Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
As eleições europeias, a política e a desigualdade
Zygmunt Bauman, Social Europe Journal
The European Elections, Politics And Inequality, 30 de Maio de 2014
Parte III
(continuação)
…
O que podemos aprender com as eleições para o Parlamento Europeu?
Podemos aprender muito sobre as consequências prováveis dessa mudança profunda que irá resultar das recentes eleições para o Parlamento Europeu. Estas eleições, ao contrário das eleições para os parlamentos nacionais, são consideradas como de muito pouca importância e de muito pequeno impacto prático sobre as condições em que os eleitores esperam poder vir a conduzir as suas vidas e os seus esforços no quadro de um futuro próximo e previsível e não num futuro muito distante. Estas eleições servem aos eleitores em vez disso como uma espécie de válvula de escape das suas tensões: são uma boa ocasião para deixar escapar o excesso de pressão, como a válvula de segurança numa panela de pressão, para desabafar e deitar fora ao vento as queixas que lhes envenenam a vida, que lhes envenenam o sangue, e para se livrarem por uns tempos das emoções potencialmente tóxicas – e tudo isso numa forma relativamente segura, porque inócua e sem consequências.
A marca mais saliente das últimas eleições parlamentares europeias foi a de uma proporção sem precedentes de eleitores a aproveitarem totalmente aquela ocasião e virem para as mesas de voto sem nenhuma outra finalidade que não seja a de gritarem “Pobre de mim!”, “Meu Deus!” – e “Socorro!”: tais comportamentos são particularmente privados de um objectivo específico definido em termos políticos actuais . Como Timothy Garton Ash resumiu num texto recente publicado em The Guardian“: [5]
Assim, o que é que estavam os europeus a dizer dos seus dirigentes? A mensagem geral foi resumida perfeitamente pelo artista de desenhos animados Chappatte, que desenhou um grupo de manifestantes a protestarem e que aos gritos mostram um cartaz a dizer “infeliz” – onde um deles grita pelo megafone para as próprias urnas de voto. Há 28 Estados-membros e 28 variedades de infelizes. Alguns dos bem sucedidos partidos que protestavam eram realmente de extrema direita: na Hungria, por exemplo, Jobbik obteve três deputados e mais de 14% dos votos. Muitos partidos, como o vitorioso Ukip da Grâ Bretanha, captaram votos de direita e de esquerda, alimentaram sentimentos tais como “nós queremos o nosso país de volta ” e “muitíssimos estrangeiros a mais, muitíssimos empregos a menos ”. Mas na Grécia, o grande voto de protesto foi para a esquerda, para o partido anti-austeridade Syriza.
Eis porque é que eu acredito que as lições destas eleições devem ser especialmente esclarecedoras para o tema da nossa conversa. Infelicidade foi, de facto, ao que parece, o que levou os cidadãos da Europa a votar da forma que o fizeram, (observe que pela primeira vez na história da UE o número de eleitores não desceu), mesmo se os culpados assumidos/putativos da infelicidade deles diferem de um país para outro. Para todos eles se pode adivinhar, poucas pessoas que vieram expressar a sua infelicidade e desabafar em público a sua ira confiaram em alguém da lista de candidatos para poder aliviar a sua miséria e nenhum dos programas em disputa eleitoral era são para poder ser eficaz. O que é que motivou um grande número de eleitores foi sobretudo “a frustrante fadiga”, o quebrar das esperanças, de que já há algumas décadas Peter Drucker nos tinha avisado, da salvação prometida mas que não veio “de cima”. O protesto contra a direcção que as coisas têm vindo a tomar até ao momento, a mensagem mais vociferante destas eleições, não foi dirigida contra nenhum partido específico do espectro político existente – mas sim contra a política, na sua forma actual, usurpada como o está a ser – ou como se acredita amplamente que o seja – pelas elites, cada vez mais distantes e cada vez mais longe dos problemas que ocupam a maior parte do tempo e absorvem a maior parte da energia das “pessoas comuns”. Que a política como um todo é vista por muitos como uma quase situação de falência – deixou de ser capaz de assegurar o fornecimento regular de palha necessária para se poder cozer e fazer os tijolos .
Neal Lawson, que está à frente de uma organização chamada “Compass”” (uma organização que se apresenta na Internet como “querendo construir uma Good Society; que seja muito mais igual, sustentável e democrática do que a sociedade em que nós estamos a viver actualmente “) [6], e uma das mentes mais brilhantes e mais inventivas no cenário político britânico, interpreta os resultados das eleições europeias como um apelo e um sério aviso em voz alta e bem alta a reivindicar o direito dos cidadãos “a uma política dirigida para o cidadão e conduzida diariamente no quadro de uma verdadeira democracia, não apenas um voto em cada cinco anos”. “O resultado das eleições ”, sugere que é uma exigência clara e esmagadora para uma nova política. O futuro não pode ser nem negado nem evitado. O mundo está a mudar, nós também, e ou o dobramos para nós e por vontade própria para construir uma boa sociedade ou, então, seremos mesmos forçados a dobrá-lo. Para que lado se vai depende da nossa capacidade em mudar o mundo e de como seremos ou não bons em política – com a nossa inteligência, sabedoria, visão da realidade, boa fé e perseverança. Agora mais do que nunca, não podemos dizer que não fomos avisados.
Ao que se adicionam palavras de encorajamento: “ao mesmo tempo que a velha política se está a desintegrar, as novas formas de ser, de estar e de fazer estão a abrir –nos o caminho que nos dá esperança.”
As eleições europeias são consideradas uma oportunidade de aliviar a pressão social e política sem graves consequências, diz-nos Zygmunt Baumann (photo: CC European Parliament on Flickr)
(continua)
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[5] http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/may/26/europe-unhappy-european-union
[6] See http://www.compassonline.org.uk/about/
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Ver:
http://www.social-europe.eu/2014/05/european-elections-2/
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Para ler a Parte II deste texto de Zygmunt Baumann, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
AS ELEIÇÕES EUROPEIAS, A POLÍTICA E A DESIGUALDADE, de ZYGMUNT BAUMAN
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