REFLEXÕES EM TORNO DO MASSACRE DE PARIS, EM TORNO DO CINISMO DA POLÍTICA OCIDENTAL – SENADO FRANCÊS – COMISSÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, DEFESA E FORÇAS ARMADAS – AUDIÇÃO DO GENERAL VINCENT DESPORTES SOBRE O PROLONGAMENTO DA OPERAÇÃO CHAMMAL NO IRAQUE – III

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Selecção, tradução, notas e montagem por Júlio Marques Mota

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COMPTES RENDUS DE LA COMMISSION DES AFFAIRES ETRANGÈRES, DE LA DEFENSE ET DES FORCES ARMÉES

Debate em sessão pública sobre o prolongamento da operação Chammal no Iraque – Audição do general de divisão Vincent Desportes, professor associado em Sciences Po Paris

A comissão ouve o general de divisão Vincent Desportes, professor associado em Sciences Po Paris, no quadro de uma audição em sessão pública sobre o prolongamento da operação Chammal no Iraque, em conformidade com o artigo 35 da Constituição.

17 de Dezembro de 2014

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(conclusão)

Sr. Jacques Gautier. – No que respeita ao sub-dimensionamento do orçamento das OPEX, satisfaço-me com a fórmula actual, consistindo em inscrever uma dotação determinada no orçamento do ministério da defesa e prever um financiamento interministerial que lhe seja adicionalmente atribuído, na medida em que o compromisso dos OPEX é uma decisão política. Tendo em conta o constrangimento de redução dos custos, interrogo-me, além disso, sobre o que pode trazer a participação da porta-aviões Charles de Gaulle na operação Chammal, dado que a França dispõe já de aviões Mirage na Jordânia e de aviões Rafale nos Emirados Árabes Unidos.

Joël Guerriau. – Apreciei a vossa notável exposição e retive os cinco princípios que citou. Disse que a França teria tido razão em intervir no Mali e na Líbia precisando ao mesmo tempo, o que me tranquilizou, que convinha ir até ao fim e restaurar uma paz duradoura. Retenho do vosso propósito a regra de ouro seguinte: não nos devemos envolver numa guerra a menos que se tenha a capacidade de a suportar num tempo longo.

Jean-Marie Bockel. – Aprecio a originalidade e a delicadeza das vossas análises desde que o conheço. Mas noto que na instituição militar, as vossas tomadas de posições são alvo de debate.

Aymeri de Montesquiou. Enviou às urtigas a doutrina Guderian da guerra relâmpago (Blitzkrieg). Sublinhou mesmo a importância do território de Daech (200 000 Km) em face dos efectivos limitados de que ele dispõe (30 000 homens). Trata-se aí de um ponto fraco para Daech, tanto quanto este não tem aviação. Além disso, interrogo-me como é que é possível influenciar uma coligação: seja, ou a dirigimos ou nela somos dirigidos. E quando se é dirigido, defende-se verdadeiramente os seus interesses?

Sr. Daniel Reiner. – Teria sido imaginável que a França não fizesse a operação Chammal?

Gilbert Roger. – Na sua opinião, não evocou a Europa. Tenho o sentimento de que a França está mesmo sozinha, politica e militarmente. De um ponto de vista estratégico, Daech dispõe de imensos recursos, nomeadamente graças a um tráfego de petróleo a céu aberto. Não se está em condições de destruir esta fonte de enriquecimento? Porque é que isso não se faz?

Sr. Robert del Picchia. O senhor general defende o ponto de vista de que para intervir, é necessário primeiro prever tudo. Quid da urgência? Quando há urgência, não há por conseguinte uma intervenção possível?

General Vincent Desportes. – Responderei de maneira sintética ao conjunto destas perguntas.

Primeiro, compreendo o raciocínio do Sr. Gautier. A lógica prosseguida pelo Governo é compreensível. Contudo, esta traduz-se por numerosos efeitos perversos. As opções tácticas são tomadas por defeito, sob fortes constrangimentos orçamentais. Medidas logo à partida pelo mínimo possível, as forças são redimensionadas o mais depressa possível, o que afecta tanto a segurança dos nossos soldados como a eficácia da missão.

Tratando-se do emprego da porta-aviões em OPEX, antes que este entre em indisponibilidade técnica, se este reforço parecer útil, eu não vejo nisso nenhuma objecção, tanto quanto isso não custa demasiado caro e não afecta negativamente os outros orçamentos; não sou um especialista desta questão. Mas a prioridade, do meu ponto de vista, é a de reforçar os meios atribuídos à operação Barkhane.

