Um Café na Internet
(1860 – 1904)
Ilya Sergeitch Peplov e a sua esposa Kleopatra Petrovna estavam à porta, a escutar ansiosamente. Do outro lado, na sala de visitas parecia estar a ocorrer uma cena amorosa entre duas pessoas: Natashenka, a filha deles, e um professor da escola local, chamado Shchupkin.
― Ele está a levantar-se! ― segredou Peplov, tremendo de impaciência e esfregando as mãos. ― Agora, Kleopatra, presta atenção; assim que eles comecem a falar dos seus sentimentos, tira o ícone da parede, entramos e abençoamo-los… Assim, apanhamo-lo… Uma bênção com um ícone é sagrada e vincula perante a lei… Ele não poderá fugir ao compromisso, se o levarmos a tribunal.
Do outro lado da porta a conversa decorria assim:
― Não continue com isso! ― dizia Shchupkin, acendendo um fósforo riscando-o nas calças axadrezadas. ― Nunca lhe escrevi uma só carta.
― Essa é boa! Como se eu não conhecesse a sua letra! ― a rapariga deu um guincho com ar afectado, com uma risadinha, enquanto se mirava furtivamente ao espelho. ― Reconheci-a logo! Que homem tão esquisito que você é! Ensina caligrafia, mas quando escreve só faz gatafunhos! Como pode ensinar a escrever se a sua letra é tão má?
― Hum!… Isso não quer dizer nada. O que faz falta nas lições de caligrafia não é uma mão para escrever, mas para meter os rapazes na ordem. Dá-se na cabeça de um com a régua, obriga-se outro a ajoelhar… Para além disso, qual é a importância da caligrafia? Nekrassov foi um escritor famoso, mas a letra dele era péssima, como se pode ver pela amostra incluída nas suas obras escolhidas.
― Você não é Nekrassov… ― Suspirou. ― Adorava casar com um autor. Ele estaria sempre a escrever poemas para mim.
― Posso escrever um poema para si, se quiser.
― Sobre o que é que iria escrever?
― Amor – paixão – os seus olhos. Ficará maravilhada quando ler. Faria chorar uma pedra. E se eu lhe escrever um poema a sério, deixa-me beijar a sua mão?
― Isso não é nada! Pode beijá-la agora se quiser.
Shchupkin deu um pulo, e fazendo olhos de carneiro, inclinou-se a mão gordinha a cheirar a sabonete de ovo.
― Tira o ícone, ― segredou Peplov atarantado, pálido com a excitação, e a abotoar o casaco enquanto cutucava a esposa com o cotovelo. ― Vamos lá, depressa!
Em menos de um segundo Peplov escancarou a porta.
― Filhos, ― murmurou, erguendo os braços e pestanejando lacrimosamente, ― que o Senhor vos abençoe, meus filhos. Que vivam – prosperem – e vos multipliqueis.
― E – eu vos abençoo, também, ― declarou a mãezinha, chorando de felicidade. ― Sejam felizes, meus queridos! Oh, vai levar-me o meu único tesouro! ― disse para Shchupkin. ― Ame a minha filha, seja bom para ela…
A boca de Shchupkin abria-se de espanto e alarme. O ataque dos pais era tão descarado e inesperado que ele não conseguia pronunciar uma única palavra.
― Estou feito! Agarraram-me bem agarrado!― pensou ele, gelado de terror. ― Desta não escapas, meu rapaz! Não há safa possível!
E inclinou a cabeça com ar submisso, como se dissesse, ― Façam o que quiserem . Rendo-me.
― Bên – Bênçãos sobre ti, ― continuava o paizinho, e, também ele, derramava lágrimas. ― Natashenka, minha filha, põe-te ao lado dele. Kleopatra, dá-me o ícone.
Mas nesse instante o pai repentinamente deixou de chorar, e o seu rosto alterou-se de fúria.
― Sua tola! ― disse à mulher, muito zangado. ― És uma idiota! Isto é que é o ícone?
― Ai, que os santos me acudam!
Que tinha acontecido? O mestre de caligrafia ergueu-se e percebeu que estava salvo; com a pressa a mãezinha tinha tirado da parede o retrato de Lazhetchnikov, o autor, em vez do ícone. O velho Peplov e a mulher ficaram no meio da sala, desorientados, com o retrato no ar, sem saber o que fazer ou o que dizer. O professor de caligrafia aproveitou a confusão e esgueirou-se porta fora.
Fui buscar a versão inglesa deste conto ao site do Projecto Gutenberg.