Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Porque é que o resgate de Chipre significa de facto uma saída do país da zona euro
Mathieu Mucherie
Atlantico – 27Março2013
Texto disponibilizado por Philippe Murer, Membre du bureau du Forum Démocratique
Président de l’association Manifeste pour un Débat sur le libre échange
Através das expressões latinas hic, haec, hoc, criadas por Tayllerand para designar de forma sintética as personagens centrais do Triunvirato do 18 de Brumário, descubra então quem manda na Troika, quem manda na Europa. |
François Hollande, o representante em França de Benoît Coeuré, (do BCE) não protestou contra esse atentado (Chipre) caracterizado pelo viver em conjunto durante a crise de Chipre, certamente porque Hollande sabe que não se pode ser rebelde impunemente contra pessoas verdadeiramente poderosas |
As medidas adoptadas pelo plano de resgate seriam equivalente a um controle dos fluxos de capital da ilha com o exterior. Como resultado, um euro cipriota não teria o mesmo valor que um euro alemão ou francês.
Mas sim, é verdade ! Publicado a 27 março de 2013
Atlantico: O economista Tyler Cowen considera num seu post publicado no seu site, Zerohedge, que, a sequência final do acordo alcançado para ‘salvar’ Chipre – que prevê o desmantelamento do principal banco do país e tributar os depósitos superiores a 100.000 euros – ´´e a de que “os controlos de capital devem ser rigorosos. Quanto vai valer um euro cipriota contra um alemão euro? 50%? ” Isso é o que eu chamo colocar Chipre fora da zona euro, mas retendo a palavra “euro” para salvar a face”. No que é que o plano de resgate de Chipre é equivalente para o país a uma sua saída do euro?
Mathieu Mucherie: esta questão está muito bem explicada no melhor site de economia em francês, que é o econoclastes (Alexandre Delaigue): o que é uma moeda única? Resposta: é o facto de que um euro vale a mesma coisa em todos os lugares da zona. Da mesma forma que um dólar californiano vale tanto quanto um dólar texano, um euro num banco espanhol vale o mesmo que um euro num banco alemão. O acordo cipriota significa que, se todos os euros são iguais, alguns são mais iguais do que outros. Se um euro num banco cipriota pode valer menos que um euro num banco alemão, de um dia para o outro, isso significa que há, na prática, diferentes moedas com o mesmo nome, euro francês, euro português, euro alemão, etc. Na verdade, a moeda única já está morta, Delaigue tem razão.
A fragmentação financeira é incentivada, os spreads de taxas são e serão uma consequência (entre outras). E especialmente a posição “faremos tudo o que for necessário” de Setembro 2012 afirmado por Draghi & Companhia tem sido novamente desmonetizada. A retórica da solidariedade é novamente ridicularizada (“nunca é bom deixar os créditos a dormir e sobretudo permitir ao pessoal menor que possa sonhar, ” dizia Lino Ventura, em Les Tontons flingueurs). Não estou a dizer que se eu fosse alemão eu não iria fazer a mesma coisa: porque se este país teve o poder de multiplicar as bombas ao retardador (demográfica, energética, bancária ) e com um crescimento potencial em 1% ele terá já dificuldades a pôr ordem nas suas próprias facturas , e sabe-o muito bem que é na verdade assim. Eu digo simplesmente que mais ninguém pode agora acreditar nos Eurobonds ou no alargamento do orçamento comunitário ou mesmo num ambicioso mecanismo de resolução no âmbito da União bancária .
A Alemanha atirou fora a máscara, isto é, para ela esta realidade não é nenhum mal (um véu de ignorância, ao menos!), mas tiremos as consequências sobre as possibilidades de sobrevivência do euro (coisa de que não se esqueceu Athanasios Orphanides, por exemplo, antigo membro do Conselho do BCE e cipriota e o único economista que conseguiu penetrar no bunker do BCE).
Em que é que o controlo do capital distorce o sistema monetário, tal como foi concebido? Quais são as consequências?
Tinha-se feito a zona euro para beneficiar plena e irrevogavelmente duma desfragmentação dos mercados, de uma descompartimentarização. Para se ter um vasto mercado das dívidas públicas e privadas à americana. Para se ter uma concorrência nos serviços financeiros em todo o continente. O controlo de privacidade começa com o controlo de capitais, este último é injusto, opaco, ineficiente, é a abominação da desolação. Podemos agradecer ao BCE que, ao recusar qualquer flexibilização quantitativa e qualquer flexibilização da política monetária durante anos, tem comprimido o nominal PIB (e, portanto, tem aumento o volume das dívidas) colocou os bancos frágeis por terra ( o que a seguir força então a sua perfusão como aconteceu com os bancos zumbis japoneses) e leva hoje ao jogo de artifícios malucos como a tributação dos depositantes, a disputa com os russos, o encerramento das máquinas distribuidoras de notas, as ATMs, o controlo de capitais.