Para voltarmos à necessidade de não nos envolvermos a não ser que se disponha da capacidade de o fazer em termos do tempo longo, pessoalmente preciso que a operação líbia, no momento do seu lançamento, era segundo penso razoável – parar os tanques em Benghazi, era uma decisão legítima e moral. A deriva veio a seguir: nós não pudemos, nós não soubemos gerir “ o após” da nossa intervenção.

Daniel Reiner. – Não se sabe fazê-lo!

General Vincent Desportes. – Neste caso, paremos! Os nossos exércitos, hoje, são espécies “de Kits ” expedicionários, sem profundidade estratégica; nunca se tem praticamente os meios “para durar” nas operações. Ora nunca há sucesso estratégico no tempo curto! O que a França fez no Mali foi muito bem feito, mas reduzimos demasiado rapidamente os nossos efectivos. Num contexto de meios fortemente limitados, importa concentrar as nossas intervenções e inscrevê-las no tempo longo da guerra. As operações “ir e regressar” permitem atingir resultados de ordem técnica, mas não conduz às soluções políticas necessárias. É a história do mundo!

À atenção do Sr. Bockel: acredito que nos exércitos onde tenho numerosos contactos, a maioria aprova os meus pontos de vista. Acrescento que um problema fundamental dos militares reside no facto de não se poderem exprimir quando vestem o uniforme, porque o vestem, seguidamente também já não podem falar porque tendo deixado o serviço militar se considera que já não são conhecedores dos assuntos sobre os quais teriam podido exprimir-se! Os exércitos constituem hoje o único corpo social da Nação a não dispor de sistema de auto-defesa, digamos, de uma forma de ordem profissional. Assim, por razões ancoradas na história, o corpo dos oficiais, do meu ponto de vista, já não desempenha hoje o papel que é o seu na Nação, frequentemente por excesso de respeito, parece-me. É um assunto à volta do qual valeria a pena reflectir e discutir..

 Jean-Marie Bockel. – Muito bem!

General Vincent Desportes. – Sobre Daech, estou de acordo com o Sr. de Montesquiou: mais esta organização terrorista procurará estender a sua influência territorial, mais ela será fragilizada, mais ela será susceptível de sofrer com os nossos ataques, com os nossos bombardeamentos. Esta escolha do territorialização é a assinatura da morte programada de Daech – Napoleão foi derrotado face a Moscovo! E é assim que Daech morrerá antes de Al-Qaïda. Quanto à questão de atingir duramente os fluxos que asseguram o apoio financeiro de Daech, penso, sem estar a conhecer os detalhes operacionais em causa, que uma parte da dificuldade se deve ao facto de que se atingiria o território de um país amigo.

No Afeganistão, servimos para muito pouca coisa. Pelo contrário, a operação Barkhane é útil e bem dirigida, nós ai dispomos de uma capacidade de direcção e de influência; não é o caso na operação Chammal.

Por fim, para regressarmos à questão da urgência, acredito que somos completamente capazes de agir e de nos projectarmos na urgência quando isso é necessário – soube-se fazê-lo no Mali; mas que a urgência não impeça a reflexão estratégica.

Presidente Jean-Pierre Raffarin. – Obrigado, meu general, pelo conjunto destes elementos, e pela vossa liberdade de palavra e pela vossa abertura ao debate, assim como pela clareza com que expõe as suas convicções.

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  1. Débat en séance publique sur la prolongation de l’opération Chammal en Irak – Audition de M. Hubert Védrine, ancien ministre des Affaires étrangères

  2. Débat en séance publique sur la prolongation de l’opération Chammal en Irak – Audition du Général de division (r) Vincent Desportes, professeur associé à Sciences Po Paris.

Textos disponíveis em:

http://www.senat.fr/compte-rendu-commissions/20141215/etr.html#toc5

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Para ler a Parte II deste depoimento do general Vincent Desportes no Senado Francês, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

REFLEXÕES EM TORNO DO MASSACRE DE PARIS, EM TORNO DO CINISMO DA POLÍTICA OCIDENTAL – SENADO FRANCÊS – COMISSÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, DEFESA E FORÇAS ARMADAS – AUDIÇÃO DO GENERAL VINCENT DESPORTES SOBRE O PROLONGAMENTO DA OPERAÇÃO CHAMMAL NO IRAQUE – II

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