Parte VI
(continuação)
Para além do que já se disse sobre as vantagens da Alemanha, as assimetrias na repartição criadas pelo neoliberalismo, a favor dos empresários e dos “grandes rentiers” contra o trabalho, favorecem por todo o lado o consumo dos bens de luxo alemães, e a ideia de grandeza germânica, essa, essa renasce. Procurar manter então o rumo, não querer inverter as agulhas destas linhas de caminho-de-ferro e desse comboio, como o diz Vítor Constâncio não será então estar a servir os interesses imperiais da Alemanha, contra as aspirações dos povos europeus? E a lembrar leais servidores de outros tempos, lamentavelmente. Relembrando a petição em circulação:
A degradação das finanças públicas, devida especialmente ao desemprego em massa, também põe em causa os objectivos europeus do desenvolvimento sustentável e da proteção ambiental, a manutenção dos sistemas de protecção social dos Estados-Membros e as suas políticas em educação, saúde e habitação, por exemplo.
A disciplina orçamental levada a cabo pelos Estados sobreendividados agrava a curto prazo os problemas sociais sem com isso conseguirem melhorar a sua situação financeira.
Bem claro mais uma vez. Não haverá portanto nenhuma solução, nenhuma mesmo, para a resolução dos desequilíbrios macroeconómicos dos países em dificuldade, pelas vias impostas pela Troika em que se ignora, por completo, em que se tem um desprezo total, pelas estruturas produtivas e pela sua necessária modernização nos países em causa. E o exemplo mais emblemático das consequências desta política suicida que leva à desindustrialização da Europa é dado pela balança comercial inglesa, deficitária em tudo o que é produção industrial e excedentária em tudo o que é serviço financeiro. Elucidativo, de que uma outra política é necessária para a Europa e nada disto está contido no texto de Vítor Constâncio.
Ainda sobre a desindustrialização vejamos a síntese feita, quanto a este tema, por Xerfi-Synthèse (2013), onde, a partir dos dados tratados se pode ir mais longe e perceber que esta forma de integração ou desintegração não é desinteressada para a Alemanha que pode conseguir mercados fornecedores de produtos intermédios a preços equivalentes ao do Sueste asiático e sem os mesmos problemas:
Até a véspera da crise de 2008, a importância crescente da Alemanha como potência industrial é feita principalmente à custa da França, Reino Unido e a Itália, ou seja, sacrificando outros parceiros industrializados, é feita pois no interior da Zona Euro. No total, em menos de dez anos, a parte deste trio nas exportações da UE diminuiu 9 pontos. Ao mesmo tempo, a parte alemã manteve-se estável, enquanto os PECO aumentaram 6 p.p. Assim, a parte do sistema de valor, formado pela Alemanha e seu Hinterland cresceu 7 p.p. (ver tabela abaixo).
Repartição das exportações na UE
O movimento regional do comércio alemão é realmente espectacular. Se o seu aparelho produtivo continua a integrar as actividades sub-contratadas na Europa de Leste, as suas exportações aceleram desde há quatro anos para maiores distâncias, para fora da Zona Euro e para fora da própria União Económica.
Se o seu excedente comercial é bastante estável entre 2007 (€197 mil milhões) e hoje (€196 mil milhões nos últimos 12 meses, incluindo Março de 2013), isto esconde de facto uma mudança drástica das vendas para os mercados situados fora da Europa. O excedente era de 2/3, alimentado pela UE em 2007. Ele agora é gerado em 3/4 mas alimentado fora da UE (ver tabela abaixo).
Decomposição geográfica do excedente alemão
Desde o início da crise que o excedente alemão sobre seus parceiros na União caiu cerca de 77 mil milhões de dólares. Trata-se de um recuo duas vezes mais acentuado do que o da França. Ao mesmo tempo, o excedente alemão cresceu quase 70 mil milhões de dólares fora da UE, contra 10 mil milhões apenas para a França (ver gráficos abaixo).
Saldo comercial intra-UE Saldo comercial extra-UE
Exportações extra-UE Importações intra-UE
A análise dos fluxos é também intuitiva sobre as escolhas estratégicas alemãs. As exportações da Alemanha para fora da UE subiram €131 mil milhões (ver gráficos acima). Simultaneamente, a Alemanha aumentou massivamente as suas importações da UE, incluindo fora da Zona Euro no seio da UE, ou seja, do seu interior (ver gráficos acima). E é daqui que vem o colapso do seu excedente intra-europeu.