Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A caminho da Grécia, a caminho da libertação da Europa – a luta contra a austeridade
4. Cedências à Grécia abrem a porta à França e à Itália
Bill Mitchell, Conceding to Greece opens the door for France and Italy
Billy Blog, 28 de Janeiro de 2015
(CONCLUSÃO)
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Défices orçamentais
O artigo do britânico Guardian também acusa as nações de Club Med terem andado a pregar “a despesa orçamental sem constrangimentos ” – onde andar a pregar significa uma certa obsessão religiosa.
Porque é que os editores do Guardian se permitem publicar este tipo de lixo no seu jornal está para além da minha compreensão. Isto seguramente reflecte-se negativamente na qualidade de trabalho.
Os factos são mesmo muito diferentes como o mostram os gráficos seguintes. Os gráficos descrevem o défice orçamental em percentagem do PIB do primeiro trimestre de 1999 ao primeiro trimestre de 2014, em Março (os dados trimestrais os mais recentes disponíveis em Eurostat – table gov_q_ggnfa). Os dados não são ajustados pelo ciclo e por isso as suas muitas oscilações. As linhas a preto são médias semestrais da série dos défices subjacentes, o que permite que se veja a tendência em torno das variações sazonais.
Em primeiro lugar, os países do Club Med têm histórias orçamentais bastante diferentes ao longo da zona do euro. A Espanha e a Irlanda são exemplares do ponto de vista dos mitos neoliberais quanto ao orçamento – eles estavam a ter excedentes orçamentais antes da crise – dificilmente défices sem limite.
Em segundo lugar, a Grécia, a Itália e Portugal tinham défices orçamentais relativamente estáveis, o que reflecte a realidade com que se estavam a confrontar em termos de défices externos elevados e reflecte igualmente os desejos de poupança privada interna. As suas taxas de inflação foram caindo desde 2002 (2003 no caso da Itália) e não estavam muito acima da média da zona euro.
Assim, os défices orçamentais dificilmente podem ser considerados excessivos qualquer que fosse o sentido desta consideração e certamente não foram “défices criados por ausência de constrangimentos” – uma expressão que implica défices fora de controle.
Terceiro, nos primeiros anos da zona euro os défices orçamentais elevados foram registados pela França, Alemanha e Países Baixos (como se discute acima). Estes défices foram em grande parte impulsionados pela situação no ciclo (recessão que provocou queda nas receitas públicas).
Em quarto lugar, todos os países entraram em défice, com valores naturalmente diferentes, com o aparecimento da Grande Crise Financeira (GCF) e como resultado do colapso no consumo privado e da resultante perda de rendimento nacional (e de impostos). A própria Finlândia, que estava a ter excedentes orçamentais constantes, no período que antecedeu a crise, entrou em défice e em défice permanece em 2014.
As variações nos saldos orçamentais foram mais graves onde a perda do rendimento real foi maior. Essas oscilações não tem nada a ver com os ” défices criados por ausência de constrangimentos “
O que se passou com a França e com a Itália?
Onde os artigos do Guardian se aproximam de realidade é quando se reconhece que o que é mais importante para a zona euro não é tanto a vitória do Syriza na Grécia mas sim o que vai acontecer na Itália, na França e em Espanha.
Mas enquanto Josef Joffe pensa que a Alemanha vai ceder face à ameaça posta pela França e Itália, eu suspeito que a ameaça vai endurecer a posição da Alemanha – e então os vencedores serão os gregos.
França e Itália, estão mais uma vez fora das regras e em muito má situação – crescimento baixo ou negativo, défices orçamentais que violam as regras do PEC e com o desemprego, já elevado, ainda a crescer mais.
A Espanha, pelo seu lado ainda não está nada bem.
Estes países têm uma tolerância limitada para a chamada ‘desvalorização interna’ – uma expressão a significar cortes de pensões, de salários e nas condições de trabalho – que é a única maneira pela qual os países se podem tornar internacionalmente mais competitivos, dado que a sua taxa de câmbio é fixa no quadro da zona euro.
O articulista do Guardian pensa que Syriza irá provavelmente reduzir a sua oposição à austeridade orçamental e passar a praticar uma linha moderada, se não se tivesse aliado aos gregos independente de direita.
Diz-nos:
Tsipras decidiu juntar-se aos Independentes Gregos, de direita, uma coligação que não partilha nenhuma das convicções ideológicas do Syriza, salvo dois compartimentos: desprezo pela austeridade orçamental e ressentimento da Europa.
Com a corda da extrema-direita ao pescoço, como é que Tsipras pode mudar as suas cores, especialmente desde que a coligação representa não apenas o consenso anti-reformista do país, mas também uma enorme quantidade de interesses especiais profundamente arraigados, tais como os sindicatos públicos e a protecção das suas indústrias, ditas abrigadas? Deixá-lo mover-se contra o vasto sector público na Grécia, as suas redes de clientelismo e os seus regulamentos anti-concorrência leal, e começaremos então a ter uma ideia da coligação, a partir do primeiro dia. Consequentemente. pela estrada de Bruxelas, não se conte que Saul se transforme em Paulo, sem falar também da longevidade do governo.
Como resultado, o articulista pensa que a Alemanha “irá ceder” e que “a dívida grega será reescalonada e até que uma parte da mesma lhes seja perdoada, juntamente com um quarto pacote de resgate para Atenas”.
Mas depois França e Itália estão na fila para a redução na austeridade
Josef Joffe pensa que um tal cenário deixará então a Europa a lutar “numa dieta de moeda barata, défices e desvalorização… [e]… a ausência de reformas dolorosas pela competitividade . “
Conclusão
Se a Alemanha abandonar a sua mania de austeridade e os défices orçamentais se expandirem, então, toda a zona euro irá retomar a trajectória do crescimento.
A Grécia pode retomar o crescimento desde amanhã se o novo governo anunciar um programa de emprego público em grande escala.
É uma ausência de despesa que está a provocar a estagnação. A obsessão com as reformas estruturais é uma questão secundária. A recessão foi devido a um colapso na despesa e não foi devida a nenhuma qualquer mudança na competitividade.
Seria muito bom que a Alemanha se comprometa a perdoar metade da dívida grega. Vamos ver se isso acontece.
Bill Mitchell, Conceding to Greece opens the door for France and Italy, 28 de Janeiro de 2015.
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