CARTA DE PARIS -O Impressionismo e a Moda – por Manuela Degerine

A pintura dos últimos decénios do século XIX rompeu com a tradição académica. Em vez das situações criadas em atelier, evocando a História ou a Antiguidade, por exemplo, os artistas privilegiaram cenas da vida quotidiana no campo, na cidade, em ruas, casas, cafés, ateliers… Muitos críticos de arte rejeitaram esta forma de pintar, considerando-a tecnicamente inepta e tematicamente trivial: exigiam que a arte transcendesse a vida quotidiana; o que os impressionistas aliás conseguiram de um ponto de vista técnico, inovação que contudo a maioria dos contemporâneos não compreendeu. A pintura cansara-se de repetir ninfas, deusas e pastoras, estas tão idealizadas quanto aquelas, para se interessar por mulheres reais na vida real, que passou a representar com pinceladas rápidas para captar o instante, com cores diferentes e pontos de vista surpreendentes… Interessava-se pouco pelos pormenores do vestuário, operando uma síntese das atitudes, silhuetas, efeitos de luz e sombra… Registava o que Beaudelaire definia como “a metamorfose diária das coisas quotidianas”. Lançava um olhar novo a um mundo novo: o progresso era um dos mitos do século. A Moda fazia parte deste movimento e, claro, do modo como então se era homem e mulher.

A exposição do Museu de Orsay, para além de mostrar obras da coleção permanente, reúne outras que vêm de coleções particulares e museus diversos, aqui consideradas deste ponto de vista: a Moda. Numa cenografia de Robert Carsen, os quadros são confrontados com peças de vestuário (vestidos, camisas, coletes, casacas…), calçado e acessórios (meias, espartilhos, luvas, chapéus, leques, bengalas…) do Museu da Moda nos ambientes de uma passagem de modelos, de um “boudoir” ou mesmo de um parque; na última sala, onde se encontra, entre outros, o “Almoço na Relva” de Monet, os visitantes pisam um relvado. Podemos ver não só o quadro “Na estufa” de Albert Bartholomé mas também o vestido nele representado; ou dois quadros de James Tissot, pintados com dois anos de intervalo, nos quais o mesmo vestido é usado por mulheres diferentes… Não resulta daqui apenas uma lição de história do vestuário: a exposição mostra-nos como os olhos dos contemporâneos apreendiam o mundo.

Ora para nós, passados cento e cinquenta anos, o Impressionismo perdeu a força contestatária mas ganhou este atrativo: a representação de um mundo desaparecido. Não havia fotografias? Perguntará o leitor. Havia, sim… E alguns pintores, como Gustave Caillebotte, cujo irmão era fotógrafo, olharam-nas de perto; porém na pintura temos mais: uma representação subjetiva. Vemos o mundo como Eça de Queirós, como Cesário Verde o terão talvez visto… Um regalo para os olhos e para a imaginação. Em Paris até 20 de janeiro de 2013.

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