ISLÂNDIA, PORTUGAL: SECESSÃO SEM GUERRA. DOIS PAÍSES APLICAM o MÉTODO BARTLEBY FACE À UNIÃO EUROPEIA – por JÉRÔME LEROY

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Islândia, Portugal: secessão sem guerra

Dois países aplicam o método Bartleby face à l’UE

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Jérôme LeroyEscritor e redactor- chefe da revista Causeur, Islande, Portugal: sécessions sans guerre. Deux pays appliquent la méthode Bartleby face à l’UE

Revista Causeur.fr, 5 de Maio de 2016

Em Reykjavik, finalmente decidiu-se não entrar na União Europeia nem no euro. Em Lisboa, permanece-se numa e no outro, mas através da aplicação muito moderada de políticas económicas totalmente heterodoxas.

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(Photo : SIPA.00715918_000021)

 

Há, segundo o falecido Michel Delpech, trinta maneiras de deixar uma namorada. Pode-se pensar que há igualmente outras tantas maneiras, hoje, de sair da União Europeia ou de  tentar fazê-lo porque esta perdeu muito do seu encanto, de  jovem mulher  bela como a paz, que se transformou em virago livre-cambista paradoxalmente coberta de novos rolos de arame farpado. Pode-se, com ela, fazer tudo o que se  quiser mas sem disso fazer alarde . A discrição não é mediática e dois países, a Islândia e Portugal,  que em nada parece terem em comum, a não ser a presença no mesmo grupo para o Euro 2016 (fala-se aqui de futebol, não de dinheiro), disso se aproveitam para aplicar, cada um à sua maneira, o que poderíamos chamar de tácticas de Bartleby. – Recordemos aqui que esta personagem de Melville decide uma bela manhã, sempre que se lhe pedia alguma coisa, responder pela fórmula “Eu preferiria não”.

Para a Islândia, é “ eu preferiria não entrar na União europeia”. É um pouco vexante  para Bruxelas, esta história islandesa. Aí está um país que se apresenta com uma saúde económica insolente: um crescimento 4 % em 2015 puxado pelo consumo das famílias, investimentos em aumento de 18,6 % e uma taxa de desemprego 2,8 %. Como para preservar estes excelentes resultados, os Islandeses desde Março de 2015 retiraram oficialmente o seu pedido de adesão apresentado em 2009 e é o Primeiro-ministro Gunnlaugsson que pressionava em Novembro do mesmo ano: “Não teríamos podido sair da crise se tivéssemos sido membro da União europeia”, declarou ele, acrescentando “se toda as nossas dívidas tivessem sido emitidas em euros, e se tivéssemos sido obrigados a fazer a mesma coisa que a Irlanda ou a Grécia e tomar a responsabilidade das dívidas dos bancos em falência, isso teria sido catastrófico para nós sobre o plano económico. “ A que é que se referia por conseguinte o Primeiro ministro? Ao facto que a Islândia não produz somente bela cerveja loura e autores de novelas pretos que se vendem aos milhões de exemplares no mundo mas também, no momento, mas também revoluções.

Aliás a Islândia apronta-se, nestes tempos, para conhecer uma sequência do Panamá Papers que mancharam Gunnlaugsson, o seu governo e mesmo a presidente. Anunciam-se eleições antecipadas e o Partido pirata, abertamente libertário, dispara e pelas sondagens tem cerca de 43%. Mas voltemos aquela que foi chamada a “a revolução dos tachos”, consecutiva à crise financeira de 2008, que atingiu com uma brutalidade extrema a Islândia no entanto considerada, antes deste desastre, como o protótipo da economia financeirizada com um sector bancário hipertrofiado, nomeadamente via o banco Landsbanki e a sua sucursal em linha Icesave. Quando tudo se afunda, numa primeira fase o governo aceita o plano do FMI e os Islandeses ficam pois perante uma dívida insustentável, de 13 000 euros per capita devido a Icesave, além dos reembolsos já previstos pelo FMI. Como está fora de questão para estes Vikings pagarem pelas faltas dos seus banqueiros, dizem não em dois referendos, manifestam-se violentamente e por fim expulsam manu militari um governo demasiado acomodado com os credores britânicos e holandeses de Icesave. De passagem, põe-se em prática o controlo dos capitais, desvaloriza-se e condena-se banqueiros a multas de prisão firme. Excessivo talvez, mas é necessário dizer que os Islandeses além disso tinham apreciado muito pouco o terem sido colocados por Gordon Brown como um dos países da lista dos Estados terroristas assim como a Coreia do Norte ou o Sudão. Por fim, a esquerda ganha as eleições, proclama uma assembleia constituinte e anula a dívida. Apesar da mudança de maioria nas eleições seguintes, a dívida não será reembolsada pelos Islandeses e a Islândia ganhará de resto o processo intentado pelos seus credores junto do tribunal da EFTA (Associação europeia de comércio livre), no dia 28 de Janeiro de 2013. Compreende-se melhor, de imediato que os Islandeses “preferem não” ter conhecido o destino que humilha a Grécia posta sob tutela

