As autoridades da zona do euro estão a provocar uma crise de liquidez na Grécia para forçá-la a capitular, por Philippe Legrain II

Falareconomia1

Selecção  e tradução de Júlio Marques Mota

(conclusão)

Em 2010, a Espanha contribuiu para o primeiro resgate da Grécia com uma soma de 9800 milhões de euros. No seu livro European Spring afirma que “o resgate grego foi a segunda etapa do maior acordo entre os bancos de todos os tempos”. Um director do Fundo Monetário Internacional (o FMI) e o senhor indicam que o objectivo do resgate não era o de ajudar a Grécia mas sim os bancos alemães e franceses. O que é que aconteceu, exactamente? Sabia-o o governo espanhol?

Quando, em 2010, a Grécia se viu isolada dos mercados, a sua dívida, enorme e em forte crescimento, estava sem nenhuma dúvida não-pagável. Tanto os investidores assim como todos os funcionários do FMI o sabiam . Por conseguinte, deveria ter-se aplicado um perdão parcial a esta dívida, como o FMI assim o reconheceu publicamente logo a seguir. Contudo, para evitar que os bancos alemães e franceses sofressem perdas, os responsáveis políticos da zona euro, e em especial a chanceler alemã Angela Merkel com o trio francês composto pelo presidente da França Nicolas Sarkozy, o presidente do Banco Central Europeu Jean-Claude Trichet e o presidente do FMI Dominique Strauss Kahn, fizeram crer que a Grécia atravessava apenas problemas de financiamento temporário. Em violação dos tratados da UE, cujas normas impedem os resgates, emprestou-se dinheiro dos contribuintes europeus ao governo grego insolvente, convenientemente por solidariedade, mas com o objectivo real de resgatar os bancos estrangeiros. Na verdade, este empréstimo condenou os pobres gregos “a uma prisão da dívida”. Ao colocarem os interesses da banca acima dos interesses dos cidadãos comuns, os responsáveis da zona euro colocaram os europeus uns contra os outros.

Não posso confirmar que o governo espanhol sabia ou não em 2010; para isso teria que ter acesso às actas das reuniões oficiais.

De acordo com Bloomberg, o ministro de economia espanhol Luis de Guindos (e ex-director de Lehman Brothers-Espanha e Portugal) teve uma posição bastante agressiva contra a Grécia durante o acordo do Eurogrupo de Fevereiro. De um ponto de vista económico e político, foi esta uma boa decisão para a Espanha?

Luis de Guindos quer ser o próximo presidente do Eurogrupo, pelo que tem necessidade de ser “mais alemão que os alemães” para ganhar o apoio de Berlim. Do mesmo modo, o governo do PP quer que o governo grego dirigido pelo Syriza fracasse, a fim de dissuadir os espanhóis de votarem no partido Podemos nas eleições gerais de Novembro. Finalmente, aceitando a estratégia conduzida pela Alemanha em termos de austeridade e de reformas estruturais, o governo espanhol tem um interesse directo na defesa da sua posição.

Também é verdade que, em termos financeiros estritos, os contribuintes espanhóis perderiam dinheiro com a diminuição da dívida da Grécia, dada a decisão catastrófica e corrupta de 2010. Mas, num sentido estratégico mais vasto, os interesses da Espanha como um todo — de facto, todas as pessoas em Espanha, excepto os bancos e os seus credores estão alinhados com os interesses da Grécia. Nos dois casos, os contribuintes comuns foram obrigados pagar os custos totais de uma crise dos quais são, no máximo, apenas em parte responsáveis. Em especial, nos dois casos, viram-se obrigados a resgatar a banca francesa e alemã, cujas más práticas de empréstimos alimentaram a bolha imobiliária na Espanha e a bolha de consumo público na Grécia. Da mesma maneira que a Grécia, a Espanha tem uma dívida externa muito elevada. Em conclusão, os Espanhóis deveriam partilhar as aspirações dos Gregos por uma zona euro mais justa.

Qual é a solução para a dívida pública elevada e para a situação económica de numerosos países da zona euro?

De momento, embora a dívida pública espanhola continue a crescer, esta continua a ser sustentável, embora isso se possa alterar se houver uma desaceleração do crescimento, se a deflação se aprofundar e/ou as taxas de juro subirem . O principal problema da Espanha é a sua enorme dívida privada, e em especial as hipotecas ligadas a casas cujo valor é agora bem mais baixo que a correspondente hipoteca. Contudo, as pessoas sujeitas a hipotecas não podem escapar devido a uma injusta lei hipotecária da Espanha que favorece os bancos e a falta de vontade política para infligir perdas aos bancos com fortes ligações políticas leva a que se segue pois uma aprovação implícita dos contribuintes.

É claro, não obstante, que o governo grego tem necessidade de uma redução parcial da sua dívida, e uma boa maneira de gerir este processo seria ter uma conferência sobre a dívida onde credores e devedores pudessem concluir um grande acordo. Isso, poderia incluir uma diminuição da dívida em troca de reformas, e idealmente também um plano Marshall (ou Merkel) de investimento. Esta conferência poderia também abordar a dívida bancária de 64 mil milhões de euros imposta aos contribuintes irlandeses (14 000 euros por pessoa) e uma redução do valor dos empréstimos concedidos pela União Europeia a Portugal.

Numa entrevista recente, Thomas Piketty afirmou que “ ao criar a zona euro criámos um monstro”. O que pensa desta afirmação?

