PODE-SE ESCONDER A BOMBA ATÓMICA GREGA? – por JEAN CLAUDE WERREBROUCK – II – nota do tradutor

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Selecção, tradução e nota de Júlio Marques Mota

ob_1a6018_photo-pour-articles-de-journaux-2 Pode-se esconder  a bomba atómica grega?

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Jean Claude Werrebrouck, Peut-on enfouir la bombe atomique grecque?

La crise des années 2010, 21 de Julho de 2015

(conclusão)

Nota do Tradutor:

O défice global Dg é por definição expresso pela soma do défice primário (Dp)  com  o serviço da dívida e este é  dado por Bt-1 vezes i, onde i é a taxa média do serviço da dívida e  Bt-1 é a dívida global que transita do período (t-1) para o período t. O défice global não em termos absolutos mas sim em termos de PIB vem então:

  =  +  i . Mas Yt é dado por Yt= Yt-1 (1+g) onde g representa a taxa de crescimento verificada em t.  Por outro lado   representa igualmente o acréscimo da dívida por unidade PIB verificado no período t que passamos a escrever por , enquanto  representa o défice primário por unidade PIB verificado em t, que passamos a escrever por dpt.

A expressão anterior vem então:

  =  dpt +   i.  Ora    representa a dívida por unidade PIB no período t-1 e que passamos a representar por b t-1.  A expressão  i tem como boa aproximação  (i-g) pelo que :

  =  dpt + b t-1  (i-g) .

 que a divida está estável, então esta hipótese significa então que    é igual a zero. No caso grego em análise temos com estabilidade da divida b t+1 = bt = b t-1  = 177%, ou seja o rácio da dívida permanece constante e igual a 177% do PIB. Considere-se que  i  é igual  a 2% e que a taxa de crescimento vem negativa e em 4% conforme se disse acima, vem g= (-) 4% devido, portanto,  às políticas de austeridade conforme se explica no texto. A estabilidade da dívida exige pois, de acordo com a expressão anterior,   que 177% (i-g) = 177% ( 2+4)% = -dpt. Podemos então  afirmar que a estabilidade da dívida por unidade PIB  exige um défice primário negativo ( ou seja um excedente  primário na ordem dos 10,62%.

Irreal, portanto, e podemos pois afirmar que tudo o que se passou em Julho foi violência da mais gratuita e da  mais violenta contra um povo, contra um governo democraticamente eleito. Dentro de meses, não muitos,  voltaremos à  mesma discussão e possivelmente à mesma violência…A menos que  se forcem eleições gerais, se faça cair rapidamente Syriza, o grande objectivo de Merkel e Schauble, segundo muitos analistas, e depois se abrande a tensão sobre a Grécia, mas já com a direita  de novo instalada no poder em Atenas. Mas esta hipótese significa também  que estamos a ser governados ao nível das mais altas esferas governativas nacionais e internacionais  por puros psicopatas  sociais, por loucos, com todos os perigos que isso começa a implicar. Loucos que produziram esse monstro actual chamado euro e que são na maior parte dos casos já eles mesmos um produto transformado do sistema que criaram, não sabendo ou não querendo pensar sequer  fora desse mesmo sistema. Até quando?

É aqui que o nosso ponto de vista se demarca de gente que muito estimo como é o caso de Rui Tavares, José Reis ou Boaventura Sousa Santos que ainda parecem querer acreditar que  o  euro pode ser uma coisa simpática. José Reis diz-nos, por exemplo, o seguinte:

Mas é claro que num ambiente europeu que consiste em responder às veleidades de qualquer alternativa com mais e mais austeridade, cada vez mais cega e cada vez mais punitiva, há que ter hoje na mão outros caminhos. Pode não ser já a grande ambição da refundação democrática europeia, mas tem de ser, pelo menos, saber quem, fora do ditame do governo alemão, está em condições de tomar em mãos o que é essencial para reconstituir a Europa. Um Euro da Europa do Sul? Um Euro sem a Alemanha? Um Euro de um bloco que inclua quem definhará nas atuais condições? Um Euro de três ou quatro grandes democracias que tenham um projeto de solidariedade e uma visão comuns com alguns mais? Poderá ser qualquer destas coisas. Terá de ser alguma delas e alguma deveria estar preparada pois nem sequer num ambiente de negociação estamos. É por isso preciso um ambiente de portas abertas e tensões bem definidas[1]. O que não podemos é ficar incapazes de responder à chantagem…

Sendo certo, e estamos profundamente de acordo, de que “não podemos é ficar incapazes de responder à chantagem…”, para que o euro possa ser uma “realidade simpática” , para que haja “um ambiente de portas abertas e tensões bem definidas”  como pretende José Reis,  isso exigiria uma viragem de 180 graus de 30 anos de práticas e de  políticas de integração económica. Ora  com a “ “realidade” de direita”, para utilizar uma expressão nada feliz mas forte de um jornalista do Público, João Miguel Tavares,   que institucionalmente fomos criando e teoricamente justificando,  esta viragem pacífica está agora fora do domínio do imaginável.  Como o está também a posição de João Ferreira do Amaral, pois a “ “realidade” de direita” a que temos assistido mostra que o colete-de-forças em que estamos todos enfiados não permite sequer uma saída organizada da zona euro como este nosso querido amigo desde há anos tem andado a defender.

