EM VIAGEM PELA TURQUIA– 30 – por António Gomes Marques

Nos três anos de combates, a Turquia sofreu 13.000 mortos e 35.000 feridos; só na ofensiva final, perderam 13.000 homens, entre mortos, feridos e desaparecidos. Os Gregos perderam cerca de 70.000 homens, número este que inclui 35.000 prisioneiros. Mas quem sofreu a maior perda foi a população civil da Anatólia (v. Andrew Mango, o. c., pág.345).

Em 1 de Novembro de 1922, a Assembleia Nacional decide a abolição do sultanato, tendo o último sultão, Vahdettin, deixado Istambul em 17 de Novembro a bordo de um navio de guerra britânico.

Recordemos que a chamada Guerra da Independência Turca, só assim considerada na historiografia turca (em toda ou em parte, não investigámos), foi também uma guerra entre turcos e curdos islâmicos, de um lado, e os cristãos gregos e arménios, do outro. De reter também o papel nefasto desempenhado pelas habituais potências ocidentais –EUA, França e Reino Unido- que instigaram os cristãos à pretensão de ocupação territorial de parte da Anatólia, não podendo estas potências ocidentais desresponsabilizar-se pelas atrocidades cometidas pelos vencedores contra gregos e arménios (v., em especial, a nota 10 da o. c. de José Pedro Teixeira Fernandes, págs. 44/45).

Se recuarmos um pouco no tempo, podemos verificar que os Britânicos e os Franceses pretendiam dividir entre si grandes parcelas do território então pertencente ao Império Otomano: a Palestina, a Jordânia e a maior parte do Iraque para os Britânicos; o restante território iraquiano e a Síria para os Franceses, pretensões estas que o já referido Tratado de Sèvres viria a confirmar. Nos termos deste tratado (v. Niall Ferguson, in «A Guerra do Mundo – Uma Idade Histórica de Ódio», Livraria Civilização Editora, Porto, 2006, págs. 147/8), «Os Italianos receberam as Ilhas Dodecanesas, incluindo Rodes e o porto de Kastellorizzo na Anatólia. Os Gregos deveriam ficar com a Trácia e a Anatólia Ocidental, incluindo o porto de Esmirna (actualmente Izmir). A Arménia, a Assíria e o Hejaz (agora parte da Arábia Saudita), deveriam ganhar independência. O destino do Curdistão e da zona em redor de Esmirna deveria ser decidido por plebiscito. Sèvres faria pelo Império Otomano o que St. Germain-en-Laye havia feito pelo Império Habsburgo: sugá-lo até ao tutano, mas com base no imperialismo e não no nacionalismo ¾ embora, em deferência às susceptibilidades americana e árabe, as aquisições britânicas e francesas fossem consideradas “mandatos” em vez de colónias.

 Contudo, tudo isto pressupunha que o Médio Oriente pudesse ser tratado como o objecto passivo dos tradicionais desígnios imperiais. Na realidade, as mesmas aspirações nacionalistas e os mesmos conflitos étnicos que criavam tantos tumultos na Europa Central e de Leste também operavam no outro lado dos estreitos do Mar Negro. A diferença residia no facto de, na Europa, estas forças avançarem lentamente. Foram precisas quase duas décadas para anular os termos do Tratado de St. Germain-en-Laye. O Tratado de Sèvres, em contrapartida, passaria a letra-morta numa questão de meses.»

Para uma melhor clarificação de tudo quanto aconteceu, nomeadamente no que às atrocidades (vinganças?) respeita, parece-nos ser este o momento de fazer uma pequena incursão na obra «Churchill – Uma Vida», da autoria de Sir Martin Gilbert (Bertrand Editora, 2003, págs. 338/340):

«Durante 1921 e os primeiros oito meses de 1922, Churchill tinha repetidamente insistido com Lloyd George para fazer a paz com a Turquia. Ele tinha mesmo considerado a demissão no caso de a Grã-Bretanha continuar a apoiar o governo grego na sua tentativa para controlar as províncias ocidentais da Ásia Menor. Na última semana de Agosto, forças turcas tinham lançado um importante ataque contra os Gregos; no espaço de uma semana estavam a forçar os Gregos de volta para o mar, para Esmirna, na costa do Egeu, e Chanak, nos Dardanelos.

