SOBRE OS LEOPARDOS QUE QUEREM BEM SERVIR BRUXELAS – DA ITÁLIA, FALEMOS ENTÃO DE UM BOM EXEMPLAR – 9. RENZI – O POPULISMO TECNOCRÁTICO DO GRANDE REFORMADOR – DESCONFIANÇA E PESSIMISMO DOS CIDADÃOS PARA COM ESTA EUROPA, por DONATELLA DELLA PORTA.

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

mapa itália

Desconfiança e pessimismo dos cidadãos para com esta Europa

Sfiducia e pessimismo dei cittadini per questa Europa, por Donatella della Porta

Sbilanciamoci.info, 11 de Julho de 2014

Democracia à venda / O período neoliberal, já com trinta anos, tem devorado a democracia liberal, fazendo tábua rasa dos direitos sociais, impondo a sua lei da finança  e reduzindo os poderes dos Estados. A visão da Democracia  começa a levantar-se e a impor-se com a necessária participação e a resistência contra o absolutismo dos privilégios

Recentemente, o sociólogo alemão Wolfgang Streeck  argumentou que o fim do capitalismo pode vir da sua  fraqueza, mais do que da força, da oposição anti-neoliberal. Deixado  a si-mesmo, sem limites, a ganância do capitalismo levá-lo-á  de facto à  destruição (actualmente em estágio avançado) dos recursos humanos e materiais de que necessita para sobreviver. Um argumento semelhante também se  pode articular em relação à União Europeia. No rescaldo das eleições que (por falta de) participação e os resultados têm mostrado  claramente a  impaciência dos cidadãos europeus para com esta  Europa, o Partido Popular Europeu (principal perdedor em termos de perda de eleitores) e, o que é pior, um Partido Socialista Europeu que não conseguiu apresentar-se  como uma alternativa, continuam a proceder  como se nada tivesse acontecido: com o apoio destes dois partidos a  Jean-Claude Juncker – Mister Crise e também mister Austeridade  – para a  Presidência da Comissão Europeia e as eleições (com acordo de rotação entre PPE e PSE, o socialista Martin Schulz criticado até em casa para um cartaz eleitoral, onde se podia ler   “só se vota  em  Martin Schultz e o PSE depois de se ter eleito  um alemão como  Presidente da Comissão Europeia. ” Além disso, expoentes de ambos os partidos  possuem uma forte maioria pró-Europa  no Parlamento Europeu – removendo a presença, naquela  maioria das presenças embaraçosas e consideradas bem pouco europeístas, de Forza  Itália de Berlusconin   ao  Fidesz de Victor Orban. O  PPE e o PSE  e aqueles  com eles estão parecem estar com pressa em  esquecer que, de acordo com o Eurobarómetro, a percentagem de cidadãos que têm confiança na UE caiu de 57% em 2007 para 31% em 2013.

A percentagem de cidadãos que têm uma imagem positiva da Europa caiu no mesmo período de 52 para 31%, e que aqueles que são optimistas em relação à evolução futura da UE entrou em colapso e caiu de  dois terços para  metade da população. E que, se estes são os valores médios, a situação é bem mais dramática nos países mais afectados pela crise. Estes dados reflectem uma profunda crise da responsabilidade da versão política do neoliberalismo, em que a UE é considerada o principal promotor. Em 1970, Habermas tinha ligado a crise económica a uma crise de legitimidade, produzida pela incapacidade do Estado para resolver os problemas do mercado. Se Habermas se estava a referir  ao Estado intervencionista  da versão fordista, no  capitalismo de hoje o efeito de deslegitimar as instituições políticas é o resultado de  uma crise de responsabilidade ligada à renúncia das instituições políticas para garantir os direitos fundamentais da cidadania. Em poucas palavras, enquanto nos anos  80  os Estados foram  acusados de gastar demais e se distanciaram das políticas económicas keynesianas do pleno emprego, o pós-fordismo levou à redução drástica do Estado-Providência  e ao aumento profundo das desigualdades sociais.

