“A ViIDA DOS SONS”: deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (VII) – 2 – por Álvaro José Ferreira

1974 (Continuação)

8. Transmissão de um excerto de um depoimento do astrofísico norte-americano Frank Drake, a respeito de sinais de rádio recebidos do Espaço, supostamente provenientes de criaturas inteligentes que pululam no Universo [conferência da Universidade de Postdam, Alemanha >> YouTube];

9. Referência à descoberta, a 24 de Novembro de 1974, de parte do esqueleto de um Australopithecus afarensis, com aproximadamente 3,2 milhões de anos, pelo antropólogo norte-americano Donald Johanson, em Hadar, no deserto de Afar, na Etiópia, ao qual seria dado o nome de Lucy; transmissão de um excerto de uma entrevista concedida pelo cientista, seguida de um breve trecho do tema dos Beatles “Lucy in the Sky with Diamonds” [>> YouTube], integrante do álbum “Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967) [completo >> YouTube];

10. Transmissão de duas pequenas passagens do tema “Liberdade”, de Sérgio Godinho [>>YouTube] [>> YouTube], funcionando como ilustração sonora da alusão ao surgimento, após o 25 de Abril de 1974, de uma catadupa de livros, filmes, peças de teatro e canções que haviam sido proibidos pela Censura;

11.Transmissão, à laia de remate final ao programa, de um fragmento do programa “Sangue Latino”, do Canal Brasil, gravado em 2009, com o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano reflectindo sobre as injustiças do século XX e a esperança (não definitivamente perdida) de que o sonho de paz e justiça ainda se possa concretizar no presente século [>> YouTube] [“El Derecho al Delirio” (“O Direito ao Delírio”) >> YouTube].

Foram ignorados:

1. Falecimento do escritor Ferreira de Castro; nascido em 1898, na aldeia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, no seio de uma família humilde, José Maria Ferreira de Castro ficou órfão de pai aos oito anos de idade; em 1911, emigrou para o Brasil, tendo trabalhado como empregado de armazém no seringal Paraíso, junto do rio Madeira, em plena selva amazónica, durante quatro sofridos anos; posteriormente, residiu em Belém do Pará, onde publicou o romance juvenil “Criminoso por Ambição” (1916); de regresso a Portugal, em 1919, foi director do hebdomadário “O Diabo” e redactor do jornal “O Século” e da revista “ABC”; fundou “A Hora: revista panfleto de arte, actualidades e questões sociais” (1922), o jornal “O Luso” e o grande magazine mensal “Civilização” (1928-1937); entre 1923 e 1927, publicou várias novelas – que viria mais tarde a renegar – até, em 1928, ao publicar “Emigrantes” (história de um pobre aventureiro fracassado), se consagrar como romancista numa ficção onde a pesquisa estética é submetida a ideais humanísticos e sociais; o romance “A Selva”, editado em 1930, continua e aprofunda esse ideário humanista tratando do drama dos seringueiros na Amazónia, em situações vivamente descritas, com uma objectividade quase fotográfica; com efeito, a publicação de “Emigrantes”, seguida de “A Selva”, alcançando um êxito extraordinário, no Brasil e noutros países, apontava, segundo Álvaro Salema, «insuspeitadas possibilidades de um realismo novo» que, cerca de uma década mais tarde, com Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Fernando Namora e outros, teria tradução no neo-realismo; a sua produção romanesca prossegue com “Eternidade” (1933), centrado na revolta da Madeira (o povo em fúria contra a Guarda Nacional Republicana), “Terra Fria” (1934), uma história de adultério entre um “americano” de torna-viagem e uma camponesa transmontana casada, e “A Lã e a Neve” (1947), romance de vincado recorte neo-realista cuja acção decorre nas faldas de Serra da Estrela, entre a pastorícia e a tecelagem nas fábricas de lanifícios da Covilhã, “A Curva na Estrada” (1950) cuja acção decorre na Espanha dos anos 30, com o dirigente socialista Álvaro Soriano, a braços com desencantos e ambições, e a figura exemplar do jornalista Pepe Martinez que acredita no amor pelos outros e num mundo de justiça, e “A Missão” (1954), conjunto de novelas onde nos aparecem a Resistência em França no interior de um convento, lendas, dramas, um bordel, pequenos e grandes infortúnios; as dificuldades levantadas pelo regime salazarista à livre expressão do pensamento obrigam o autor a interromper a escrita ficcional para se dedicar às impressões de viagem, dedicando-se, entre 1959 e 1963, à publicação de “As Maravilhas Artísticas do Mundo ou a Prodigiosa Aventura do Homem Através da Arte”; recebendo homenagens literárias em vários países e vendo os seus livros traduzidos em várias línguas (“A Selva” tornou-se um dos livros portugueses mais traduzidos em todo o mundo), Ferreira de Castro assistiria ao culminar do reconhecimento da sua obra com uma vibrante celebração do seu cinquentenário de vida literária, em Portugal e no Brasil, e com, após a publicação do romance “O Instinto Supremo” (1968), a apresentação pela União Brasileira de Escritores da sua candidatura, conjunta com a de Jorge Amado, ao Prémio Nobel da Literatura; esta adesão à obra de Ferreira de Castro foi indissociável da admiração que grande número de leitores devotou à atitude de inflexível resistência do escritor, à sua determinação de não pactuar de qualquer modo com o Estado Novo, postura manifestada, por exemplo, na decisão de não colaborar com a imprensa portuguesa enquanto vigorasse o regime de censura, no facto de não permitir que nenhuma obra sua fosse adaptada ao cinema (financiado pelo Estado), ou na adesão a movimentos democráticos; recebeu, entre outras distinções, o Prémio Internacional Águia de Ouro do Festival do Livro de Nice e foi eleito, em 1962, presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, sucedendo a Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão e Joaquim Paço d’Arcos; um ano antes de falecer doou o seu espólio particular, literário e artístico à vila de Sintra, estando actualmente exposto no museu que enverga o seu nome, no Casal de Santo António [>> YouTube]; mais recentemente, três das suas obras maiores foram transpostas para cinema: “Terra Fria”, por António Campos (1992), “Eternidade”, por Quirino Simões (1995) e “A Selva”, por Leonel Vieira (2002) [>>YouTube] [>> YouTube] [>> YouTube];

