DE BRUXELAS, ONDE REINA A IGNORÂNCIA E A MALDADE, À REALIDADE DOS PAÍSES EM IMPLOSÃO – a propósito de uma nova série de textos, uma nota explicativa por JÚLIO MARQUES MOTA – III

Falareconomia1 (conclusão)

Nós esperamos que as empresas com maiores  deduções do capital líquido conseguirão,  por esta nova forma de cálculo, percentualmente  uma maior redução do que as empresas com deduções sobre um capital menor. Na proposta de reformulação, nós calculamos que os brokers-dealers  ganharão com a nova fórmula computorizada de cálculo do capital  e conseguirão  uma redução média nas deduções do capital de aproximadamente 40%. Nós estimámos que um broker-dealer  poderia realocar capital para o financiamento de outras  actividades empresariais para os quais  a taxa de retorno seja  aproximadamente 20 pontos base (0,2%) mais alta.

Em síntese, como assinala James  Kwak [1]:

Em resumo, um broker-dealer  poderá aumentar o seu capital líquido, para a mesma carteira de activos e passivos passando ao novo metido de cálculo.  Uma vez  que tenha agora capital líquido adicional na actividade de broker-dealer, a sua holding poderia transferir esse capital em excesso para outro sector. Assim sem levantar mais capital no mercado, o mesmo é dizer, sem aumentar o seu nível de endividamento,  poderia agora expandir as suas operações nas suas outras actividades.

Contra este abandono da regra tradicional  apenas uma só voz se levantou [2], uma só voz foi discordante,  Leonard Bole, uma criança num mundo de gigantes como ele mais tarde se considerou,   que ao saber da decisão da SEC apresentou junto desta o seu protesto onde afirmava:

“De uma só penada, com um simples risco de uma caneta, as exigências sobre capitais próprios são eliminadas!”

E depois uma pergunta a que ninguém lhe respondeu:  “Terá o ambiente económico e financeiro mudando tanto desde 1997, dada em que entrou em vigar a legislação que agora se modifica,  que leve a Comissão  a estar segura de que as exigências até agora em vigor podem ser abandonadas?”

As citações do texto oficial são claras e mais tarde reconfirmadas na conversa já acima referida entre os grandes bosses do sistema já referidos. Tudo é feito para defender os grandes operadores, os operadores sofisticados. O sistema pode deixar livres os operadores sofisticados nos mercados financeiros, os grandes bancos de negócios, que podem assim medir o seu nível de risco apropriado melhor que ninguém (!) porque é do seu interesse defender o  sistema, o interesse geral,  e fazem-no sempre  bem melhor do que o Estado, o regulador,  o pode fazer, exactamente pela lógica da mão invisível . Mas precisam de ser grandes e sofisticados operadores, avisa o presidente do FED de então.  Alan Greenspan esquece que a dita mão de Adam Smith é invisível pela simples razão de que não existe e a realidade a que tudo isto se refere mostra-o bem. Simplesmente, ainda segundo Greenspan  há que acautelar o sistema do perigo que representam os mais pequenos e é para estes que os controlos devem ser criados e mantidos! Esta é pois a lógica que está subjacente ao modelo da União Europeia[3] e levada até ao seu  extremo com a administração Barroso e que se promete que irá continuar talvez até mais a fundo com a Comissão Juncker.

Pois bem disto é que muito pouco se tem falado e claramente enquanto isto não se mudar, e não é com a actual Comissão Europeia que vai mudar, teremos pois muitas semanas mais para continuarmos a ficar tristes. Mudem-se os governos, não mudando os parâmetros nem as exigências contabilísticas de muito curto prazo, tudo ficará praticamente na mesma. Talvez aqui se aplique a expressão hoje famosa: muda alguma coisa para que fique tudo na mesma.  E com esta Comissão tudo aponta para que seja exactamente assim.  Como dizia um economista italiano: é preciso fazer acreditar que os próximos cincos anos, os anos desta Comissão, passarão rapidamente. Até lá e enquanto o sistema global, que está subjacente a tudo isto, não mudar por força da Democracia e das ruas também,   teremos as múltiplas Maria e múltiplos Manuel  a ficarem despojados de tudo, por decisão da lei e teremos também no outro extremo os operadores sofisticados a operarem como nos reza a crónica que se segue, a falar-nos de George Soros, a ganhar, perdão a “roubar”,  mil milhões sem ir preso, sem nada lhe ser hipotecado.

