Depois de 2008 os mesmos escândalos, a mesma incapacidade

de resposta, a mesma preferência pelo maior local dos crimes, a City de Londres.

Selecção, tradução e apresentação por Júlio Marques Mota

 

Crónicas sobre quem até os cães da minha infância seria capaz de  devorar

 

Conheça um pouco da história. O banco JP MORGAN perdeu recentemente muito dinheiro, muito mesmo. Estamos em plena crise, financeira primeiro, da dívida pública depois, e agora da dívida pública e financeira também. Entretanto há quem jogue ao poker, que jogue em cada lance dezenas de milhares de milhões, até à centena mesma, centena de milhares de milhões, mesmo que em cada lance possa ser um país que está sair jogado e esse país possa ser o seu. E nestes números, de muitos zeros para a minha cabeça,  não há engano, foram aplicados  em apostas, aplicações de investimento dirão  os   analistas,  apostas puras direi eu que não percebo nada disto. Conhece  as consequências, creio, bem espelhadas por um ditado africano que nos diz que quando dois elefantes combatem quem sai pisado é a relva.  Conheça um pouco como se combate, porque a relva somos nós, conhece as consequências das apostas, conhece-as diariamente, e conheça então o  que  está por detrás destas apostas, conheça um pouco a história de uma das reencarnações de Jesus, capazes de caminhar  sobre a água,  mas mais uma vez quem se afoga somos nós.  

 

Pelo meio destes textos há um avivar de memória de outras reencarnações de Jesus e em que cada reencarnação terá levado a um afogamento por mergulho, mas  do respectivo banco, claro.

 

6. A baleia de Londres orgulhava-se de “caminhar sobre a água”

 

Marc Roche

 

Bruno Michel Iksil tinha tudo a seu favor: inteligência, autoridade natural, fortes conhecimentos em matemática, e a sorte. Saído da Central, uma das mais prestigiadas Grandes Écoles de França de que as salas de mercados estão cheias, este filho de engenheiro tem dificuldade em esconder um sentimento de superioridade, o que é uma característica na City.


Mas o antigo quadro de Natixis, que afirmava que a sua principal qualidade era a humildade, tinha também um grave defeito como muitos operadores das salas de mercados (traders) franceses devido ao seu trajecto de carreira no mundo financeiro anglo-saxónico. Este profissional em Londres gabava-se de ser capaz de “andar sobre a água” como Jesus.


Acumular CDS para criar a penúria

 

Mudança de cenário para a estrela dos traders de JPMorgan no Chief Investment Office, a direcção do banco americano de investimentos Morgan Case. Hoje, ele é responsabilizado pela perda de pelo menos 2 mil milhões de dólares na sequência das aplicações (apostas) falhadas sobre produtos financeiros sofisticados chamados “credit default swap” (CDS), que asseguram a protecção contra o incumprimento dos Estados e das grandes empresas. Alcunhado de “a baleia de Londres” tendo em conta o volume das suas tomadas de posições entre as mais elevadas que haja memória nos operadores de mercado, este francês tinha decidiu acumular montanhas de CDS para assim criar a escassez. Ganância fatal…

 

“Nestas enormes organizações estilo JPMorgan, há sempre um indivíduo ou um pequeno grupo para jogar ao poker.” “Cabe aos dirigentes pôr em prática mecanismos de controlo adequados,” disse Chris Roebuck, professor de economia na Cass Business School. E é aqui que o bastão dói. A pequena unidade de que  Iksil fazia parte era o feudo pessoal do Presidente do JP Morgan, Jaime Dimon. O seu superior hierárquico no 125 London Wall, Aquiles Macris, respondia apenas perante o patrão, Jamie Dimon, e perante o braço direito deste último, Ina Drew, que supervisionava de longe o Chief Investment Office.


Além disso, a existência deste misterioso gabinete permitia a Dimon de curto-circuitar os seus colaboradores directos, de que este homem autoritário desconfiava. Além disso, ele tinha todo o interesse em promover a célula autónoma de Iksil cujos profissionais eram menos remunerados em bónus.


Além disso, nos bancos americanos, ao contrário do que acontece na Europa, os depósitos são mais elevados do que os empréstimos. Esta é a razão pela qual  a liquidez aflui ao Chief Investment Office. De simples investidor encarregado de cobertura de riscos, este antigo aluno da Central virou especulador sobre tudo e sobre não importa ao quê.


Bomba ao retardador

 

Em 2010 e 2011, o pólo de Bruno Iksil tinha realizado superlucros que tinham alimentado os prémios de resultados (os bónus) de final de ano em Nova Iorque. A começar por Drew, que ganhou  15,5 milhões (12 milhões de euros) em comissões e prémios no ano passado…


Jamie Dimon tinha ignorado os avisos sobre o perigo potencial de acumulação de riscos em Londres. As raras cassandras que tinham ousado questioná-lo sobre este assunto tinha sido marginalizado, ou mesmo despedido. Um pequeno grupo na sede geral em Park Avenue, ausência de controlos adequados, autoritarismo no topo, documentação opaca quanto às operações realizadas… Sem o querer saber, JPMorgan estava sentado sobre uma bomba-relógio.


E a situação transformou-se no início de 2012 quando os Hedge funds começaram a apostar contra o JPMorgan para se cobrirem, no caso em que as posições acumuladas em Londres fossem liquidadas. Mesmo se o trader francês tivesse agido com a aprovação da sede do JPMorgan, a Financial Services Authority, a autoridade de serviços financeiros, o regulador britânico, teria aberto um inquérito para saber se este campeão do capitalismo financeiro tem distorcido a mecânica do seu funcionamento.

 

Marc Roche,  La “baleine de Londres” se vantait de “marcher sur l’eau”, LE MONDE | 14.05.2012


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