10h00 – Na Rua do Arsenal, o tenente Alfredo Assunção, da EPC, empreende uma tentativa de negociação com o coronel Romeiras Júnior e o brigadeiro Junqueira dos Reis.
– Este oficial-general agride com três murros o emissário dos revoltosos que responde com continência e uma rígida posição de sentido. O brigadeiro manda, em seguida, abrir fogo sobre ele, não sendo obedecido, por intervenção directa do coronel Romeiras. Assunção regressa, então, para junto das suas tropas.
10h10 – Chega ao Terreiro do Paço o tenente-coronel Correia de Campos, enviado do Posto de Comando da Pontinha, com a missão de coordenar as operações.
10h15 – Um grupo de comandos, que integra Correia de Campos e Jaime Neves, passa revista ao Ministério do Exército, confirmando a fuga dos ministros que tinha por missão prender, procedendo à detenção de diversos oficiais superiores, designadamente o coronel Álvaro Fontoura, chefe de gabinete do ministro do Exército que seriam, pouco depois, transferidos para o RE 1.
10h30 – Depois de algumas tentativas infrutíferas para a rendição do major Pato Anselmo, na Ribeira das Naus, esse intento é alcançado por um civil, o ex-alferes miliciano Fernando Brito e Cunha, que actua às ordens de Correia de Campos. Os dois carros de combate e as tropas que os seguiam passam-se para o lado dos revoltosos, ficando sob o comando de Salgueiro Maia.
– O Agrupamento Norte, comandado pelo capitão Gertrudes da Silva, atinge Peniche, com o objectivo de ocupar essa odiosa prisão política do Regime. Face à resistência da PIDE/DGS, a companhia do CICA 2 e duas secções de obuses do RAP 3 montam cerco àquele objectivo, seguindo o grosso da coluna para Lisboa.
10h45 – Face à perda de metade da sua coluna, o 2º comandante da RML transfere o CC/M47 do alferes miliciano Fernando Sottomayor (RC 7) para a Ribeira das Naus. Seguidamente, o brigadeiro Junqueira dos Reis ordena-lhe que abra fogo sobre Salgueiro Maia, quando este se encontra entre a esquina do Ministério do Exército e o muro para o rio Tejo, numa tentativa para obter a rendição do remanescente das forças fiéis ao governo. O oficial miliciano recusa-se a obedecer, sendo detido e transferido para o RL2.
10h50 – Junqueira dos Reis ordena, sem sucesso, aos soldados que abram fogo. Perante a desobediência generalizada, o oficial-general dá dois tiros para o ar e dirige-se para a Rua do Arsenal, onde se encontra o carro de combate do comandante do RC 7.
Há 38 anos atrás, diz Júlio Marques Mota, professor de Economia, «os estudantes discutiam política, discutiam economia, discutiam cenários, a força da vida a muitos tinha-os levado a aprender e a pensar» e recorrendo à memória, o argonauta oferece-nos um relato vivido que dedica aos amigos implicitamente citados nesta nota
Por onde andava na noite de 24 de Abril ou por onde andará no 24 de Abril? Duas perguntas ou uma só? Dois tempos ou a sua fusão a ser um recuo na História? Duas realidades equivalentes ou muito diferentes?
Nessa altura estudantes de economia, apanhámos de frente com o 16 de Março. Na época, os estudantes discutiam política, discutiam economia, discutiam cenários, a força da vida a muitos tinha-os levado a aprender a pensar. Que pensávamos nós sobre este acontecimento? Para alguns com quem estudávamos ou até com outros perto de movimentos políticos discutíamos as teses recentes à volta dos movimentos operários, à volta também das aristocracias operárias, à volta, no caso português, dos operários da Setenave, da Lisnave e também, no sector dos serviços,à volta da situação relativamente de “luxo” em que se vivia na banca e do papel que representava o sindicato dos bancários.
Sentíamos no ar que algo ia mudar e arranjávamos uma explicação até bem simples em termos de discussão, mas não em termos de escrita, porque aí seria necessária a modelização em economia. Ao nível da agricultura e da indústria, éramos um país em forma de dupla tesoura, emque o campo era explorado via preços, a troca desigual interna, a primeira tesoura, pagando caro os produtos industriais, vendendo barato os produtos agrícolas e era essa uma base de apropriação do excedente económico criado neste grande sector da economia nacional de então, a constituir a base da acumulação do capital no fascismo.
Por essa via da tesoura, a da pauperização relativa, libertava-se mão-de-obra para a indústria. Mas, ainda aqui, não tínhamos dimensão industrial, tivemos um fascismo comoo da Espanha, mas não tivemos um Franco, tivemos um Salazar. Ao nível da indústria e na base de salários baixos, não esqueçamos que a criação das zonas económicas especiais foiinicialmente testada em Portugal, e a estas chamava-se na altura produção em regime de drawback. Mais tarde, esta experiência foi a base das maquilhadoras mexicanas eestas, por sua vez, a base das zonas especiais de exportação como é o caso da China actualmente. Com essa produção em regime de drawbackcomeçava-se em Portugal a industrialização para o mercado mundial. Esta seria a segunda tesoura a fechar, a bloquear o sistema económico português.