O capitalismo predador, é disso que se trata, foi concebido  para isto mesmo, e  as estruturas foram criadas para que funcionem em sua defesa e não para proteger aqueles  que daquele  são  vítimas.  E aqui lembro os professores universitários americanos Hershey[4] H. Friedman e Linda W. Friedman[5] que nos dizem:

“One thing is clear: free markets do not work well unless there is accountability, responsibility, ethics, and transparency. Predatory capitalism that disregards the concern for others and is based purely on self-interest may even be more dangerous than communism[6]. “

O comunismo caiu. Cabe-nos agora a nós todos fazer com que o capitalismo predador caia igualmente, pela força das urnas, pela força das ruas igualmente, a lembrar o que nos diz Willem Buiter sobre a ausência de sangue nas ruas da Europa. Para isso, teremos que frontalmente nos opor aos cachorros de Bruxelas a governar por esses países fora, para utilizar a expressão de Paul Craig Roberts, teremos que nos distanciar dos supostos cães de Pavlov a que agressivamente alude Pacheco Pereira, teremos que saber esclarecer e convencer os que nas urnas decidem. Temos  podemos  de lutar contra a maldade e ganância dos primeiros, teremos que lutar contra  o nevoeiro intelectual dos segundos, teremos que pacientemente insistir , explicar e convencer os terceiros do que se está a passar. Sobre esta matéria e tomando   como exemplo a França, diz-nos Jean Claude Werrebrouck[7]:

A partir de agora, [a França]  ela vai entrar na austeridade e vai transformar  profundamente o seu estar a viver em conjunto. Este último – historicamente sempre difícil a construir (1789, 1830, 1848, 1870, 1940, 1958,) – vai-se desfazer  de forma  mais acelerada sem que  uma solução seja  hoje referenciável. É que, outrora,  as  medidas estruturais geravam unidade entre as pessoas, enquanto hoje ‘ hoje elas dispersam-nos  num alegre  afogamento colectivo. E os “candidatos” ao afogamento são muitos, tanta é a ignorância da realidade económica e social. Quando o quadro de valores se está a desmoronar, é a própria razão que se apaga . Claro, a chamada liberdade de imprensa traz a sua contribuição para  edificação do nevoeiro intelectual e o alegre afogamento colectivo .

Os empresários políticos que têm a infelicidade de exercer o poder deixam de  poder  empunhar a ideologia do interesse geral e correm o risco de compreender  que eles não passam de umas marionetes da “sobre-classe”   muito querida de Jacques Attali, [a que aqui chamaríamos os grande operadores sofisticados dos mercados globais]. Os representantes desta última, ao abrigo do afogamento   colectivo, marionetistas dos primeiros podem exercer em todos os lugares um lobby alegadamente virtuoso: o software de formação  intelectual que lhes foi proposto nas escolas superiores   não lhes permite decifrar “o mundo tal como ele é” .

Contra a ganância e incompetência das nossas elites, de direita ou de suposta esquerda, contra o nevoeiro intelectual de uns, já muitos, contra a falta de informação das razões desta crise de muitíssimos outros, é sobretudo para estes dois últimos grupos e com este  objectivo que se insere a edição da presente série de textos que tem como título  De Bruxelas, onde reina a ignorância e a maldade, à realidade dos países em implosão e que se inicia com   o texto intitulado  George Soros, um especulador de ouro.

E  boa leitura.

Coimbra, 3 de Novembro de 2014

Júlio Marques Mota

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[1] James Kwak,  What Did the SEC Really Do in 2004?, 2012. Texto disponível em:

http://www.economonitor.com/blog/2012/01/what-did-the-sec-really-do-in-2004/

Kwak é co-autor com  Simon Johnson de: 13 Bankers: The Wall Street Takeover and the Next Financial Meltdown, edit. Vintage, 2011.

[2] Para uma analise mais desenvolvida sobre esta  questão veja-se Júlio Mota, Margarida Antunes, Luís Lopes,  A Crise da Economia Global-alguns elementos de análise, edição Livre, 2009.

[3] Veja-se John Grahl, Subordinação da finança europeia, in PERSPECTIVAS PARA UMA OUTRA ZONA EURO, edição Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

[4] Hershey H. Friedman, Ph.D., Professor of Business and Marketing Department of Economics, Brooklyn College of the City University of New York

[5] Linda W. Friedman, Ph.D., Professor of Statistics & Computer Information, Baruch College of the City University of New York.

[6] Hershey H. Friedman,  Linda W. Friedman.: The Global Financial Crisis of 2008: What Went Wrong?, Março de 2009.

[7] Jean Claude Werrebrouck, REFORMES STRUCTURELLES : LA FIN DU VIVRE ENSEMBLE FRANÇAIS, blog La crise des années 2010, 26 Agosto de 2014,

Texto disponível em :

http://www.lacrisedesannees2010.com/2014/08/reformes-structurelles-la-fin-du-vivre-ensemble-francais.html

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Para ler a Parte II da Introdução de Júlio Marques Mota a DE BRUXELAS, ONDE REINA A IGNORÂNCIA E A MALDADE, À REALIDADE DOS PAÍSES EM IMPLOSÃO, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

DE BRUXELAS, ONDE REINA A IGNORÂNCIA E A MALDADE, À REALIDADE DOS PAÍSES EM IMPLOSÃO – a propósito de uma nova série de textos, uma nota explicativa por JÚLIO MARQUES MOTA – II

 

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