SMN AUMENTA MENOS QUE A INFLAÇÃO, PATRÕES RECEBEM 23 MILHÕES DE EUROS, E SALÁRIOS E PENSÕES PAGAM MAIS 4 MILHÕES DE IRS – por EUGÉNIO ROSA

SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL AUMENTA MENOS QUE INFLAÇÃO, PATRÕES RECEBEM BÓNUS DE 23 MILHÕES €, E TRABALHADORES E PENSIONISTAS PAGAM MAIS 64 MILHÕES € DE IRS

O governo, a UGT e associações patronais, em conjunto, anunciaram o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) de 485€ para 505€, ou seja, uma subida de 66 cêntimos por dia (em muitos estabelecimentos, 66 cêntimos nem dá para pagar um café). E isto já para não falar que os 505€ ficam reduzidos apenas a 449,45€ após o desconto que os trabalhadores têm de fazer para a Segurança Social (o aumento no salário mínimo nacional liquido é apenas de 17,8€, ou seja, de 59 cêntimos por dia). Para ter o mesmo poder de compra que tinha o SMN em 1974 era necessário que o valor de 2014 fosse 584€.

Mota Soares, a CIP e a UGT vieram logo dizer em uníssono que era o “aumento possível”. O ministro não se coibiu mesmo de afirmar na televisão que isso só tinha sido possível devido à recuperação económica do país, que ainda ninguém viu. O salário mínimo nacional estava congelado desde 2011 e teve agora um aumento (4,1%) que corresponde apenas a 60% da inflação verificada entre o início de 2011 e o fim de 2013, que foi de 6,8%. Portanto, com este aumento os trabalhadores que recebem o salário mínimo nem recuperam o poder de compra que perderam desde 2011. E vai-se manter inalterável até 31.12.2015. Como contrapartida os patrões vão pagar menos 0,75% de contribuições para Segurança Social em relação aos trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo, o que significa que vão “poupar” mais 23 milhões € à custa da Segurança Social. É de prever que esta perda de receita pela Segurança Social seja depois utilizada pelos inimigos da Segurança Social para a atacar, dizendo que ela não é sustentável.

A questão que ainda não está completamente esclarecida, é se essa redução na contribuição patronal para a segurança social se aplica apenas aos trabalhadores que estão neste momento a receber o salário mínimo ou se aplica também aos trabalhadores que futuramente vierem a receber. Se se aplicar apenas aos atuais é um bónus aos patrões pelos baixos salários que pagaram a esses trabalhadores e que vão continuar a pagar. Se se aplicar também aos trabalhadores futuros é, para além do bónus, um forte incentivo para que os patrões empreguem trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo para assim obter um aumento do bónus dado pelo governo à custa das receitas da Segurança Social. Em Outubro de 2013, a percentagem de trabalhadores que recebiam apenas o salário mínimo representava já 12% dos trabalhadores, segundo o Ministério da Economia, o que correspondia já a 432.000 trabalhadores. Hoje devem ser muitos mais. Este governo está a transformar Portugal num país onde mais e mais trabalhadores recebem apenas o salário mínimo, ou seja, um país de baixos salários.

OS TRABALHADORES E PENSIONISTAS PAGAM A MAIS 64 MILHÕES € DE IRS PORQUE A DEDUÇÃO ESPECÍFICA CONTINUA A NÃO ESTAR INDEXADA AO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

O aumento do salário mínimo nacional não determina o aumento da dedução específica, ou seja, da parcela de rendimentos de trabalho e pensões isenta de IRS a título de mínimo de existência e, portanto, não causará por esta via uma redução no IRS a pagar pelos trabalhadores e pensionistas, como alguns têm dito. E isto pela seguinte razão.

Até ao fim de 2010, a dedução específica estava efetivamente indexada ao salário mínimo nacional, e quando este aumentava, a dedução específica aumentava automaticamente, o que fazia baixar o IRS a pagar. Por decisão do governo de Sócrates (esta é mais uma herança deixada por ele, de que se esquece quando fala), foi alterada a lei, e a dedução especifica passou a estar indexada ao chamado Indexante de Apoios Sociais (IAS), cujo valor é apenas 419,22€, valor este que está congelado desde 2010, e que o governo PSD/CDS não quer ouvir falar em atualizar, apesar de servir de indexante a muitas prestações sociais, muitas delas de valor inferior ao próprio limiar de pobreza.

