Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
É tempo de eleições na Grécia. É tempo de os povos europeus dizerem não à corda que a todos aperta o pescoço e os asfixia. É tempo de gritarem: Liberdade.
Uma viagem por diversos países é o que aqui vos propomos. Estação de destino, hoje: Bruxelas.
Os cortes de salários e a austeridade chegaram à Bélgica
Ronald Janssen, Wage Cuts And Austerity Have Come To Belgium
Social Europe, 15 de Dezembro de 2014
Os trabalhadores estão a pagar a conta enquanto os capitalistas estão a obter um almoço grátis.
Hoje, os sindicatos na Bélgica estão a organizar uma greve geral a nível nacional. Isto acontecerá após 3 dias de greves regionais assim como uma manifestação nacional, a continuação do que foi massivamente praticado pelos trabalhadores ao longo do mês passado. Além disso, a direcção sindical está a considerar continuar com tais acções no presente ano. Para a Bélgica, com a sua tradição do diálogo social, isto é um pouco inaudito e para ver uma acção tão intensa e similar a esta, a que está agora a decorrer é necessário recuar 20 anos no tempo.
Os trabalhadores belgas têm, contudo, muitas razões para estarem assim revoltados. O governo conservador, que assumiu recentemente o poder, está a aplicar um programa de austeridade com uma tal profundidade que isto faz lembrar uma das brutais políticas de austeridade que foram levadas a cabo em muitos outros Estados-membros europeus. Trata-se das políticas que provocaram a longa recessão europeia de 2011-2012. Com este pacote total da austeridade o governo propôs-se economizar uns 11 mil milhões de euros ou colocar a Bélgica com um défice perto de 3% do PIB.
Olhando para as medidas que estão em preparação, os trabalhadores e os desempregados terão de enfrentar a austeridade desde o berço até à sepultura. Há cortes nos subsídios para os cuidados na pequena infância, creches e infantários, ao mesmo tempo que há um aumento substancial das despesas privadas com cuidados infantis e elevação substancial igualmente dos encargos com a educação (como no caso do ensino superior), bem como haverá cortes nos serviços públicos em geral. No próximo ano, os trabalhadores serão obrigados a submeterem-se a um corte de salário real de 2%, enquanto que a negociação colectiva sobre aumentos de salário passa a ser ilegal para os próximos dois anos. Os sistemas de apoio no desemprego estão a ser modificados de múltiplas formas e no final de sua vida activa, os trabalhadores vão ter de trabalhar mais (até aos 67 anos de idade ) para que possam ter direito às pensões (agora reduzidas).
Em todas estas medidas, a pressão é sobre os salários, enquanto os rendimentos de capitais não são tocados em nada. Muito pelo contrário! Com os 2% dos cortes dos salariais reais impostos pelo governo haverá uma enorme redução na parte patronal das contribuições de segurança social. Os patrões apreciarão uma transferência de 4 mil milhões de euros ou seja mais de 1% do PIB.
O eterno alibi: Competitividade, Competitividade,, Competitividade…
Estes 4 mil milhões são entregues aos patrões com base numa lei antiga sobre a posição concorrencial da Bélgica. De acordo com esta lei e as estatísticas anuais que são produzidas como resultado disto, a posição competitiva da Bélgica está sob ameaça, porque os salários horários do sector privado na Bélgica estão a subir também fortemente em comparação com os três países vizinhos (Alemanha, França e a Holanda).
Isso, claro, coloca os empregadores na posição perfeita. Tudo o que eles têm de fazer é apontar para a lei e para as estatísticas que lhe estão associadas a defender o seu interesse de que não há espaço para negociação colectiva sobre aumentos de salários, que os salários têm de descer e que precisam urgentemente de uma nova ronda na negociação da sua parte das contribuições para a segurança social.
No entanto é simplista reduzir a competitividade à dimensão dos salários. Existem muitos outros factores, e de facto muito mais importantes do que os salários, que influenciam os resultados da competitividade.
A Bélgica, afinal, é um caso perfeito para ilustrar como é que uma análise da simples competitividade em termos salariais pode ser tão enganadora. Com efeito, tal como abaixo se analisa, um estudo mais aprofundado dos indicadores económicos belgas mostra que a posição competitiva da Bélgica é actualmente muito boa.
Uma análise mais ampla da competitividade belga
Comecemos por colocar a produtividade na nossa análise . Salários mais elevados são admissíveis e não levantam nenhum problemas de especial para a competitividade, se a produtividade dos trabalhadores também for alta. Olhando para os níveis de produtividade na indústria (ver gráfico abaixo), parece que os trabalhadores belgas são na verdade os campeões da Europa. O trabalhador médio na indústria belga permite que a entidade patronal desfrute a criação de 89.000 euros em valor acrescentado por ano. A Bélgica, juntamente com a Dinamarca, tem a maior produtividade de todos os Estados membros da União. A produtividade belga atinge um nível que é substancialmente mais elevado do que o da Alemanha ou o da França.
Source: Eurostat
O gráfico permanece favorável à Bélgica quando se confrontam os níveis de produtividade com os níveis salariais. Por cada 100 euros de salários que uma empresa industrial na Bélgica está a pagar aos seus trabalhadores, está a ganhar 158 euros em valor acrescentado. Estes valores são, de novo, um dos melhores resultados de entre as economias europeias ocidentais. E, de novo, é substancialmente mais elevado do que na Alemanha, onde a entidade patronal obtém 137 euros como valor acrescentado, mediante o pagamento de 100 euros em salários.
Source: Eurostat
Outra maneira de avaliar a solidez da competitividade das empresas é de olhar para as taxas de lucro. Se uma economia tem taxas de lucro abaixo da taxa média, isto pode ser um sinal que a economia não está produzindo os produtos certos a um custo certo. O gráfico seguinte mostra que as taxas de lucros de sociedades não financeiras na Bélgica estão na linha média da zona do euro a partir de meados da década anterior. Depois de uma pequena descida durante a crise de 2008-2009, os lucros também voltaram aos seus altos níveis de pré-crise. Aqui, as empresas alemãs superam um pouco a Bélgica, mas a diferença é menor (uma taxa de lucro de 40% do valor acrescentado bruto versus 38% na Bélgica).
(continua)
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Ver o original em:
http://www.socialeurope.eu/2014/12/wage-cuts-austerity-come-belgium/
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