Numa reunião do Gabinete, a 7 de Setembro, Curzon, então ministro dos Negócios Estrangeiros propôs a retenção da península de Galípoli pela Grã-Bretanha, que já a tinha ocupado, após a rendição da Turquia em 1918. Churchill apoiou-o. «Se os Turcos tomarem Galípoli e Constantinopla», disse ele ao Gabinete, «nós teremos perdido a totalidade dos frutos da vitória.» Lloyd George concordou.

A 9 de Setembro, as forças turcas entraram em Esmirna. O domínio grego na Ásia Menor tinha terminado. Conforme o Gabinete tinha concordado, os mil soldados dos Dardanelos preparavam-se para retirar para a península de Galípoli, do outro lado do estreito. Mas nessa altura o comandante britânico local decidiu conservá-los em Chanak; Lloyd George apoiou a sua decisão, referindo ao Gabinete, a 15 de Setembro, a sua própria determinação de manter os Turcos fora da Europa, se necessário pela força. Os ministros eram agora unânimes em que a zona neutra, dos dois lados dos Estreitos, devia ser mantida; para evitar que o exército turco atravessasse para a Turquia europeia, duas cidades na costa asiática, Chanak nos Dardanelos e Ismid, no caminho-de-ferro Constantinopla-Bagdade, seriam defendidas pela força. Churchill recebeu instruções para redigir um telegrama para os governos dos domínios, solicitando o seu apoio e pedindo «o envio de reforços militares». O telegrama foi enviado com a aprovação de Lloyd George, e em seu nome.

(…)

A 16 de Setembro, Churchill e Lloyde George redigiram um comunicado de imprensa acerca da necessidade urgente de defender os Dardanelos e o Bósforo contra «uma agressão turca violenta e hostil». O comunicado saiu nos jornais britânicos e dos domínios da manhã seguinte, antes que o telegrama explicativo de Lloyd George para os primeiros-ministros dos domínios tivesse sido descodificado nas respectivas capitais. Os governos australiano e canadiano ficaram furiosos, ambos, por não terem sido consultados antes do apelo público às armas contra a Turquia, e com os próprios termos do apelo. «Por uma boa causa, estamos preparados para arriscar tudo», telegrafou o primeiro-ministro australiano a Londres, «por uma má causa, nem um único homem.» O primeiro-ministro canadiano respondeu que o Canadá não enviaria tropas, de modo nenhum.

Lloyd George e Churchill estavam convencidos de que uma demonstração de força e firmeza em Chanak iria fazer parar os Turcos na sua tentativa de atravessar os Dardanelos. No Gabinete continuavam a procurar meios para reforçar a guarnição de Chanak e resistir a qualquer tentativa turca de avançar para a costa. Eram apoiados nisto pelo ministro das Finanças, Sir Robert Horne, e pelo primeiro-lorde do Almirantado, Lorde Lee de Fareham. Mas os presságios para a acção eram maus; a 18 de Setembro, os Franceses e os Italianos retiraram as suas tropas de Chanak e Ismid; a Grã-Bretanha estava só. No dia seguinte, Churchill comunicou ao Gabinete que os governos da Terra Nova e da Nova Zelândia tinham telegrafado a darem o seu apoio. Austem Chamberlain juntava-se agora aos ministros que estavam determinados em manter a península de Galípoli, «sozinhos, se necessário».

Na sessão do Gabinete de 20 de Setembro, injectando uma nota de precaução, Churchill alertou em relação aos perigos de tentar manter os três locais, Constantinopla, Ismid e Chanak. «Todos os nossos infortúnios no passado tiveram a sua origem em termos tentado fazer aquilo para que não tínhamos forças.» O Gabinete decidiu então que apenas Chanak fosse mantido, mas no dia seguinte o Daily Mail reflectia o desconforto público no seu cabeçalho aconselhando o Governo: «Saiam de Chanak.»

