41. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Mentira e barbárie I

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Revisão Flávio Nunes

 

Caderno de Notas de um etnólogo na Grécia – uma análise social diária da crise grega

Uma colectânea de alguns dos textos publicados por Panagiotis Grigoriou

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Quarta-feira, dia 16 de Setembro de 2015

41. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Mentira e barbárie

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Tempo cinzento ensolarado. A campanha eleitoral atinge o ponto mais baixo. “Em Atenas a atmosfera é subtil, de onde vem esta delicadeza de trato dos atenienses”, escrevia Posidonios de Apamée, filósofo estóico grego, há já muitíssimo tempo. Eterna constante no entanto, a meta-democracia dos memorandos e dos impérios, esta tendência trágica do mundo “governado” dita a sua lei.

 

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Atenas, Setembro de 2015

Os Gregos não são trouxas, simplesmente estão resignados. A armadilha fechou-se novamente sobre eles e sobre a sua última esperança. Fabricá-la de novo… levará então algum tempo, talvez não tão pouco como isso. Através destas eleições onde os resultados se apresentam como antecipadamente adquiridos e onde, em face da “vitória” provável de Alexis Tsipras, a Comissão Europeia se diz então “serena” e em que apela de maneira mal dissimulada, que se vote em SYRIZA. A exemplo de Pierre Laurent, aliás, o secretário nacional do PCF.
Este último, contrariamente ao nosso filósofo de Apamée, teria preferido trair a sua seita de estoicos em vez da verdade. Sexta esquerda do muito Baixo-Império europeísta, muito rapidamente varrida da história porque inútil, o seu (segundo) papel muito positivo no habituar à crueldade (social-democracia tendo já encarnado todo o primeiro papel) estará a acabar, tempos cinzentos. Daí, sem dúvida, este (ligeiro) reposicionamento de Jean-Luc Mélenchon, quando este se apresenta às vezes como interlocutor dos Lafazanistas da Unidade popular, e às vezes quando assina com Stefano Fassina, Zoe Konstantopoúlou, Oskar Lafontaine e Yanis Varoufákis, o seu famoso texto comum: “Para um plano B em Europa”

Sobre o betume ateniense descobrem-se paredes meias, brochuras SYRIZA rasgadas, folhetos dos homens da Aurora Dourada neonazis comprovados, esta vez emanando dos bairros ricos da neocolónia europeísta recorrente “Dizer NÃO ao memorando da Esquerda” e brochuras publicitárias em que se convidam os eleitores “a refazerem o quarto de banho por somente EUR 2200,00”. Ao mesmo momento, entre SYRIZA e a União popular, a batalha está desencadeada, para assim mostrar que cada uma das duas formações outrora reunidas sob o teto Syrizista finalmente demasiado aberto, beneficia muito ostensivamente do apoio de tal grupo ou de tal secção do partido da esquerda através da Europa.

 

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Brochura SYRIZA rasgada. Atenas, Setembro de 2015.

 

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Folhetos de Aurora Dourada: “Dizer NÃO ao memorando da Esquerda ”, Atenas, Setembro de 2015

 

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Lugar de distribuição de folhetos da Aurora Dourada e também nos bairros ricos de Atenas. Setembro de 2015

A Unidade popular, beneficia por exemplo do apoio do economista e deputado Andaluz de Podemos, Jesús Rodríguez, ou ainda, da secção de Die Linke da Renânia do Norte – Westphalie. SYRIZA do seu lado, anuncia que tem o apoio de Gabi Zimmer de Die Linke, está anuncia esta está à frente de um grupo confederal da Esquerda unitária europeia/Esquerda verde nórdica (GUE/NGL) no Parlamento europeu, tal como de Ska Keller, membro de Alliance 90/Os Verdes, deputada europeia desde 2009, esta foi conjuntamente com o fFrancês José Bové – a candidata do Partido Verde europeu à presidência da Comissão europeia em 2014. Aí está para… as recomendações.

Estes apoios passam evidentemente largamente despercebidos, e referem-se realmente apenas a um punhado de militantes, e ainda. A época do momento torna-se, na realidade, bem grave e de tal forma que todos estes apoios já não pesam grande coisa aos olhos da opinião, não porque não são sinceros, mas sobretudo, porque ilustram uma maneira de fazer a política que pertence ao tempo de outrora das democracias ocidentais, sobretudo agora que o financeirismo europeísta e outro, não tenham mais nada a fazer desta heresia , herdada desde há séculos e das lutas populares de outrora.

Mais perto às vezes do nosso lapso de tempos histórico do que as nossas tartarugas e outros testudineos da esquerda na Europa, os responsáveis do Centro médico metropolitano e solidário de Ellinikón perto de Atenas, não irão receber o prémio “Primeiro Cidadão”, recentemente concedido pelo Parlamento europeu.

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Praça de Atenas, Setembro de 2015

 

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Testudíneo, Atenas Setembro de 2015

 

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O NÃO vencerá. Cartaz da Unidade Popular, Atenas, Setembro de 2015.

 

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Alexis Tsipras – Nós conquistaremos o amanhã. Atenas, Setembro de 2015.

“Salvo que para os médicos e para os voluntários do Centro Solidário de Ellinikón, o dia de amanhã é já a morte conjugada no presente.”