Como assinala  Hervé Juvin sobre a Europa, sobre o muro do Ocidente que não caiu:

“A Europa é isto. Ela conduziu-nos a isto. A Europa apostou tudo sobre a economia, para não se definir, para não se identificar, para não se assumir com fronteiras. Nada de limites! A economia foi o meio da tomada de poder do capital em nome do crescimento, e da banca, em nome da dívida. A finança retomou este poder dispondo do real o pela criação  monetária ilimitada. Nada de limites! Esta pretende guardar e manter este poder, em nome do medo: Os Estados europeus têm medo e têm em razão em ter medo: estes abandonaram as chaves da sua soberania  ao sistema bancário e já não são capazes de as retomar – e quanto mais a falência do sistema se aproxima, mais medo têm os Estados em  reassumir as suas funções, as chaves da  sua respectiva  soberania. O investidor tem medo, e tem razão em ter medo; os exemplos de Chipre (2013)e da Polónia (2014) [ como agora o exemplo da Grécia ainda mais brutal]  serão tidos em conta pelas populações. (…) O terrorismo da dívida, o terrorismo das taxas de juro, o terrorismo das falências provocadas, é um meio de manter indevidamente o poder, o que a hiperfinança agarrou e não está disposta a largar.”

Num espaço assim, não há pois espaço para “um ambiente de portas abertas e tensões bem definidas”. É preciso primeiro criá-lo politicamente o que não será nada fácil, pode exigir muito tempo. O silêncio das ruas da Europa face ao que se passou com a Grécia diz-nos isto mesmo, quando curiosamente um antigo alto-funcionário do BERD, Willem H. Buiter,   se mostra espantado porque é que o sangue não corre nas ruas da Europa. Não há, por enquanto, nem sangue, nem ruido nas ruas da Europa.  Se concordamos com o quadro geral do texto citado, há porém muito ainda politicamente a fazer para se poder chegar aí e esse muito a fazer pode levar demasiado tempo e pode ser  que, depois, seja já demasiado tarde e nos rebente então a bomba atómica de que se fala no texto acima. A rebentar-nos  nas mãos, na cara, na vida.

“A realidade é de direita” diz-nos  João Miguel Tavares, num texto de que discordo absolutamente, mas que recomendo a toda a gente, dada a argumentação utilizada na justificação do porque é que a realidade é  de direita, e não no porque é que a realidade está politicamente controlada pela direita. Pena é que Pacheco Pereira num texto que claramente pode ser visto como a sua resposta ao João Miguel Tavares não tome directamente o texto  dele  em mãos.

E, por isso, porque a realidade está politicamente controlada pela direita,  porque ouvindo um pouco os rumores da história, sou capaz de bem mais acreditar no que diz Pacheco Pereira  quando  nos diz:

“Isso é porque a “realidade” é um resultado de um feixe de interesses, hoje muito mais acossado do que esteve no passado recente, logo mais agressivo. O modo como trataram a questão grega é um exemplo de uma enorme cegueira, que se podia quase dizer bem-vinda cegueira se não fosse o custo que tem para os gregos. Que eles caminhem de mão dada ceguinhos para o precipício, não acho mal, mas vão sozinhos.

É que, contrariamente ao que pensam, na questão grega, a realidade impôs-se à “realidade” e fez a história mover-se quando eles a queriam fixa no ponto ideal do seu poder. Sem eles as verem, a não ser na sua agenda punitiva, as coisas estão a mudar e como sempre acontece na história mudam sob a forma de surpresas. Não, a “realidade” não é a história acabada num certo modelo de economia, sociedade e poder. Bem pelo contrário, está a mover-se e mais depressa do que imaginam e não é para o lado da “realidade”. É para o lado de que há “alternativas”.”

As coisas tendem a passarem-se de um modo agressivo e estão a mudar mas se estão a mudar para os lados das “alternativas” de forma desordenada, poderemos igualmente ter um processo moroso, desgastante e de resultado incerto por isso mesmo,  para encontrar o caminho da saída da crise  política, económica, social em que estamos atolados, em suma, para abrirmos espaço civilizacional para um outro mundo no campo dos possíveis.  E não estou tão confiante quanto Pacheco Pereira. Há sempre o problema dos timings, da bomba atómica de que se fala acima.

Coimbra, 27 de Julho de 2015

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[1] O sublinhado é nosso.

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Ver a Parte I, com o texto de Jean Claude Werrebrouck, publicado ontem em A Viagem dos Argonautas, em:

PODE-SE ESCONDER A BOMBA ATÓMICA GREGA? – por JEAN CLAUDE WERREBROUCK – I

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