Penso que, embora o euro tenha falhas na sua concepção, a zona euro tornou-se uma prisão de endividados, transformou-se numa monstruosidade — uma simples prisão de devedores- devido aos erros catastróficos que foram cometidos durante a crise. Os contribuintes tiveram de pagar o preço das más práticas de empréstimos da banca. Os países credores, em especial a Alemanha e os Países Baixos, transferiram os custos totais da crise para os países endividados, principalmente para a Espanha. Impôs-se assim um sofrimento desnecessário às pessoas comuns, aplicando uma austeridade colectiva e cortes salariais excessivos e prematuros. Por fim, a nova camisa de forças orçamental proíbe decisões legítimas e democráticas sobre a fiscalidade e sobre a despesa. Em conclusão, temos necessidade com urgência de uma zona euro mais livre, mais justa e democrática

No seu livro European Spring diz que a zona euro vai a caminho de se transformar numa zona euro germânica com um quadro estrutural tecnocrático. Ao mesmo tempo, o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, assegura que “as novas eleições não alteram nada”. Face a este panorama, que pode fazer a Espanha?

Em primeiro lugar, a Espanha deve escolher um novo governo [nas eleições] no fim do ano. Na minha opinião, a prioridade do novo governo seria conseguir a redução da dívida dos devedores em dificuldades, e em especial, dos titulares de hipotecas. Se isso implicar que os bancos tenham grandes perdas, que assim seja; os seus credores terão que recapitalizá-los, suportando uma parte destas perdas.

Além disso, Madrid deve fazer causa comum com Paris e Roma para pedir políticas e regras diferentes para a zona euro. Um aumento do investimento e umas reformas que se centrem na produtividade, e não sobre o corte dos salários por causa de uma procura mercantilista de ganhar “mais competitividade”. Regras orçamentais mais flexíveis que permitem aos governos democraticamente eleitos responder às condições económicas e às prioridades políticas em mudança, com um BCE cujo mandato seria o de prevenir de situações de pânico e com a criação de um mecanismo para reestruturar as dívidas dos governos insolventes.

Finalmente, a Alemanha deve também desempenhar o seu papel no ajustamento necessário na zona euro, relançando a sua actividade económica em vez de impor a deflação aos seus vizinhos. O seu excedente na balança corrente, em quase 8 % do seu PIB, o maior do mundo, é o desequilíbrio mais perigoso e desestabilizador da zona euro. Deve-se pressionar a Comissão Europeia para que faça cumprir na Alemanha as regras do Procedimento de Desequilíbrios Macroeconómicos da zona euro. Que se lhes exija, se necessário.

“Os governos poderiam ter enfrentado e de forma decidida os problemas bancários na Europa bem antes de se estar agora a recorrer ao dinheiro dos contribuintes”. Como sabe, o contribuinte espanhol pagou 23 465 milhões de euros para resgatar o Bankia . Havia alguma alternativa?

A solução era simples: copiar e aplicar as leis de resolução bancária que já tinham sido promulgadas noutros países, por exemplo na Grã-Bretanha; eliminar os accionistas de Bankia; e deixar que os seus credores se carregassem com a dívida, transformando as suas obrigações em acções . Contudo, o governo espanhol tomou a decisão política de resgatar Bankia que era dirigido pelo ex-ministro de economia do PP Rodrigo Rato.

O presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, disse há um ano que a crise já tinha terminado na Espanha. É verdade?

Evidentemente, não é verdade. A economia espanhola está ainda com um PIB que é 5.7% menor do que quando foi atingida pela crise há sete anos. Neste momento, 23.7% dos Espanhóis estão sem emprego, e muito ficaram directamente fora da força de trabalho no mercado. A dívida privada continua a ser enorme, enquanto a dívida pública continua a aumentar. De facto — contrariamente às afirmações do governo de que a austeridade “funcionou” —, a recuperação coincidiu com a flexibilidade da austeridade extrema do período de 2011 à 2013, enquanto o défice orçamental em 5.7 % do PIB no ano passado foi o mais elevado, não só de toda a zona euro, mas de toda a UE. Durante este tempo, com a estagnação dos salários, o aumento do consumo é promovido por uma redução das poupanças e não do aumento do volume de salários. Por conseguinte, a Espanha não se ajustou com sucesso, nem a sua recuperação é sustentável.

O senhor explica no seu livro a crise da Europa como “uma tragédia com um prólogo e cinco actos”. Aparentemente, esta tragédia não vai terminar tão cedo. Que opinião tem dos nossos responsáveis políticos?

Penso que alguns responsáveis políticos acreditam, erradamente, que a consolidação orçamental e as reformas estruturais são a solução para a recessão. A outros, isso não lhes importa e, cinicamente, apenas querem justificar as más decisões que tomaram. A crise pôs em evidência como os políticos do establishment e os tecnocratas da União Europeia são geralmente incompetentes, às vezes corruptos, e frequentemente estão perigosamente desligados do cidadão comum, o cidadão que sofre as consequências das suas decisões. É por isso que a tragédia pode longamente ser prolongada no tempo, até os eleitores dizem finalmente “ BASTA”.

No seu livro, propõe uma série de reformas para melhorar as instituições europeias e as nossas economias: “para escapar a este inverno longo e escuro, temos necessidade de uma primavera europeia: uma renovação tanto económica como política “. Temos que ser optimistas?

Sou optimista no sentido de que o futuro da Europa não tem que ser tão desolador como o é o presente. Os Europeus podem alterar este presente para bem melhor. Mas a mudança não se irá dar de forma automática. Temos que lutar por isso. É a razão pela qual lancei um movimento, em europeanspring.org, por uma Primavera Europeia, por una Europa mais dinâmica, digna e democrática.

Texto editado por eldiario.es: Philippe Legrain com Hernán Garcés e Arthur Vigneron: “Las autoridades de la zona euro están provocando una crisis de liquidez en Grecia para forzarla a capitular”. Texto disponível em:

http://www.eldiario.es/alternativaseconomicas/autoridades-provocando-liquidez-Grecia-capitular_6_383621649.html

 

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