Jeroen Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, estimou que “o plano de resgate cipriota do sistema bancário deve servir como um modelo para o restante da área do euro”. Rapidamente, Benoît Coeuré, um dos membros do Diretório do Banco Central Europeu, reagiu a estas observações sobre a Europa 1, dizendo que “a experiência de Chipre não é um modelo para o resto da zona euro porque a situação chegou a um nível que não é comparável a nenhum outro qualquer outro país. O acordo cipriota pode fazer escola para outros países? Em caso afirmativo, marca ele o início do fim do euro? Em caso contrário, corre o risco de deixar um precedente histórico com consequências imprevisíveis?
Fazer escola, eu não sei. Mas é aí que reside o problema. Não se sabe. Já não sabemos nada. Tudo é possível na zona euro. Draghi falou mesmo e sem se estar a rir em ‘contágio positivo’ na última reunião do BCE. Já não há nenhum cálculo económico ou financeiro sobre os activos denominados em euros, ou seja, em activos denominados numa moeda que já está praticamente moribunda e que, na verdade, flutua em levitação por cima do vazio, sustentada artificialmente a 1,30 face ao dólar de E.U. pelo BCE e as suas restrições monetárias (é-lhe indispensável manter um euro caro para fazer acreditar que estamos com um euro forte : enquanto as pessoas acreditam que a crise é orçamental ou estrutural, a responsabilização do BCE não é vista nem achada, é este o truque).
De passagem, este é o ponto-chave no caso cipriota: quem é que toma as decisões na zona euro? O cidadão não o sabe e os não-residentes sabem-no mesmo muito menos, isso incentiva a difracção da culpa e impede todas as reformas. O 1º projecto, o da semana passada e que atingia os pequenos depositantes, foi desmentida pelos próprios responsáveis oficiais (Eurogrupo), mesmo se eles nunca foram capazes de apresentarem um pedido de desculpas. Mas foi necessário esperar até quinta-feira para conhecer os responsáveis oficiosos, os verdadeiros comanditários : quando o BCE no seu site na Internet cometeu um autêntico ultimato, ameaçando retirar a liquidez (o mecanismo ELA, para os iniciados), no caso em que não se chegasse a um acordo no prazo de 72 horas. Deve ser feito e contudo ainda ninguém se atreveu a protestar. Já sabíamos quem é que dirigia a Troika (se eu posso ter a liberdade de vos citar Talleyrand a propósito de três cônsules: hic, haec, hoc), sabemos agora quem dirige a Europa continental e como: com a chantagem[1]. Em todas as crises monetárias os centros do poder deslocam-se. François Hollande, o representante em França de Benoît Coeuré, não protestou contra esse atentado caracterizado pelo viver em conjunto durante a crise de Chipre, certamente porque Hollande sabe que não se pode ser rebelde impunemente contra pessoas verdadeiramente poderosas (se o BCE punisse as taxas da dívida pública francesa e as fizesse regressar aos níveis de 1992 de durante a no SME o que é que aconteceria com a nossa bolha imobiliária e como é que poderíamos pagar aos nossos funcionários ?).
Para saber mais veja em http://www.atlantico.fr/decryptage/pourquoi-plan-sauvetage-chypre-revient-fait-sortie-pays-euro-mathieu-mucherie-681145.html#bqoDWKsWFDHllvOL.99
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A constituição do ano VIII foi redigida por Bonaparte, Sieyès e Daunou. Proclamada a 15 de Dezembro de 1799, a Constituição confiava o governo da República a três cônsules e designava Napoleão como o primeiro cônsul. Os outros dois cônsules, Cambacérès, o segundo cônsul, e Lebrun, o terceiro cônsul, foram nomeados para se dar a ilusão de um poder colegial, quando o seu papel era meramente consultivo.. De Cambacérès, o segundo cônsul, diz-se que era um homem extremamente arguto, diz-se que ele era a sombra jurídica do Imperador, o seu termómetro legislativo . Lebrun , era considerado o insignificante, um verbo de encher.
A expressão hic, haec, hoc, foi imortalizada por Talleyrand que propunha a todos aqueles que consideravam as expressões de cidadão primeiro cônsul, cidadão segundo cônsul, cidadão terceiro cônsul, expressões muito longas , que as substituíssem pelas três palavras latinas “Hic, Haec, Hoc”. “Hic” significa ele, o Imperador, Napoleão, “Haec” , ela em português, significava Cambacèrès, o arguto jurista, e com a feminização da personagem Taylerrand dizia-nos que o segundo cônsul era homossexual retinto. E com “Hoc”, em português isso, Tayllerand referia-se a Lebrun, com a palavra isso, a dizer, o insignificante Lebrum, um verbo de encher, apenas.
No texto em presença, o autor especialista nos mercados de capitais parece estar a referir-se ao Novo Napoleão, Mário Draghi, a Christine Lagarde, o ela de Taylerrand , a espertalhona, a cata-ventos com um olfacto quase como canino, e ele, o insignificante Lebrun , aqui, só pode ser Durão Barroso. Quanto a quem dirige a Europa , diremos exactamente Mario Draghi. Será assim, não será? Esta é uma leitura.