Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Ousar pensar o horror contemporâneo na sua totalidade: não há políticas sem teoria sistemática e actualizada
OSER PENSER L’HORREUR CONTEMPORAINE EN SA TOTALITÉ
Pas de politique sans théorie systématique et actualisée
Jacques-Yves Rossignol, Revista Metamag 29/05/2014
Foi o povo são e frequentemente pobre recusando as mentiras da euforia mundialista, que votou Frente Nacional. Há muito tempo que sabemos isso. Ao povo convém acrescentar os intelectuais cada vez mais numerosos que compreendem as catástrofes mentais (desséchement mental e a mecanização do espírito), as catástrofes ecológicas (horror da criação industrial) e evidentemente as catástrofes económicas a que conduz inevitavelmente o capitalismo na sua fase mundialista.
Como é que o dinheiro em grande volume, dinheiro louco certamente, vai tentar contrariar este despertar político das classes populares? Vai dividir, neutralizar, e sobretudo, vai levar a que muitas pessoas de boa vontade se ocupem com questões derivadas, diversões, com pequenos problemas falsos ou parciais. Há um século e meio de experiência neste domínio. A grande burguesia especuladora (“confessional” ou “republicana”, era estritamente a mesma classe decadente de outrora porque mantém a mesma relação irónica e cínica para com o mundo) forjou mentalmente uma pequena burguesia desde 1850. E soube sujeitá-la, dividi-la (“em direita” e “em esquerda”) e sobretudo orientá-la para às diversões mais variadas, para os falsos problemas mais inverosímeis que se possam pensar. Nos pequenos burgueses “de direita” como nos pequenos burgueses “de esquerda”, a maior parte de tempo, tem-se “planado” fora do mundo real sobre questões de política meramente formais (a questão do regime, a questão religiosa, a defesa republicana, tudo abordado sob os seus aspectos mais formalistas, desligados da vida real). As grandes fortunas “empregavam ” os pequenos burgueses e formatavam-nos politicamente contra o bom povo vivo, o pequeno zé povinho que conhecia já, ele mesmo, certas consequências do horror capitalista.
Esta política pequena burguesa artificialmente forjada e mantida pelo grande capital constantemente proibiu que seja levantada seriamente a única questão que contava a partir do fim do século XIX: os efeitos reais do imenso processo capitalista sobre a vida.
A grande especulação assegurada e irónica inventa, domestica, divide e enraivece permanentemente uma pequena burguesia formalista e mentalmente ressequida (“de direita” ou “esquerda”) e dirige-a contra o povo que terminará no século XX por ser vencido e erradicado: toda a patética história política francesa está aí, em três linhas. O autor que decifrou esta história política subterrânea é Emmanuel Beau de Loménie na sua extraordinária obra “Les responsabilités des dynasties bourgeoises”. A deixar-nos espantado de tanta inteligência e perspicácia. A ele este texto fica muito a dever.
Hoje, o despertar é brutal, muito brutal mesmo. Ousemos pagar atrozmente caro um século e meio de política formalista que oculta a realidade do processo capitalista. A influência do capitalismo, através da indústria cultural (a falsa cultura, os meios de comunicação social) sobre as nossas consciências e sobre as nossas vidas é quase total, a alienação também. Há a mecanização do espírito e a atrofia das faculdades mentais. Nada disto estava previsto, e caiu sobre o mundo em quarenta anos. Sobre todos, incluindo as pessoas de grandes fortunas. Então aqueles que, ainda conscientes, querem tentar salvar algo que foi a história antes da alienação generalizada devem sobretudo ousar ver as coisas de bem alto e de muito longe, primeiramente, estudar os trabalhos difíceis que mostram os efeitos do capitalismo sobre a consciência e sobre a vida dos homens. Devem estudar, ler, compreender, abandonar as explicações simplistas do mundo e por último forjar teorias políticas sistemáticas.
Devem formar-se e formar urgentemente os seus camaradas desmunidos e sobretudo não devem cair nas armadilhas dos falsos problemas parciais e muitas vezes nos problemas irrelevantes que não vão deixar de se apresentar. Serão criações artificiais. Toda a arte política do grande capital global vai certamente procurar permanentemente criar problemas secundários, diversões, não deixando assim que se localizem e nomeiem os efeitos sistemáticos e profundos do capitalismo sobre a vida e sobre a consciência.
Pelo contrário, um grupo de homens que estudem afincada e seriamente, longe das nostalgias fáceis e dos automatismos parasitários, a realidade do processo capitalista e os seus efeitos, e assegurando largamente a transmissão deste saber aos homens de boa vontade seria intelectualmente invencível. Por uma razão bem simples: seriam as únicas consciências vivas e por conseguinte as únicas consciências susceptíveis de despertar os seus amigos reduzidos ao estado de mecânicas mentais.
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