A MOEDA ÚNICA A VALORIZAR-SE ASSUSTA A EUROPA DO SUL MAS NÃO A ALEMANHA – por MARCELLO DE SECCO

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota. Revisão de Joaquim Feio.

 

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Nota de introdução  a esta pequena série de homenagem a Marcello De Cecco

Com este texto terminamos esta série dedicada à memória de Marcello De Cecco. A concluí-la, o blog A Viagem dos Argonautas e eu próprio não podemos  deixar de agradecer a contribuição para esta edição de, por ordem de proximidade,  Joaquim Feio que além de me sugerir implicitamente esta homenagem tem sido o revisor atento de todos estes textos, de  Domenico Mario Nuti que se esforçou por encontrar a versão certa destes texto, da família de Marcello De Cecco que intercedeu junto de “La Repubblica” para que nos disponibilizasse a versão original de arquivo,  deste texto uma vez que na versão disponibilizada ao público pela Internet  estava “truncada” e, por fim, ao jornal “La Repubblica” que, além de autorizar esta  edição, nos forneceu uma outra série  de  textos que mais tarde poderemos editar.

A todos, o nosso reconhecimento.

 

 

A moeda única a valorizar-se assusta a Europa do Sul mas não a  Alemanha

A economia alemã estruturou-se com fortes deslocalizações para países exteriores à Zona Euro e sai favorecida com o  baixo custo do dinheiro.  A França muda de posição à procura de novos equilíbrios  mas está agora com Berlim

 

Marcello De Cecco, La moneta unica che sale fa paura all’Europa del sud ma non alla Germania

La Repubblica, 17 de Março de 2014

Marcello Secco - III

 

A morte iminente do dólar como moeda de reserva foi anunciada, digo-o por experiência pessoal, nos últimos cinquenta anos. Enquanto isso, o dólar teve fases de subida e descida, em termos de outras moedas importantes, mas permaneceu firmemente no centro do sistema monetário internacional, embora esteja agora cercado por um punhado de grandes planetas. As relações entre estes e o o tradicional sistema solar  tornaram-se complicadas  e certamente cada um deles é capaz de perturbar violentamente  a paz no mesmo sistema ou até  mesmo ofuscar temporariamente o dólar.

Mas daqui se percebe que se vê bem  quem é o motor principal quando o Fed se lança numa  mudança de política, verdadeira ou apenas  anunciada. As flutuações no sistema, a partir do centro, podem atingir primeiro os planetas maiores e depois os corpos menos importantes, as moedas dos países emergentes, por exemplo, ou até mesmo atingir  primeiramente a periferia e em seguida, o semi-centro, como aconteceu nos últimos seis meses. Tudo isso acontece por causa das decisões estratégicas dos gestores de fundos de curto prazo, que tentam colocá-los onde eles pensam que vão render mais nos próximos meses. O equilíbrio do sistema tem sido assim perturbado desde Maio do ano passado e a partir dos anúncios e das decisões do Fed sobre a continuação ou a redução gradual das compras de títulos financeiros pela parte dos bancos . A redução de 85 a 75 mil milhões por mês está feita e as suas consequências foram pesadas.