“O Parlamento Europeu decidiu atribuir ao Centro Solidário de Ellinikón, o “Prémio do Cidadão europeu” para 2015, em reconhecimento da luta que efectuámos desde há quase 4 anos, em benefício dos abandonados pelo Estado oficial, desempregados, doentes sem cobertura de Segurança Social, para enfim , ajudar a construir uma sociedade melhor. Esta luta, contudo, foi tão necessária porque, precisamente, as políticas aplicadas e que as que se continuam a aplicar no nosso país, são o resultado direto das pressões e das chantagens exercidas pelo Fundo monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeu (BCE) e pela União europeia (UE), o que conduziu a excluir do sistema da saúde, mais de três milhões de cidadãos, desempregados, sem abrigo e pobres”.

A Europa para nós, como para a maior parte dos Gregos, poderia ser a nossa casa. Evocamos esta Europa dos povos, da compreensão mútua e da solidariedade. Desejamos mesmo realizar esta Europa que procuramos. Mas é com tristeza e muita dor que vemos esta Europa perdida nos mecanismos da burocracia, nos dos juros, nos dos financeiros e dos bancos. É então que com muita pena constatamos de quanto a prioridade desta Europa, é sobretudo a de encontrar milhares de milhões de euros para os bancos privados, enquanto exerce pressões de modo que a redução das despesas do sistema nacional de saúde na Grécia, já vai em mais de 50% relativamente ao orçamento de 2009, se venha em breve ainda a tornar mais importante”. “De acordo com os dados do Instituto “Prolepsis”, o empobrecimento massivo da maior parte do povo grego já conduziu a uma tragédia: 6 de cada 10 alunos em 64 escolas de Atenas encontram-se numa situação de insegurança alimentar. 61% Dos alunos das mesmas escolas, têm já um familiar desempregado, enquanto para 17% das famílias, nenhum familiar tem emprego. Cerca de 11% das crianças não têm cobertura da Segurança Social, e 7% de entre elas, viveram sem eletricidade durante mais de uma semana durante o ano 2014, por último, para 3% das crianças, continuam ainda a viver sem eletricidade. 406 Escolas através de toda a Grécia receberam uma ajuda em 2014 para alimentar 61.876 alunos. 1.053 Escolas solicitaram este ano esta ajuda, a fim de beneficiar do programa “Alimentação”, e assim poderem alimentar os seus 152.397 alunos. Hoje, apenas 15.520 alunos de 150 escola beneficiam deste programa”.
“42 727 Questionários foram respondidos pelos pais em 23 distritos através do país e deles decorre que 54% das famílias são confrontados com a situação de insegurança alimentar, 21% de entre elas, simplesmente defrontam-se com a situação de fome. De acordo com um estudo do Serviço do Orçamento do Estado do Parlamento, 3,8 milhões de Gregos têm rendimentos próximos do limiar de pobreza (432 euros por mês e por pessoa) enquanto 2,5 milhões de Gregos vivem debaixo do limiar de pobreza (233 euros por mês e por pessoa, o que significa com efeito uma situação de extrema pobreza). Em suma, 58% da população grega, cerca de 6,3 milhões de pessoas, vivem na proximidade ou abaixo do limiar de pobreza”.
“Esta Europa então que nos quer recompensar, parece não se sentir de modo nenhum embaraçada em face de todas estas verdades nem em face já aos milhares de mortes nossos concidadãos excluídos do sistema de saúde. Estes falecimentos farão então em breve um efeito de bola de neve, dado que o memorando III assinado pelo governo, impõe reduções suplementares para o Sistema de Saúde, de 933 milhões de euros numa primeira fase”.
“Seria hipócrita da nossa parte receber este prémio quando esta Europa fecha os olhos face aos lactentes que sofrem de desnutrição, face aos doentes atingidos de cancro já mortos, face ao olhar cheio de desespero dos doentes que sofrem, das mães que nos contam as suas histórias terríveis quanto ao abandono de que as suas famílias são vítimas, vivendo sem eletricidade, sem água corrente e com um mínimo de alimentos para mais um ano ”
“A palavra do nosso médico e que nos representa, Yórgos Vichas é clara: “os milhares de mortes entre os nossos doentes não cobertos pela Segurança Social ou então destes que respiram à nossa volta, olham-nos todos de olhos nos molhos e consequentemente, (eles) não nos permitem aceitar este prémio”. Não viramos as costas à Europa, nem aos povos europeus que connosco têm sido solidários de uma forma impressionante!”

“Devemos em contrapartida virar as costas aos políticos e às instituições, como o Parlamento, que durante muito tempo apenas consideraram as vidas humanas como sendo simples unidades contabilísticas. Esta maneira de ver e de agir constitui desde há mais de cinco anos, uma vergonha para a cultura europeia. A verdade é que esta barbárie deve ser parada imediatamente.

 

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Alexis Tsipras devant os efeitos do Memorando III. “Quotidien des Rédacteurs”, 12 de Setembro.

 

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Campanha eleitoral. “Quotidien des Rédacteurs”, 15 Setembro

(continua)

Uma colectânea de alguns dos textos publicados por Panagiotis Grigoriou
Tradução Júlio Marques Mota
Revisão Flávio Nunes
Texto original publicado pelo sítio greek crisis
Panagiotis Grigoriou, Carnet de notes d’un ethnologue en Grèce, une analyse sociale journalière de la crise grecque. Texto disponível no site greekcrisis, cujo endereço é: http://www.greekcrisis.fr/

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