Pela leitura dos textos de economia que temos publicado neste blogue, seleccionados e apresentados pelo argonauta Júlio Marques Mota, concluímos, sem sombra para dúvida que o objectivo principal das chamadas reformas estruturais (é claro que são na realidade contra-reformas, na medida que não constroem, mas sim destroem), para além de pôr fim ao estado social, é a precarização do vínculo laboral, que passa a ser a regra e não a excepção. A observação da realidade do nosso dia-a-dia confirma plenamente esta conclusão.
Pretende-se estender a toda a sociedade, a toda a actividade económica, a começar pela relação de trabalho, aquilo que se chama o espírito empresarial. Toda a gente terá de correr riscos na sua actividade profissional, isto é viver na incerteza, e procurar maximizar o lucro. O que vai acontecer é que, não sendo a grande maioria dos indivíduos e das famílias proprietária de meios de produção, será obrigada a recorrer diariamente a expedientes para poder sobreviver. A ideologia subjacente, pois é de uma ideologia que se trata, está implícita nos manuais do neoliberalismo, e é diariamente divulgada através da comunicação social. É verdade que os seus mentores negam a sua existência, mas ela é cada vez mais evidente. Defendem a propriedade privada, embora a maioria da população, incluindo os pequenos e médios proprietários, que lutam com dificuldades cada vez maiores para sobreviver, tenha dificuldades cada vez maiores para obtê-la, ou para a defender. Defendem a libertação da sociedade em relação ao estado (a expressão e deles), mas simultaneamente preconizam o reforço da repressão e o fortalecimento do militarismo, através da profissionalização das forças armadas, da limitação dos direitos de manifestação, e de greve, da redução da privacidade e da proliferação de sistemas de vigilância de todos os tipos, inclusive através da utilização das redes sociais e do cruzamento de informações. É óbvio que o grande objectivo dessa ideologia é manter o poder e a riqueza nas mãos de quem já a tem, e afastar a grande maioria das pessoas. Esta é a crua realidade. A violência dos resultados já se começa a poder constatar.
Anteontem, dia 1 de Maio, decorreu em Portugal um episódio que se poderia classificar de interessante, se não fossem os aborrecimentos e mesmo os sofrimentos infligidos a um grande número de pessoas, o que obriga a classificá-lo como detestável. As cadeias de supermercados impuseram aos seus trabalhadores a abertura no Dia do Trabalhador, obviamente para tentarem fazer ver que seriam mais as pessoas a fazerem compras do que a marcarem presença nas manifestações. E, claro, também para ganharem mais algum dinheiro. Entretanto, uma delas resolveu fazer uma promoção com características inéditas, tanto quanto Diário de Bordo se lembra. O resultado foi que grande número de pessoas acorreram a procurar beneficiar das condições oferecidas, dentro do espírito que se procura consolidar, e, é justo reconhecer, muitas delas aguilhoadas pelas carências cada vez maiores que se vão verificando. O autor da promoção terá querido, para além de lançar consumidores contra trabalhadores, ultrapassar a concorrência. E talvez armar um espectáculo divertido (para ele, claro). É de temer que episódios semelhantes se generalizem, com incidentes cada vez mais graves.