Lloyd George não tinha a menor intenção de ceder à pressão da imprensa. A 22 de Setembro nomeou Churchill para presidir a uma comissão ministerial para exercer um controlo diário sobre o movimento de tropas, navios e aviões para Chanak. No dia seguinte, um milhar de soldados turcos entrou na zona neutra a sul de Chanak e avançou através da zona até estar à vista das posições fortificadas britânicas. Não foram disparados quaisquer tiros.

O balanço das forças era muito desfavorável à Grã-Bretanha. A 27 de Setembro, os Turcos tinham 23000 homens a defrontar a força britânica de 3500; o reforço de mais 5000 não chegaria antes de 9 de Outubro. Nessa tarde, Churchill, uma vez mais a voz da prudência, sugeriu a evacuação da guarnição de Chanak para a margem europeia e a concentração em Galípoli. Mas Loyd George insistia em que Chanak fosse mantida. A evacuação da margem asiática, disse ele, significaria a «maior perda de prestígio que poderia possivelmente ser infligida ao Império Britânico. Churchill discordava; muito mais desastrosa do que a evacuação, respondeu, seria a derrota.

Lloyd George encontrava-se com uma disposição belicosa; a 29 de Setembro o oficial britânico mais graduado em Constantinopla, o general Tim Harington, recebeu instruções do Ministério da Guerra para comunicar aos Turcos que, a menos que eles se retirassem do perímetro de Chanak, a uma hora decidida pelo general, as forças britânicas abririam fogo. Churchill acreditava que o ultimato resultaria em negociações, não em guerra; e uma vez estas iniciadas seria oferecida aos Turcos uma solução territorial que não lhes fosse de todo desfavorável. No entanto, em Constantinopla, Harington decidiu adiar o envio do ultimato, cujo limite de tempo tinha sido deixado ao seu cuidado. Então, na manhã de 30 de Setembro, precisamente quando os Australianos alteraram a sua decisão anterior e concordaram em enviar tropas para Chanak, os Turcos deram a entender que iriam recuar; as suas tropas em Chanak receberam ordens para não provocar «qualquer incidente» e o seu dirigente, Mustafá Kemal, propôs a retirada da área imediatamente à volta de Chanak se os Ingleses concordassem em abandonar a margem asiática e atravessar para o lado europeu.

Na manhã de 1 de Outubro o Gabinete tomou conhecimento de que Harington tinha decidido não apresentar o ultimato. Ao meio-dia soube-se que Kemal tinha concordado num encontro com Harington para negociações. Enquanto Harington e o representante de Kemal, o general Ismet ¾ o vencedor da recente batalha de Inönü contra os Gregos ¾, principiaram as suas conversações, dois dias mais tarde, as tropas turcas em Chanak recuaram mil metros em relação às linhas britânicas. Ainda desejoso de garantir que a guarnição britânica tivesse condições para repelir qualquer ataque turco, Churchill fez a sua supervisão do reforço das forças: «Existe agora em posição em Chanak uma artilharia formidável», telegrafou ele aos primeiros-ministros dos domínios, a 7 de Outubro, «e a aviação está a ser aumentada de hora a hora.»

Os Turcos não se encontravam preparados para tentar empurrar os Ingleses até ao mar. A política da diplomacia pela força tinha dado resultado, sem ter sido disparado um único tiro. Mas em Londres a crise tinha apenas começado. (…). Na manhã de 7 de Outubro, The Times publicava uma carta de Bonar Law (…), a declarar que não era correcto que a Grã-Bretanha, na sua qualidade de importante potência muçulmana ¾ havia mais de sessenta milhões de muçulmanos na Índia ¾ «mostrar qualquer hostilidade ou injustiça para com os Turcos». Sem pelo menos o apoio da França, insistia Bonar Law, qualquer acção militar deveria ser evitada: «Não podemos actuar sozinhos como polícia do mundo.»

(…). Quatro dias após a sua publicação, os Turcos concordaram em retirar para quinze quilómetros de Chanak e outros tantos da orla da zona neutra, em Ismid.

O acordo foi assinado.

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