O nº1 do artº 25º do Código do IRS dispõe textualmente o seguinte: “Aos rendimentos brutos da categoria A deduzem-se, até à sua concorrência, e por cada titular que os tenha auferido, os seguintes montantes: a) 72 % de doze vezes o valor do IAS”. Portanto, a indexação é ao IAS e não ao salário mínimo nacional. E como o IAS corresponde atualmente apenas 419,22€, fazendo as contas daria apenas 3.622€ a deduzir no rendimento anual do trabalhador ou do pensionista, pois atualmente a dedução específica deste último tem valor igual. Mas como em 2010, o salário mínimo nacional era de 475€, e até a esse ano, a dedução especifica estava indexada ao salário mínimo nacional, o que determinava que o seu valor fosse 4.104€ (475€ x 12 x 0,72 =4.104€), para não haver uma diminuição da dedução especifica que a sua indexação imediata ao IAS determinaria (passaria de 4.104€ para 3.622€), foi introduzida na Lei do Orçamento do Estado de 2011 (artº 98 da Lei 55-A/2010) a seguinte disposição: “Até que o valor do indexante de apoios sociais (IAS) atinja o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor para o ano de 2010, que era 475€, mantém-se aplicável este último valor (475€) para o efeito das indexações previstas nos artº 12º, 17º-A, 25º, 79º, 83º, 84º e 87º do Código do IRS”. E a que se referem estes artigos do Código do IRS? – É a pergunta que naturalmente surge. Eles referem-se precisamente à dedução específica dos rendimentos do trabalho e pensões; à dedução específica no IRS por filhos e pais que vivam com o contribuinte; ao limite máximo de dedução no IRS por despesas de educação; ao limite máximo da dedução de despesa com lares de pais dos contribuintes; e à dedução de pessoas com deficiências. Todas estas deduções no IRS, pela razão apresentada, continuam congeladas desde 2010, o que determina que os trabalhadores e os pensionistas, só por esse facto, paguem todos os anos muito mais IRS. Esta é uma forma também de aumentar os impostos sobre os trabalhadores, pensionistas e deficientes que o governo tem utilizado, e que tem passado despercebida a muitos portugueses.

Para que se possa ficar com uma ideia de quanto custa este congelamento aos portugueses em pagamentos a mais de IRS, vamos fazer cálculos em relação aos efeitos do congelamento da dedução específica dos  rendimentos do trabalho e de pensões.

O congelamento desta dedução em 4104€ desde 2010, está a determinar mais um aumento significativo de IRS que atinge (mais uma vez) trabalhadores e pensionistas. Se aquela dedução tivesse indexada ao salário mínimo nacional, agora com o seu aumento para 505€, determinaria que os trabalhadores e pensionistas pagassem menos 64 milhões € por ano de IRS. E isto porque o valor da dedução especifica, isto é a parcela de rendimento anual dos trabalhadores e dos pensionistas isento do pagamento do IRS, aumentaria dos 4104€ para  4.363€. E são mais de 3,4 milhões de trabalhadores e pensionistas lesados pela não atualização da dedução especifica, segundo dados do Ministério das Finanças. E isto em relação à dedução específica, pois há ainda a acrescentar os aspetos gravosos (mais a IRS a pagar) resultante do congelamento desde 2010 de todas as outras deduções no IRS referidas, que este governo não pretende alterar. A espoliação dos trabalhadores, dos pensionistas e dos deficientes continua assim pela via fiscal, para obter receitas para pagar aos credores juros leoninos, e rendas excessivas às Parcerias Públicas e Privadas que continuam por baixar.

 É URGENTE ATUALIZAR O INDEXANTE DE APOIOS SOCIAIS (IAS)

O Indexante de Apoios Sociais (IAS), cujo valor é apenas de 419,22€, mantém-se inalterável desde 2010, o que está a atirar para a miséria centenas de milhares de portugueses. E isto porque  é o seu valor que serve para aferir se um português tem direito a uma prestação social, e como é tão baixo e não é atualizado desde 2010  determina a exclusão de centenas de milhares de portugueses que vivem na pobreza. Em relação ao subsídio social de desemprego para o poder receber é necessário que o rendimento mensal per capita do agregado familiar não ultrapasse 80% do IAS, ou seja, 335,38 €; relativamente à pensão social de velhice só se tem direito a ela se o rendimento mensal ilíquido de quem a pede for inferior a 40% do IAS (167,69 €) no caso de pessoa isolada, e de 60% do IAS (251,53€) se for casal; em relação ao abono de família, uma família só o recebe se o rendimento anual do agregado for igual ou inferior a 1,5 x IAS x 14, ou seja, 8.903,62 € por ano; se  tiver mais um euro a família já não tem direito ao abono de família, e isto de um governo que não se cansa de dizer, a nível de propaganda, que apoia a natalidade; em relação ao rendimento social de inserção transcreve-se palavras recentes do Prof. Carlos Farinha, um especialista da pobreza: “antes da alteração de recursos de 2010, um casal com dois filhos era elegível pelo RSI se tivesse um rendimento mensal até 569 euros. Em 2013, esse mesmo casal só é elegível pelo RSI se tiver menos de 398 euros por mês. Com a alteração das «regras do jogo» um conjunto muito significativo de beneficiários foi «expulso da medida»”. É urgente alterar a condição de recursos e atualizar o Indexante de Apoios Sociais para reduzir a pobreza e lutar contra as desigualdades.

Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt, 27.9.2014

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