A UBERIZAÇÃO DA EUROPA VISTA ATRAVÉS DAS LEIS DO TRABALHO IMPOSTAS EM FRANÇA E NA ITÁLIA – 3. A LEI EL KHOMRI OU COMO SE PODE ACABAR COM O CÓDIGO DO TRABALHO – ECONOMISTAS ATERRADOS – II

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

introdução

A lei El Khomri ou como se pode acabar com o Código do Trabalho

logo - II

Les Économistes Atterrés, La loi El Khomri ou comment en finir avec le Code du travail

25 de Fevereiro de 2016

(conclusão)

Enquadrar os poderes do juiz

O enquadramento do poder do juiz é outra mudança essencial trazida pelo projecto de lei. Em conformidade com as exigências do patronato, as indemnizações que poderão ser atribuídas pelos prud’ homens no caso de despedimentos abusivos serão sujeitas a um valor máximo, um valor limite. Até agora, o assalariado era protegido: no caso de falta reconhecida, o juiz podia pronunciar uma indemnização que compensa a totalidade do prejuízo sofrido. O projecto de lei inverte a relação de força. É o empregador doravante que “será protegido”, mesmo no caso de despedimento abusivo. Uma indemnização à cabeça devida pelo empregador em função da antiguidade do assalariado é agora fixada neste projecto:

– antiguidade inferior a 2 anos: 3 meses de salário ;

– entre 2 e 5 anos: 6 meses de salário;

– entre 5 e 10 anos: 9 meses de salário;

– entre 10 e 20 anos: 12 meses de salário;

– pelo menos 20 anos: 15 meses de salário.

Os valores limites agora pretendidos são notoriamente inferiores aos níveis normalmente aceites hoje. Mesmo a ruptura convencional que era já uma vantagem concedida ao empregador será afectada, porque este  estará em posição de força para diminuir o nível de indemnização à taxa de referência do Tribunal do trabalho. Isso vai incentivar as empresas a praticar a violação ‘eficiente’: torna-se economicamente vantajoso violar a lei, por exemplo, para demitir um sindicalista sob pretexto de despedimento económico uma vez que o custo da infracção é limitado…

Por fim, o conceito de despedimento económico é especificado no artigo 30-bis. Será legítimo na sequência da ” baixa do volume de encomendas ou do volume de vendas” se ocorre durante “vários trimestres consecutivos”, na sequência de “resultados de exploração negativos durante vários meses”, na sequência de “uma degradação significativa da tesouraria”, mas também na sequência de “mudanças tecnológicas” ou até mesmo de uma “reorganização necessária da empresa para salvaguardar a sua competitividade”. As dificuldades económicas de uma empresa pertencente a um grupo serão estimadas numa base nacional, de modo que a um grupo internacional próspero será sempre legítimo demitir funcionários de uma empresa francesa.

Assim, a reforma faz incidir todo o risco financeiro sobre os assalariados. Isso levanta a questão de se saber, nestas condições, o que justifica ainda que os detentores do capital obtenham lucros, uma vez que a justificação usual do lucro decorre da tomada de risco do empresário. Agora não devemos nós criar um prémio de risco para os assalariados?

Estamos aqui na situação oposta à dos ingredientes do “milagre” do bom comportamento do emprego na Alemanha durante a recessão de 2009-2010. Este comportamento do emprego  não é explicado pelas leis Hartz que precarizaram largamente os postos de trabalho, promovendo o desenvolvimento recente dos mini-jobs nos serviços. Isso explica-se muito mais pelo facto de que as empresas do sector industrial que viram os seus livros de encomendas a ficarem vazios tenham apostado na flexibilidade interna, privilegiando a redução do tempo de trabalho e o uso do desemprego em part-time para manterem a sua força de trabalho. Isto permitiu-lhes estarem prontos para responder sem demora à retoma do sector dos bens exportáveis. E assim, o desemprego praticamente não aumentou.

De acordo com os autores do texto, trata-se de eliminar qualquer incerteza para os empregadores sobre os custos do despedimento. Isto deveria aumentar maciçamente o emprego. No entanto, os estudos empíricos não defendem essas medidas (ver nota Anne Eydoux e Anne Fretel: «Réformes du marché du travail: des réformes contre l’emploi »[2]).. Isto é o que nos faz lembrar o Conselho de Análise Económica (CAE) numa síntese recente (Abril de 2015) sobre os trabalhos teóricos e empíricos existentes sobre o assunto: “não há nenhuma correlação entre o nível de protecção do emprego e a taxa de desemprego”.

Reforçar os direitos dos activos em vez de os diminuir

A inspiração do projecto de lei é puramente neoliberal: trata-se de destruir o modelo social sob o pretexto de melhorar a economia. Inscreve-se em linha recta na via seguida pela França desde há três décadas e que apenas tem levado ao aumento da precariedade sem que os números do desemprego tenham deixado de estar a aumentar. Este projecto é baseado na crença sem nenhuma base empírica, de que o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores leva mecanicamente ao aumento do número de postos de trabalho. Ele projecto de lei vira as costas ao envolvimento dos trabalhadores na gestão das empresas, que é um elemento-chave do “modelo alemão”, tão vangloriado. Parte-se do postulado que a única competitividade que vale é a competitividade pela via dos preços e que esta última só pode ser alcançada pela flexibilidade dos salários e do emprego. O projecto de lei  propõe como horizonte económico único a concorrência pela  descida dos preços. Esta legislação cede a todas as pretensões dos empregadores esperando que este tenha a bondade suficiente para investir em França, como se a única determinante do investimento seja a flexibilidade de custos e da mão-de-obra, como se a qualidade das infraestruturas e o estado da carteira de encomendas não tenha nada a ver com isto.