Dupla tesoura, portanto, interna e externa e seria este mecanismo que na nossa opinião iria levar o sistema à explosão mais tarde, pois vendíamos barato os produtos industriais para o exterior, comprávamos caros os produtos manufacturados ao exterior, o segundo mecanismo de apropriação do excedente mas agora feito pelo comércio externo e a favor, portanto, do estrangeiro. Era na análise destes mecanismos que consumíamos os tempos livres de então.
Considerávamo-nos a viver num país duplamente explorado. Adicionalmente a guerra consumia grande parte do excedente que em Portugal restava ou ficava mas este passava a não chegar. Tudo isto acontecia quando a situação era militarmente cada vez mais tensa, quando a situação económica desse ponto de vista era cada vez menos brilhante, e o dinheiro passava a faltar para “silenciar” a contestação nos meios militares, o excedente passava a escassear para sustentar uma burguesia que à sombra da guerra se tinha estado a formar. Insustentável o sistema, outro Março teria que haver e foi no mês de Abril.
Era sobre essa base que alimentávamos as nossas discussões, algumas reuniões até fazíamos, uma ou outra até com intelectuais próximos do PC, e ainda me lembro de uma qualquer feita para os lados da Rua de Artilharia 1, sempre a procurar adivinhar quando é que haveria outro 16 de Março, em que teríamos trabalhado com Eugénio Rosa, por exemplo. Da nossa parte, éramos apenas estudantes.
Era assim que se vivia e se pensava com as gentes com quem se convivia e pelo meio houve a precariedade, muita mesmo, de um estudante sem dinheiro que era eu e emque o pouco de que podia dispor, por herança de meu pai, foiemprestado para pagar os custos de colocar alguns colegas meus lá fora. Foi assim.
Ainda aqui uma “anedota” desses tempos difíceis que nem sempre eram tempos de solidariedade. Um grande amigo pediu-me ajuda para um colega estudante, um amigo comum, maoísta, que estava na cantina do então ISEG e que não podia ir para casa porque a PIDE aí o esperava. Dava-lhe eu, que nada tinha a ver com o maoísmo, dormida ou não, era esta a questão. Claro que sim. Alimentei-o durante meses com o dinheiro meu e de amigos meus, tão tesos como eu. Em dificuldade fui ter com o seu irmão, que não era maoísta, dizendo-lhe que estava com muita dificuldade para suportar os custos doirmão por mim colocado “artesanalmente” na clandestinidade e a resposta foi lapidar, compreensível apenas ao nível da anedota: “não tenho nada a ver com isso”! As divisões na esquerda esmagavam tudo, até os laços familiares, coisa que admitíamos como impossível, mas não era, afinal.
Solução, então? A solução era colocar este jovem no estrangeiro. Neste contexto, até a ligação à família assim perdia, exceptoo afecto dos pais que nem ele nem eu podíamos na altura contactar e de quem assim não se despedia. Mas sair do país não era fácil, colocar alguém no exterior era muito difícil mesmo. Por sorte conhecia, e tinha como quase meu irmão, um colega estudante da zona de contrabando, a zona do Sabugal. A ele recorri e, mais uma vez, o outro lado da profunda fraternidade encontrei, foi ele próprio que se arriscou e a Paris este meu amigo levou!
Mais tarde, o 25 de Abril chegou, e este meu amigo, de Chico seu nome, a Portugal regressou. Por mim procurou e a conta referente às despesas de alimentação dessa clandestinidade difícil e desajeitadamente sustentada que estava por liquidar, foi então arrumada com uma simples resposta de nada haver a pagar, uma vez que estavam registadas no vento quente da fraternidadeque das entranhas da terra de então renascia.
E, entretanto,o tempo do pós 25 de Abril de muitos dos sonhos que entretanto se construíram quase tudo queimou, e o povo de então e de agora com o que destas cinzaslhes sobrou, com a força que o equivalente funcional do fascismo que em Portugal agora se instalou a todos nós confere, outro 25 de Abril obrigatoriamente há-de fazer, até porque:
-Face à ganância dos novos bárbaros que têm nome e são chamados de Sócrates,dePassos Coelho,claramente um produtodaquele,de Gaspar, de Mira Amaral, de Nogueira Leite, de Paulo Moita de Macedoassim como de todos aqueles que estas marionetes orientam e manipulam;-face à capacidade de rapina que os outros por detrás destes novos bárbaros exercem sobre o rendimento de quem trabalha, mais fazendo do governo um conjunto de servidores a terem como função legalizada a usurpação, mesmo violenta, do resultado do trabalho utilizado no processo de produção de bens e serviços neste país; não haverá outra saída possível,a não sermorrer como actualmente se faz em Itália.Mas a História, desde Spartacus, não nos deixa colectivamente outra saída que não seja o ter direito à nossa dignidade de cidadãos. O mecanismo de tesoura que feznascer o Março e o Abril de 1974 é, agora sob o domínio estrangeiro, o da Troika, muito mais potente e, certamente, outro Abril há-de fazer nascer. Onde andaremos, então?