Foi assim, em primeiro lugar, nos Estados Unidos, cuja recuperação económica perdeu muito da sua dinâmica, mas também nos países emergentes, onde os fundos de curto prazo tinham sido colocados como resultado de anos de política dos EUA em  compras directas de títulos, para dar liquidez aos mercados, quando a taxa de juros de curto prazo atingiu o nível zero. O dinheiro começou a deslocar-se a partir desses países para os países do semi-centro, na Europa, por exemplo, levando num curto espaço de tempo as cotações à alta e diminuindo fortemente os spreads entre os títulos dos países economicamente fortes e os dos países fracos. As taxas diminuíram em ambas as categorias de títulos, mas talvez as dos países do centro tenham descido mais do que  cresceram as dos países fracos da  periferia da  União Monetária. Acima de tudo, o euro fortaleceu-se contra o dólar e o iene, atingindo níveis não observados desde há alguns anos. Com a taxa de câmbio relativamente ao dólar a 1,40 e relativamente ao iene a 140, os  níveis atingidos nos últimos dias,  foi criada uma contradição perigosa no seio da União, que deve mesmo vir a ter mais  efeitos do que os que já se verificaram,  entre os interesses da economia alemã e os das economias periféricas da UEM. A Alemanha anunciou que atingiu, pela primeira vez desde 1969, o equilíbrio das contas públicas e um défice orçamental igual a zero. Os países periféricos estão bastante longe desse nível, de modo que as suas dívidas públicas continuam a aumentar em termos absolutos, e assim continuarão a estar, levando ao crescimento  da relação   défice /PIB.  Mas, coisa ainda mais importante, torna-se cada vez mais elevada a capacidade da Alemanha tolerar uma taxa de câmbio elevada do euro e mesmo para dela poder estar a beneficiar. Na verdade, a estratégia agora plurianual da Alemanha tem sido a de estar a deslocalizar  parte da produção alemã  para os países da Europa central, geograficamente perto e ainda por cima com moedas  independentes do euro  e a comportarem-se da mesma forma que o fizeram os países emergentes,  depreciando a sua moeda perante a fuga de capitais, o que, resumindo, tem como resultado que os alemães compram peças e componentes para os seus produtos sofisticados nos países satélites da Europa Central, a preços cada vez mais baixos. Já há algum tempo a tendência da indústria alemã para incorporar quantidades crescentes de peças importadas nos seus produtos foi criticada por aqueles que, como Werner Sinn, chamam à economia do seu país  uma “economia de bazar”. Desde então, a tendência tornou-se ainda mais pronunciada. O contraste com as indústrias dos países do sul da Europa que não têm deslocalizado do mesmo modo, um pouco “por falta de arejamento  industrial, um pouco” porque eles próprios produzem peças  para as indústrias alemãs, tornou-se estridente. Esta situação induz à existência de tomadas de posição opostas dos vários países nos organismos da UE e do BCE. Estas diferenças de posição  seriam mais pronunciadas se a França se empenhasse em conjunto  com a posição dos países do sul da Europa. . Mas a França, apesar de ficar economicamente prejudicada por um euro alto,  exporta   bens de alta tecnologia incorporada e não está em concorrência contra a Mitteleuropa que fornece a Alemanha (embora nas regiões fronteiriças entre a Alemanha e a França, existe uma integração do mesmo tipo) . Além disso, o euro forte significa a capacidade alemã de  financiar as suas exportações a preços muito baixos, e isso, a exportação de produtos custosos  como, por exemplo,  instalações industriais de chave na mão  ou  de bens de capital complexos, tem uma importância vital para a competitividade. Finalmente, um euro alto significa preços baixos de matérias-primas e produtos agrícolas importados e isso mantém os preços e salários em  euros. Se a França se alinhasse com os países do Sul para reivindicar um euro mais baixo, a força relativa da Alemanha e dos seus satélites nas discussões  comunitárias ou do BCE seria muito menor. Mas a França também tem de proteger os seus próprios interesses, ou seja, as razões pelas quais alinha ao lado da Alemanha, pois isto significa que os bancos franceses e o Estado francês podem financiar-se com vantagem nos mercados internacionais. Deste modo, se explica a aquiescência francesa para com os alemães nas instâncias mencionadas. A situação de uma certa prostração da economia francesa leva-nos a acreditar que esta posição não irá mudar no futuro. Em suma, estamos condenados a um euro forte. Assim, os nossos exportadores têm de lidar com a concorrência de países com uma moeda fraca e uma indústria forte, como o Japão, os EUA, a Coreia do Sul e a China, ou  de moeda forte como a Alemanha, mas também com países em que a sua competitividade nas mercadorias se encontra renovada como é o caso dos países  recém-industrializados como a Turquia e o Brasil. É claro que, no que diz respeito à Itália, se o governo consegue fazer arrancar a procura interna, as empresas que exportam e vendem também na Itália, poderão ganhar um pouco mais de competitividade  e ficarem depois  mais fortes nos  mercados estrangeiros. Neste cenário futuro também paira a sombra de problemas financeiros em países importantes como a China. Todos os países olham para o que está a acontecer no sistema financeiro chinês com uma certa ansiedade. Uma perturbação grave pode levar a uma fuga de capitais chineses para  o exterior e uma desaceleração no programa de compras de títulos pelo Estado chinês em todos os mercados do mundo, onde se tornaram os primeiros operadores. Bem fez a imprensa americana em ter noticiado nos últimos dias que as autoridades chinesas permitiram que os títulos de crédito sobre  um fabricante chinês de painéis solares entrassem  em incumprimento sem que as autoridades interviessem  para salvar este industrial.  É a primeira vez que isso acontece e os dias negros foram evocados quando se comparou este caso  com o de  Lehman Brothers. Uma vez que as autoridades decidiram remover dos mercados a segurança quanto à solvabilidade dos emissores chineses, abre-se o caminho, no futuro, para um  comportamento de desconfiança absoluta por parte das finanças internacionais que pode ser rapidamente  transposto para todos os mercados.

Marcello Secco - V

Marcello Secco - VI

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Ver o original em:

http://www.repubblica.it/economia/affari-e-finanza/2014/03/17/news/la_moneta_unica_che_sale_fa_paura_alleuropa_del_sud_ma_non_alla_germania-81175599/

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