Sobre a imprensa e a austeridade na Europa

Queixamo-nos de má imprensa em Portugal. Eu diria que se tem a impressão de que quase toda ela é paga para produzir as leituras que faz sobre a crise, da crise que já passou ou que está a passar, para produzir as explicações que dela nos dá ou mesmo para omitir as que omite, intencionalmente, penso eu. São pois relevantes as notícias que nos dá e da forma em que as dá, pois que muitas destas são publicadas sem nenhum artigo de confronto à opinião omitida como relevante; são relevantes e importantes os pontos de vista da redacção sobre acontecimentos importantes da vida nacional, condicionando politicamente o leitor; são igualmente relevantes as omitidas por esconderem as razões pelas quais são omitidas.
Quanto às posições sem contraditório, como se diz na gíria jornalística este é tanto mais importante quando está a ser publicado um artigo de opinião de um ministro importante, de um país importante, como aconteceu recentemente com o New York Times que publica um artigo de Schauble. Publica-o, sem mais nada. A menos que se admita que um artigo publicado por um ministro não se discute, que dele não se duvida. Não tem sido esta a prática do New York Times, mas foi o que fez com o artigo de opinião de Schauble. Como exemplo das notícias omitidas, temos a falência de um banco na Áustria que colocou em dificuldade os estados de Caríntia e do Tirol, além de um ou outro banco alemão. Na altura, apenas li uma pequena notícia, muito bem escrita aliás, por Soromenho Marques, mas este não é jornalista. A questão passava-se no núcleo duro da zona euro, mostrando que a podridão bancária não é apanágio dos países do Sul, portanto é inconveniente, é irrelevante, omite-se. O que se não sabe, politicamente não existe. Quanto aos artigos de opinião, temos agora um enorme “pressleaks” na Alemanha, na pessoa do Dr. Udo Ulfkotte, 53 anos, que colaborou durante dezoito anos no mais prestigiado diário alemão, o FAZ (Frankfurter Allgemeine Zeitung), até ser o chefe de redacção. Ulfkotte foi igualmente conselheiro do Chanceler Kohl. Em 2003, é distinguido com o prémio da Fundação Annette Barthelt. E este jornalista afirma pura e simplesmente ter sido manipulado como os outros. Hoje, arrependido declara “ter vergonha de ter feito parte deste sistema de corrupção”.
Ulfkotte ultimamente tem apoiado Pegida. Não é de surpreender que “os caminhantes” de Pegida, em toda a Alemanha, gritem incessantemente: “Lügenpresse! ” Imprensa mentirosa… O seu corajoso editor, Kopp, declara que nenhuma personalidade levantou queixa contra ele. Mas Ulfkotte precisa: “Desejo que levantem queixa porque, então será tudo desempacotado em frente da justiça e levado ao conhecimento do público”. Tudo dito, portanto.
Mas como exemplo ainda dos artigos de opinião publicamos aqui um editorial do Le Monde para nos mostrar afinal como está a nossa imprensa de agora, aquela que durante décadas era exemplo para o mundo do que deveríamos chamar liberdade de imprensa. Hoje, diríamos transformada em pasquim, a vender as verdades de François Hollande na sua submissão vergonhosa a Frau Merkel e a Schauble, ou seja, na sua submissão às teses da austeridade. O artigo de Schäuble publicado pelo New York Times vai igualmente no mesmo sentido.
Confirma-se por aqui o testamento de Richelieu conhecido publicamente em 1688 em que este nos diz : “A autoridade obriga à obediência, mas a razão a esta convence “. E, então a arte do convencimento cabe aos bons jornais, credíveis, pois que uma mentira para passar, para ser eficaz, tem de ser credível. Da autoridade temos os governos subalternos para a imporem, da arte de convencer que esta é a via possível temos então os meios de comunicação social.
Boa leitura para a pequena série de artigos que se segue:
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Artigo do Le Monde:
Inimaginável, um grande jornal que se foi, um pasquim que ficouLe Monde, um jornal francês que ajudou gerações e gerações de pessoas a formarem-se e a informarem-se quer quanto a temas de ordem política como de ordem económica. Um jornal que diríamos de esquerda, ou pelo menos, de centro-esquerda, como o The Guardian ou o The New York Times, de elevado nível científico e pedagógico igualmente. Hoje, esta imagem está reduzida a cinzas. O Le Monde parece-se mais com, um pasquim a defender as teses de Bruxelas e de Berlim, e de modo tão apologético que nem a direita mais retinta seria capaz de o fazer. O Le Monde de outrora morreu. Paz à sua alma. O Le Monde de hoje é para não se ler como jornal mas mais como um porta do governo de Hollande, ele próprio vassalo de Schäuble e da sua camarilha. A prova, no texto que segue, para quem ainda tenha dúvidas, aí está.De resto a confirmar a tese do Cardeal Richelieu, expressa no seu testamento político:“A autoridade obriga à obediência, mas a razão a esta convence “. E neste domínio, os nossos jornais esmeram-se na arte de tentar convencer, ao serviço de Berlim e de Bruxelas, portanto. E o jornalista é bem explícito: é a função dos meios de comunicação social, o convencer de que terá de ser assim. E por toda a Europa, assim.Se repararmos, encontramos aqui com Manuel Valls o mesmo discurso, desde Passos Coelho a Rajoy, passando pelos finlandeses, por toda a Europa submetida ao diktat de Berlim.E a partir de agora, na Finlândia, porque os resultados eleitorais deram a vitória aos defensores de mais austeridade, o que iremos ouvir é que é preciso recuperar de uma década perdida. Como? Aplicando mais austeridade à austeridade, pura e simplesmente assim, como se diz no jornal Le Monde.Júlio Marques Mota |