2. Falecimento do escritor Branquinho da Fonseca; nascido em Mortágua, a 4 de Maio de 1905, era filho do polemista e escritor Tomás da Fonseca; distinguiu-se como poeta, autor dramático, ficcionista e tradutor (Georges Duhamel, Stendhal, entre outros); com Afonso Duarte, Vitorino Nemésio, António de Sousa e João Gaspar Simões, dirigiu a revista coimbrã “Tríptico” (1924); fundou, em 1927, com José Régio e João Gaspar Simões, a Folha de Arte e Crítica “Presença”, e, após uma dissidência com o grupo presencista, fundou ainda com Adolfo Rocha (Miguel Torga) a revista “Sinal” (1930), de apenas saiu um número; além destas publicações, colaborou em “O Diabo”, “Manifesto” e “Litoral”; foi nas páginas da “Presença” que publicou os textos dramáticos “A Posição de Guerra” e “Os Dois” (posteriormente recolhidos com “Curva do Céu”, “A Grande Estrela”, “Rãs” e “Quatro Vidas”, no volume único de “Teatro”, publicado, em 1939, com o pseudónimo de António Madeira), numa dramaturgia que, segundo Luiz Francisco Rebello (in “100 Anos de Teatro Português”, 1984), combina «elementos de progénie simbolista com certas experiências surrealistas», e que, na opinião do mesmo estudioso, prolongam, «na geração presencista, o vanguardismo de “Orpheu”, de que no sector dramatúrgico Almada Negreiros foi o mais lídimo representante»;na poesia, Branquinho da Fonseca revelou-se logo, em 1926, com “Poemas”, colectânea que estabelece a continuidade com o modernismo «tanto pela aguda desconfiança a alternar com a crença desmedida nos poderes da palavra, como pelo reiterado pendor para a visão alucinatória do concreto e para a expressão aparentemente cândida do insólito.» (David Mourão-Ferreira); mas foi sobretudo no conto que o escritor mais se notabilizou, através de uma escrita espessa, que se presta a interpretações psicológicas, sociais, simbólicas, numa hábil capacidade de misturar o real e o imaginário, o fantástico e o concreto, e de que a famosa novela “O Barão” (1942), amplamente traduzida, constitui um dos exemplos mais significativos [versão cinematográfica de Edgar Pêra, 2011>> YouTube]; licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1930, António Branquinho da Fonseca exerceu a profissão de conservador de registo civil em Marvão (1935) e Nazaré (1936), e dirigiu o Museu-Biblioteca Conde de Castro-Guimarães, em Cascais, e, desde a sua criação em 1958, o Serviço de Bibliotecas Fixas e Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian;

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