para as nossas idades, a família já não teve forças para me acompanhar ao Museu do Prado. No que me dizia respeito, não me era possível sair de Madrid sem ver a maravilhosa obra a que chamo «A segunda Gioconda». Outra curiosidade eu tinha, relacionada com as novas condições de acesso ao Museu, com o que, nós portugueses muito temos a aprender, dado que os bons exemplos são para seguir. Vejamos: sabemos que o Museu já não fecha às segundas-feiras, encontrando-se apenas encerrado nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro, e com o horário reduzido, das 10h00 às 14h00, nos dias 6 de Janeiro, 24 e 31 de Dezembro, a que se junta uma outra novidade, que é a possibilidade de, duas horas antes do encerramento, a entrada ser livre; portanto, foi a curiosidade de ver aquela outra «Gioconda», mas também a confirmação do êxito desta última medida que fizeram com que não manifestasse qualquer cansaço. As minhas expectativas não saíram goradas, a fila de 4/5 pessoas, lado a lado, ocupava todo o espaço da frente do Museu, mas a demora na entrada, após as 18h00, não gastou mais do que alguns curtos minutos.
Dirigi-me de imediato à sala 49, onde estava a «nova» «Gioconda», e, aí sim, para conseguir colocar-me em frente do quadro demorei bem 15/20 minutos, tantas eram as pessoas movidas pelo mesmo interesse que ali me havia levado.
A Gioconda (cópia) antes de restaurada
A «Gioconda do Museu do Prado», que será o título que melhor identifica a obra, terá sido pintada, enquanto Leonardo Da Vinci criava o original (este exposto no Museu do Louvre), por algum dos seus discípulos, como se concluiu do estudo feito durante a restauração da obra para a sua mostra numa exposição do Museu do Louvre dedicada ao genial pintor e cientista, e que, sendo a cópia mais antiga do original, pelo menos que se saiba, atinge uma significativa importância até para conhecimento da obra que pertence a este museu na cidade de Paris.
Ficámos também a saber que esta cópia, que evidentemente é um original criado naturalmente sob orientação do genial toscano, pertence às colecções do Museu do Prado desde a sua fundação em 1819, dado que pertencia às colecções reais espanholas, que estiveram na base da criação do próprio Museu. Presume-se mesmo que a «Gioconda do Prado» pertencia às colecções reais desde 1666, dado que no inventário do Alcázar se fazia referência a «um retrato feminino relacionado com Leonardo» (consulte-se, na «internet», o sítio do Museu do Prado).
A obra está agora exposta no Museu do Louvre, desde 29 de Março e até 25 de Junho do corrente ano, fazendo portanto parte da exposição organizada neste Museu, intitulada «A última obra de Leonardo da Vinci».
Terminada esta exposição, regressará ao Museu do Prado como parte da sua colecção permanente.
A Gioconda (cópia) depois de restaurada
Lembro o que escreveu o Adão Cruz em «Para que serve a Arte? Uma visão pessoal»: “Quando alguém produz uma chamada obra de Arte, neste caso uma pintura, introduz na tela toda a sua vida, ainda que inconscientemente, todas as suas vivências, todas as suas memorizações, todas as suas aprendizagens, todas as suas emoções, todos os seus sentimentos, paixões e devaneios, todas as suas frustrações, todas as suas potencialidades reflexivas, toda a sua cultura, toda a sua visão do mundo e das coisas”, e, ao recordar estas palavras, é para vos dizer que sinto isso mesmo na obra de Chagall, sentimento que espero tenha sabido transmitir-vos nesta longa crónica, que vou terminar, no entanto, com estes 13 versos retirados de um dos muitos poemas de Irene Lisboa, intitulados «outro dia» (in «Poesia I», págs. 124-126, Editorial Presença, Lx. 1991):
(…)
¿Mas que direitos me arrogava eu
de achar menos bela,
menos impressionante
a música que a pintura?
A pintura tem-me sempre dado
mais pensamentos,
mais fáceis reconhecimentos.
A música
adormece-me um pouco…
Apanho-lhe um canto
e esqueço todo o resto…
Julgava-me, até,
insensível a ela.
(…)
Portela (Sacavém), 2012-04-18