REFLEXÕES SOBRE A MORTE DA ZONA EURO, SOBRE OS CAMINHOS SEGUIDOS NA EUROPA A CAMINHO DOS ANOS 1930

SOBRE O LIQUIDACIONISMO DE ONTEM NA AMÉRICA E DE HOJE NA EUROPA

Por Júlio Marques Mota

A propósito  do trabalho de Brad Delong sobre os liquidacionistas que marcaram as políticas na Grande Depressão, a propósito  dos liquidacionistas  que marcam as actuais políticas na Europa também – uma simples nota de leitura

Parte II

(conclusão)

Hoje, assistimos à liquidação do Sistema Nacional de Saúde, assistimos à liquidação  do sistema de ensino publico, do secundário ao superior, hoje assistimos à liquidação dos direitos de quem trabalha, de tal modo que será já absurdo falar em mercado de trabalho pois mercado pressupõe ordem, pressupõe lei, hoje assistimos à liquidação da Segurança Social, hoje assistimos à liquidação da própria Democracia, hoje assistimos à liquidação da Europa como espaço civilizacional, como espaço onde nasceu a Democracia, onde nasceu a Declaração dos Direitos do Homem, espaço de onde estas duas conquistas civilizacionais diariamente se alimentavam. Liquidação…liquidação.

Ora de que nos fala o texto de Brad Delong?

Diz-nos o texto:

“Contemplando o naufrágio da economia do seu país e tendo também em vista o naufrágio da sua própria carreira política em retrospectiva, Herbert Hoover escreveu amargamente sobre aqueles que na  sua Administração o tinham  aconselhado à  inacção durante a enorme contracção económica que ocorreu com a Grande Depressão:

Deixem estar o que está e como está dirigido pelo Secretário do Tesouro Mellon… fazer sentir que o governo deve manter as suas mãos de fora e deixar a depressão liquidar-se a si-mesma.  O O Secretário de Estado  Mellon conhece apenas  uma fórmula: ‘ liquidar  o trabalho, liquidar  os mercados bolsistas, liquidar os agricultores,  liquidar  o sector do  imobiliário’…Ele mantinha mesmo a opinião de que até o  pânico não era uma coisa  completamente ruim.  E afirmava:  assim será  estar a limpar  a podridão do sistema. O elevado custo de vida e o elevado nível  de vida irão descer . As pessoas vão trabalhar mais, viver uma vida com muito mais moralidade. Os valores serão ajustados e as pessoas empreendedoras vão-se distanciar dos destroços que  são as pessoas menos competentes “

Sejamos pois claros, a lógica de destruição foi afinal a mesma em 1929 que aquela que agora nos é imposta. Liquidar, liquidar. Ouçamos, por exemplo, Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, numa entrevista concedida ao New York Times e mais tarde sintetizada no Jornal Le Monde:

Justamente, para Berlim a zona euro tem estado a ser mais uma máquina da dívida do que outra coisa e isto desde há dez anos. Que não haja nenhuma dúvida que os países ricos da zona euro não irão garantir as dívidas dos países pobres da zona euro (o sul da Europa, os apanhadores de azeitonas): até porque isso seria encorajá-los a ficarem viciados na situação d endividamento.

Mas o discurso de Jens Weidmann ultrapassa o que os economistas chamam de “risco moral”: os efeitos perversos duma solidariedade financeira que incitaria os países menos rigorosos da zona euro a um comportamento que se tornam caro. É pois necessário ser possível de punir e no vazio das prescrições de política económica, teríamos então a dialéctica do pecado e da sua consequente expiação.

Numa União Monetária mal concebida, como é o caso da zona euro, o mal, é a dívida, o resultado de uma gestão irresponsável e folclórica das finanças públicas. Acumulada ao longo dos anos, esta lançou o descrédito sobre a moeda e minou a confiança em toda a zona.

A sanção está então presente como elemento de dissuasão. Esta deve ser pesada para tirar ao pecador o desejo de recomeçar de novo. Esta punição expressa-se através de um mecanismo maravilhoso, afirma Jens Weidmann: as taxas de juros – a punição pelos mercados.

O New York Times assinala ainda que na opinião do Presidente do Bundesbank  “Seria fatal apagar completamente o impacto disciplinar das taxas de juros a que acrescentou a seguir: ” quando os Estados começam a pagar cada vez mais e mais caro para obterem crédito para cumprirem os seus prazos, então, endividarem-se torna-se muito menos atraente para eles.”

Na lógica do sistema actual, o primeiro passo da punição é então a degradação pelas agências de rating. A seguir segue-se geralmente um aumento da taxa de juros que um Estado deve praticar para vender a sua dívida no mercado. Se está em dificuldades, a remuneração exigida pelos investidores para subscreverem a dívida do Estado em questão alcança níveis intoleráveis: em situação de quase falência o Estado “infractor” é colocado sob tutela – é o caso da Grécia, da Irlanda, de Portugal e de Chipre e outros se seguirão, como poderá ser o caso da Espanha e da Itália

De tudo isto Jens Weidmann se felicita e  conclui assim para o jornalista do New York Times : a boa política orçamental deve ser recompensada graças ao custo do crédito mais baixo e a má política orçamental deve ser punida pelo mesmo meio, pelo encarecimento do custo do crédito que lhe é concedido. Assim se gratifica o Bem, assim se penaliza o Mal.”

Como se ilustra por esta síntese, como se ilustra pelas políticas seguidas na Europa nestes últimos anos e pelas consequências terríveis já claramente manifestadas por toda a Europa, o liquidacionismo está bem vivo nas mentes e nos actos destes senhores que dominam a Europa e terão talvez o sonho de quererem sero exemplo do que fazer à escala do mundo.

Mas entre 1929 e agora há já passado   mais de três quartos de século, está  o desenvolvimento da ciência económica, há o desenvolvimento das técnicas de apoio a que a Economia recorre, há todo um processo civilizacional que gerações e gerações de gente honesta e empenhada foi construindo e com ele aprendendo,  há todo um saber que em 29 e de acordo com Brad Delong não existia, há um antes e depois de Keynes, que estes senhores liquidacionistas modernos estão rigorosamente a ignorar e a silenciar. Fazer o que estão a fazer, ignorar os conhecimentos com Keynes e pós-Keynes criados, ignorar os meios de resposta à crise ou melhor ainda, actuando no sentido de a aumentar ainda mais, como meio de liquidação ou de punição dos “males” de que a economia estaria a sofrer é, no mínimo, criminoso. É, como no-lo diz François Asselineau, um  crime de alta traição à Europa.

O confronto do presente texto de Brad Delong com a realidade com que os povos europeus se debatem não nos permite nenhuma  outra leitura.

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