Criando uma forte incerteza sobre a estabilidade dos postos de trabalho, colocando uma enorme pressão sobre os níveis salariais, o texto é susceptível de agravar o problema da insuficiência da procura, que a crise financeira e depois as políticas de austeridade aumentaram em França e na Europa

Quer se trate dos direitos individuais (como estipulados no contrato de trabalho) ou dos direitos colectivos (tais como conselhos de empresa), os direitos dos assalariados devem hoje ser melhorados. As empresas dinâmicas, económicas em recursos materiais, inovadoras, viradas para uma produção socialmente útil são quase impossíveis se os assalariados tanto individualmente como colectivamente, não são apoiados nestas actividades, se não lhes é dada uma autonomia real e se a sua iniciativa não é realmente  lançada nem encarada como um factor de dinamismo. O contrato a tempo indeterminado deve tornar-se novamente uma referência partilhada. É o símbolo do investimento necessário das empresas nos seus assalariados como dos assalariados na sua respectiva empresa. Este tipo de contrato favorece a inclusão dos assalariados nos colectivos de trabalho e a inclusão destes no longo prazo. Ajuda a manter o consumo e investimento. Os postos de trabalho devem ser assegurados, limitando-se a utilização de postos de trabalho atípicos para situações excepcionais, colectivamente negociadas e bem definidas. Não é com os empregados precários e descartáveis que as empresas podem desenvolver boas práticas e serem competitivas. Da mesma forma, deve ser muito fortemente limitado o recurso à subcontratação, que fragmenta o trabalho e faz com que alguns assalariados trabalhem em condições indignas em termos de estatuto, de carreiras, de horários de trabalho e, às vezes,  até de segurança.

As empresas devem ter a preocupação da promoção de todos os seus empregados. Em particular, cabe-lhe limitar os empregos extenuantes e implementar a criação de evoluções de carreira, garantindo que um trabalhador ocupe esses empregos só durante um número limitado de anos. A saúde no trabalho, tal como a adaptação dos funcionários em mudança técnica, deve tornar-se uma preocupação fundamental das empresas. Os sindicatos devem exigir que estes tópicos estejam inscritos nos acordos de empresa. Que as empresas em causa se preocupem então em manter e desenvolver as competências dos seus assalariados, ao invés de os explorar ao máximo, dispostos mesmo a enviá-los para o desemprego, quando se tornam menos eficazes, é um elemento da competitividade geral da nação.

Todos os activos devem ser protegidos por uma verdadeira “segurança no emprego”, que garanta que os seus direitos sociais são mantidos quando eles mudam de empresa ou quando sofrem de uma situação de desemprego.

A erosão do salário pela Uberização ou pelo estatuto de empresário independente concebido como o reporte dos riscos sobre o prestador do serviço em vez de lhe darem mais garantias por convenções colectivas, deve ser combatida. Convém integrar estas novas formas de trabalho na protecção do direito ao trabalho, para socializar a protecção desses trabalhadores que são, na verdade, falsos condutores independentes. Quanto às formas de actividade flexíveis e intermitentes, como elas existem já, em especial no mundo da cultura e do entretenimento, devem ser socialmente melhor organizadas. É necessário, por meio de percursos individuais, proteger o acesso aos benefícios sociais (doença, passagem à reforma, desemprego…) e para isso definir formas adequadas de cotização e de tributação das pessoas e instituições destas actividades.

Em vez de um catálogo de medidas nostálgicas de um tempo em que o trabalho era pouco ou nada protegido, uma tal ambição pode e deve ser uma dimensão importante de um código reformado para responder às necessidades de hoje. Ao optar por se concentrarem nos ataques ao direito existente em vez de procurar responder aos desafios que surgem hoje, este projecto lei revela o que ele é: uma série de medidas regressivas e de regresso ao passado.

Economistas Aterrados, La loi El Khomri ou comment en finir avec le Code du travail. Texto disponível em:

http://atterres.org/sites/default/files/Loi%20El%20Khomri%20VersionEA-24f%C3%A9vrier..pdf

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[2] Nota de os «Économistes atterrés», 30 de Janeiro de 2016.

[3] CAE (2015), Protection de l’emploi, emploi et chômageFocus, n°003.

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Para ler a Parte I deste trabalho dos Economistas Aterrados, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

A UBERIZAÇÃO DA EUROPA VISTA ATRAVÉS DAS LEIS DO TRABALHO IMPOSTAS EM FRANÇA E NA ITÁLIA – 3. A LEI EL KHOMRI OU COMO SE PODE ACABAR COM O CÓDIGO DO TRABALHO – ECONOMISTAS ATERRADOS – I

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