Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Grécia: Tsipras pronto a limpar as cavalariças de Augias[1]
O acordo com a UE dar-lhe -á força para fazer reformas?
Gil Mihaely, Grèce: Tsipras prêt à nettoyer les écuries d’Augias – L’accord avec l’UE lui donnera-t-il la force de réformer?
Revista Causeur.fr, 14 de Julho de 2015
Diz-me o que pensas de Tsipras, dir-te-ei o que tu és. A crise grega, sobretudo desde a vitória do Syriza e a chegada ao poder de Alexis Tsipras, tornou-se na França um importante marcador da identidade e de pertença política. Nestes últimos dias, as redes sociais veicularam e amplificaram as angústias e as esperanças, a alegria e a angústia de um e do outro. Às vezes, a adesão ideológica e a identidade face ao governo grego e ao seu chefe eram tais que eram tomadas de posições contraditórias que foram saudadas como geniais e corajosas. Ataca-se duramente? Viva o pequeno povo muito digno. Recua-se imediatamente? Génio táctico e estratégico digno dos Antigos! Diz-se não? Tira-se-lhe o chapéu, ao artista, e que audácia! Diz-se sim? Que sentido das responsabilidades por parte daquele do que soa a um recuo total para melhor avançar! Resumidamente, Tsipras, cara ou coroa, Tsipras ganha, face triunfa. É difícil ver claramente nestas condições. E no entanto é totalmente necessário.
Deixemos pois e por um momento os combates ideológicos e os voos líricos. E olhemos mais de perto duas das mais importantes reformas estruturais em questão nas intermináveis negociações entre os Gregos e os seus credores públicos. Trata-se do registo cadastral e da justiça. Que se seja liberal, ultraliberal, estatista, soberanista ou defensor das teses de Montebourg, pode-se estar de acordo sobre o facto de que uma economia de mercado, mesmo extremamente regulada e controlada, é seriamente deficiente se não dispuser de um sistema centralizado e fiável de registo da propriedade fundiária. Do mesmo modo, é indispensável que possa contar sobre um sistema judicial que permita de forma regular e rápida, eficazmente e à preço acessível julgar os inúmeros litígios ligados às actividades económicas e os compromisso contratados entre os diferentes actores. Ora, a Grécia tem fortes problemas nestes dois campos.
No que diz respeito ao cadastro, a história é conhecida desde há muito tempo mas merece ser recordada no contexto actual. O sistema cadastral grego é ao mesmo tempo anacrónico e descentralizado. Entre os mais prejudicados por esta deficiência, há em primeiro lugar o Estado grego ele mesmo, que tem muitíssima dificuldade em pôr em prática uma fiscalidade adequada sobre a propriedade fundiária. Mas os proprietários gregos, fora dos grandes centros urbanos, pagam também um preço elevado em conflitos longos e dispendiosos, que constituem um travão importante à fluidez da actividade económica.
Há duas décadas, o governo grego apresentou pois à UE um projecto destinado a criar um cadastro moderno, centralizado e informatizado e obteve um financiamento de 100 milhões de euros (equivalente 1994). Em 2001, o projecto continuava a estar sempre em ponto morto e travou-se um braço de ferro relativamente à devolução da referida soma. O debate em redor do processo rapidamente se tornou num debate ideológico. Pelo lado dos gregos denunciou-se “um espírito anti grego” enquanto que os Alemães, os Austríacos, os Dinamarqueses e os Finlandeses (!) insistiam para que Atenas reembolsasse integralmente a soma recebida. Não sem dificuldade, os Franceses negociaram um compromisso: os Gregos reembolsariam os 100 milhões em duas vezes, em troca de um financiamento até 40 milhões de euros para um novo projecto de cadastro. De acordo com um inquérito publicado em maio de 2013 pelo New York Times, seria difícil garantir que esta soma tenha sido bem gasta . O facto de que a questão não seja mencionada no documento “do compromisso a quatro” negociado ontem de manhã em Bruxelas não deveria tranquilizar-nos: a questão não foi pura e simplesmente resolvida.
Não é em contrapartida o caso para os tribunais gregos, cuja reforma é formalmente exigida pelos credores. Mas são em primeiro lugar os Gregos eles mesmos que se queixam do funcionamento da sua justiça civil. O número de processos em espera de decisão é enorme (fala-se de 140.000), e a espera é excessivamente longa: 7,5 anos em média. Quando se trata de litígios comerciais, administrativos ou fundiários, pode-se facilmente imaginar o efeito deletério sobre a actividade e sobre a confiança dos cidadãos nas suas instituições.
Nos dois casos não se trata de escolhas ideológicas e as reformas são apoiadas oficialmente pela opinião pública. Ora, contra esta necessidade, os governos sucessivos não tiveram êxito em conseguir realizá-las. Várias conclusões diferentes são possíveis. Pode-se legitimamente pensar que antes de Janeiro de 2015 a Grécia foi dirigida por clientelismos e corruptos. Pode-se igualmente pensar que o Estado grego muito simplesmente se confrontou contra a sua própria impotência em face da amplitude dos obstáculos às mudanças. Parece-me que a resposta é provavelmente uma mistura das duas coisas e que Alexis Tsipras o sabe bem. E dado que sabe também e talvez melhor que ninguém que estes dois problemas são apenas uma amostra de que o espera, neste Estado grego que tem o aspecto das cavalariças de Augias, havia pois duas opções: sair do Euro e tentar reconstruir tudo ou permanecer no Euro a fim de utilizar a enorme pressão dos credores para varrer os obstáculos e contornar os interesses específicos, as clientelas e os lóbis que puseram em xeque os seus antecessores. Tudo leva a dizer que terá optado por esta última solução.
Gil Mihaely, Director da revista Causeur.fr, Grèce: Tsipras prêt à nettoyer les écuries d’Augias -L’accord avec l’UE lui donnera-t-il la force de réformer? Texto disponível em : http://www.causeur.fr/grece-tsipras-cadastre-tribunaux-33814.html
*Photo : Petros Karadjias/AP/SIPA/XTS101/67113376175/1507131529