OS MEUS DOMINGOS – MANUAL DO PERFEITO CARNAVALESCO  – por ANDRÉ BRUN

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(1881 - 1926)
(1881 – 1926)

 

II

 

Mas quem tem espírito e bom humor salva-se sempre e, já agora, quero pô-los ao corrente dalgumas partidas de entrudo que tenciono fazer e que saem relativamente baratas.

  1. Ex.as moram, por exemplo, em Sete Rios. Convém-lhes, portanto, tomar um carro de Benfica. Esperam na rua dos Condes que venha um carro de cima e, trepando agilmente à plataforma da retaguarda, dizem em segredo ao condutor que na rua de Santo Antão está um sujeito maluco a distribuir notas de cinquenta escudos. O condutor apeia-se correndo para ir ver. Passa-se rapidamente à plataforma da frente e diz-se em confidência ao guarda-freio que um passageiro deixou cair à linha, sem dar por isso, um alfinete de gravata avaliado em dois contos e quinhentos. O guarda-freio, por sua vez, apeia-se precipitadamente para ir à busca do alfinete e, enquanto ambos estão ausentes, vira-se disfarçadamente a bandeira de “Benfica” para “Reservados”. Quando voltam os dois empregados, fulos por terem sido ludibriados, levanta-se a gola ou põe-se um bigode postiço para que não nos reconheçam. Furiosos e sem repararem na mudança do letreiro, tocam a campainha, dão à manivela e aí vão eles até Benfica, muito admirados por mais ninguém subir para o carro. Esta partida é simples, fácil de fazer e produz sempre grande efeito.

… De tarde, à hora do chá, dá-se uma volta pelas pastelarias “chics”. É inevitável encontrar sentada, sozinha a uma mesa, uma senhora com cara de quem precisa que lhe paguem uma conta da modista. O gracioso senta-se perto e busca um pretexto para entrar em relações. Pode, por exemplo, entornar uma bandeja com bule e tudo por cima do vestido da senhora. Enfim chegados à fala, o cavalheiro explica que recém chegou do Brasil, onde juntou a vender pevides à porta dos pavilhões portugueses uma avultada fortuna que tenciona gastar nestas Europas com uma senhora que careça do auxílio de cavalheiro respeitável. Dali e consultado um jornal, vão às Avenidas Novas ver uma casa com trinta e duas divisões, que está para alugar. Fica o gracioso de ir ao senhorio no dia seguinte. Seguem para uma armazém de móveis e, tendo escolhido mobílias e decorações no valor de trinta ou quarenta quilos, manda o cavalheiro entregar tudo no dia seguinte na tal casa das Avenidas Novas. Passam num joalheiro, o das pevides escolhe umas bugigangas de preço, manda-as levar no dia seguinte à morada que indica e, tendo passado a donzela toda a tarde por quantas modistas, perfumistas e pieguicistas há em Lisboa, tendo encomendado mil coisas e mandado entregar no outro dia, quando a pobre criança está louca de contente por ter finalmente descoberto a sua Índia, entra-se na Brasileira pelo lado do Rossio, pedindo à senhora que espere e sai-se pela rua do Príncipe. Para se fazer esta gracinha são precisas duas coisas: 1.ª dispor duma certa apresentação, um certo à vontade e ter o talento da conversação, o que é difícil; 2.ª encontrar uma criatura bastante tola para acreditar num palão deste tamanho, o que é fácil desde que se tenha o cuidado de escolher entre as frequentadoras dos chás elegantes as que dêem indícios de há menos tempo terem sido criadas de servir.

… Quem possa fazer uma pequena viagem vai passar uns dias ao Ribatejo e aí visita com atenção as “ganaderias” dos nossos principais criadores. Inquire dentro delas qual é o touro mais bravo e mais espantadiço e, tendo escolhido meia dúzia de cornúpetos, manda-os embrulhar num papel e trá-los para Lisboa. Como sabem, já não há guarda-fiscal e tudo entra com facilidade, desde os chavelhudos sós até aos curros mal acompanhados. Escolhem-se então os locais. Vai-se por exemplo ao Parlamento na altura em que se apresenta um ministério. Tudo está naturalmente agitado. Uns gritam: “Viva!”; outros gritam: “Morra!”… Desembrulha-se com cuidado um boi de Palha Blanco e larga-se no meio da sala. Gozado o pratinho, marche-se para um cinema onde se exiba o vigésimo quinto episódio dum emocionante “film” publicado em folhetins no “Diário do Governo”. Aí desembrulha-se um de Emílio Infante. Largando mais um no Martinho, outro num comício de funcionário civis, o quinto num sarau de poetas, o sexto à porta da “Chave de Ouro”, posso garantir-lhes que se passa um bocado de tarde bem passado. É inútil querer fazer esta piada numa repartição do Ministério do Trabalho. Nunca lá está ninguém.

 

4 de Fevereiro de 1923

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Veja a Parte I de Manual do Perfeito Carnavalesco, publicada domingo passado, 22 de Fevereiro, em A Viagem dos Argonautas, no link:

OS MEUS DOMINGOS – MANUAL DO PERFEITO CARNAVALESCO  – por ANDRÉ BRUN

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