Portugal, este, está na União Europeia, mas aparentemente deve ter cortado as suas linhas telefónicas com Bruxelas. Em Outubro 2015, mais ou menos no momento em que o Primeiro ministro islandês se mostra-se assim tão desagradável, os Portugueses votam em eleições legislativas. Considera-se que são muito gentis, os Portugueses, se são comparados com os gregos, neste momento. Verdadeiras crianças exemplares, embriagados com a moeda única e a austeridade, não como os preguiçosos de Atenas. Aceitaram as reformas levadas ao extremo, a redução do salário mínimo, as privatizações, o alongamento da duração de trabalho. Por fim, e em síntese, o arsenal habitual encarregado de reduzir os défices estrangulando o consumo, o que até mesmo o FMI começa a considerar bastante absurdo dado que a situação económica não melhora apesar dos sacrifícios da população. Mas. enfim, do lado de Bruxelas, está-se confiante. O ex-Primeiro-ministro, de direita, Pedro Passos Coelho, está bem colocado nas sondagens mesmo se perde pontos enquanto o socialista Antonio Costa, este, faz campanha ao centro. Não há extrema-direita e a esquerda radical é dividida em duas forças iguais, o Bloco de esquerda e a CDU, uma aliança entre o partido comunista e os ecologistas. Do lado de Bruxelas, diz-se que a questão está no saco: a direita chega à cabeça com 102 sedes, o PS segue com 86 enquanto os dois partidos de esquerda totalizam 36. Suspira-se de alívio do lado da Comissão. Passos Coelho vai poder prosseguir a sua política, eventualmente numa grande coligação com o PS. Salvo que do lado do PS de António Costa, e contrariamente ao SPD que se tinha encontrado na mesma situação face a Merkel, fazem-se as contas: há uma maioria de esquerda alternativa e é finalmente António Costa que se torna o Primeiro- ministro, beneficiando do apoio sem participação da esquerda radical. Um pouco como se, na Alemanha, o SPD tivesse beneficiado do apoio dos Verdes e de Die Linke para impedir Merkel de ser uma mais uma vez a chanceler.

Numa espécie de mistificação típica dos altos funcionários europeus, Pierre Moscovici, Comissário para os Assuntos económicos, anuncia no princípio de Março, antes da votação do primeiro orçamento do novo governo português: “Nós não damos lições a ninguém e não nos intrometemos indevidamente nas políticas nacionais, mas prodigalizamos conselhos. ” É que a nova política portuguesa tem substantivamente matéria que faz tremer a ortodoxia de Bruxelas: paralisação do processo de privatizações, regresso às trinta e cinco horas, baixa dos impostos para as famílias de rendimentos mais modestos, aumento do salário mínimo previsto para chegar aos 600 euros no final da legislatura. Bruxelas desagrada-se, os mercados financeiros também mas António Costa sobretudo manobra muito bem : evita o pesadelo “da pasokização ” do seu partido (o PS grego desapareceu dos écrans radares devido à sua participação nas coligações austeritárias) mas não faz figura de fanfarrão.

É que ele sabe, sem dúvida, como o seu homólogo islandês, que ser uma nação pequena e periférica tem um lado bom e que pela parte de Bruxelas, não se pode permitir um segundo episódio grego, dada a urgência da situação, enquanto Schengen implode com a crise dos migrantes e que um Brexit é sempre possível. Em suma, quando um contexto histórico favorável se conjuga com a vontade política, a UE depara-se com novas formas de secessões moderadas dos países “que prefeririam não”.

Jérôme Leroy, Revista Causeur, Islande, Portugal: sécessions sans guerre- Deux pays appliquent la méthode Bartleby face à l’UE. Texto  disponível em : http://www.causeur.fr/islande-portugal-europe-panama-papers-38070.html

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