A desregulamentação assim como  as privatizações  tem representado as principais referências na política económica  e são justificadas em nome da necessidade de restabelecer a eficiência dos mercados. Tais intervenções não ajudaram em nada a melhorar a concorrência, e sobretudo incentivaram a concentração de poder nas mãos de algumas multinacionais, com a consequente crise económica que está enraizada não na escassez ou na  inflação, mas sim no actual  processo de redistribuição do rendimento gerado. Desde 2008, a dívida nacional aumentou, mas não por causa de investimentos em serviços sociais ou de apoio a grupos sociais vulneráveis, mas sobretudo devido às injecções maciças de dinheiro público a favor dos  bancos e das  instituições financeiras em dificuldades financeiras que tinham levado a cabo  cortes drásticos sobre a tributação do capital . Esta evolução nas interacções entre Estado e mercado tornou-se a corrupção da democracia representativa através da sobreposição entre poder económico e político. Do ponto de vista do sistema político, tal implica uma renúncia de responsabilidade por parte das instituições representativas para lidar com as aspirações dos cidadãos.

Contra as promessas neoliberais para defender o mercado em face do  Estado, estudiosos de várias disciplinas  do mercado concentram-se em dois elementos. Por um lado, a separação entre economia e política raramente é apresentada, os governos devem abordar a presença de falhas de mercado e os mercados precisam de leis. Por outro lado, a capacidade dos Estados em garantir os direitos dos cidadãos é drasticamente reduzida pelas políticas de privatização, pela liberalização e pela desregulamentação que permitiu a concentração de capital através de legislação favorável. Os Estados são acusados de revogar os direitos  sociais  a fim de aumentar os lucros e os rendimentos dos poucos privilegiados, uma vez que o neoliberalismo implica a abolição de muitas leis e normas destinadas a controlar a economia. Além disso, o neoliberalismo foi fundado – e, como Colin Crouch apontou, estranhamente sobreviveu à sua própria crise  – nomeadamente através da transferência de grande quantidade de dinheiro das multinacionais para os políticos. Liberalização, desregulamentação e privatização levaram à  corrupção e ao lobi  feroz, até mesmo ao  nível europeu. Ao mesmo tempo como as multinacionais compram as decisões políticas, é evidente a tentativa de apresentar essas mesmas decisões como “apolíticas”, a fim de legitimar o resultado como uma intervenção reguladora benigna que a União Europeia tem tentado alcançar. O espaço para as decisões políticas foi negado aos políticos de diferentes bandeiras com base numa predominância assumida da lógica do ‘mercado’, especialmente no caso de mercados internacionais. O objectivo democrático de obter a confiança dos cidadãos foi, de facto, retoricamente substituído pela busca de uma confiança no ‘mercado’, que é alcançada, mesmo à custa de uma insensibilidade em face das necessidades dos cidadãos. A responsabilidade dos estados democrática face aos  seus cidadãos foi removida em nome do respeito pela condicionalidade  externa, incluindo a imposta pela União Europeia aos Estados-membros  para o acesso a empréstimos — que impuseram cortes nas despesas públicas , com consequências dramáticas em termos de violações dos direitos humanos fundamentais como o direito à alimentação, saúde, pública e à habitação. A responsabilidade democrática é, portanto, reduzida pela  irresponsabilidade das  organizações internacionais  que impõe esta condicionalidade, colocando em causa  as próprias escolhas políticas. Sem controles e sem limites, a crise de responsabilidade que investe  as instituições políticas aos  vários níveis na Europa parece estar destinada a transformar-se numa gangrena. É importante a capacidade de se opor a estas visões da Europa por parte daquelas forças que no Parlamento (de Siryza ao partido espanhol   Podemos, aos Verdes, bem como, apesar das alianças stolide ao M5s – possam  ser portadoras de uma outra Europa.

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http://www.sbilanciamoci.info/Ultimi-articoli/Sfiducia-e-pessimismo-dei-cittadini-per-questa-Europa-25439#comments

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