O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – II

refugiados - I

Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota 

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Porque é que os árabes não nos querem na Síria

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Robert F. Kennedy, Jr., Why the Arabs Don’t Want Us in Syria,

Politico Magazine, 22 de Fevereiro de 2016

(continuação)

Dois anos antes, Roosevelt e Stone tinham organizado um golpe de Estado no Irão contra o presidente democraticamente eleito Mohammed Mossadegh, depois de que este ter tentado renegociar os termos dos contratos injustos que o Irão tinha assinado com o o gigante petrolífero britânico, a Companhia Petrolífera AngloIraniana (hoje BP). Mossadegh, o primeiro líder eleito em 4.000 anos de história iraniana, era um popular defensor da democracia no mundo em vias de desenvolvimento. Mossadegh tinha expulso todos os diplomatas britânicos depois da descoberta de uma tentativa de golpe de Estado que emanava de agentes da informação do Reino Unido que trabalhavam de mãos dadas com a BP. Mossadegh, todavia, cometeu o erro fatal de se opor aos pedidos dos seus conselheiros que defendiam que se expulsasse igualmente a CIA que, como eles suspeitavam e com razão, era cúmplice da conspiração britânica. Mossadegh tinha uma visão idealista dos Estados Unidos como modelo para a nova democracia iraniana, incapaz de tais falsidades. Apesar das pressões de Dulles, o presidente Harry Truman tinha proibido à CIA que se juntasse aos conspiradores para derrubar Mossadegh. Quando Eisenhower tomou as suas funções em Janeiro de 1953, libertou imediatamente Dulles dos seus constrangimentos. Depois de ter derrubado Mossadegh durante “a Operação Ajax”, Stone e Roosevelt instalaram no poder o Xá Reza Pahlavi, favorável às companhias petrolíferas americanas mas de que as duas décadas de brutalidade patrocinada pela CIA contra o seu próprio povo desde o trono do Pavão fizeram finalmente explodir a revolução islâmica de 1979 que minou a nossa política estrangeira desde então até agora.

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Mohammed Mossadegh, o Primeiro ministro democraticamente eleito do Irão de 1951 à 1953, acima em 1951. Nesse mesmo ano foi nomeado Personalidade do ano para a Time. O seu mandato foi interrompido por um golpe de Estado efectuado pelos Estados Unidos em 1953, que instalou o Xá Reza Pahlavi.

Na embriaguez do “ sucesso” da sua operação Ajax no Irão, Stone chegou com 3 milhões de dólares a Damasco, em Abril de 1957, para armar e incitar militantes islâmicos, bem como para corromper oficiais sírios e homens políticos e derrubar o regime laico e democraticamente eleito de al-Quwatli, de acordo com “Safe for Democracy: The Secreto Wars of the CIA”, de John Prados. Trabalhando com os Irmãos Muçulmanos e dispondo de milhões de dólares, Rocky Stone planificou o assassinato do chefe da informação síria, o chefe do seu Estado-maior e o chefe do partido comunista, e fomentou “conspirações nacionais e diversas provocações” no Iraque, no Líbano e na Jordânia que teriam podido ser atribuídos aos baassistas sírios. Tim Weiner explica “em Legacy of Ashes” que o plano da CIA consistia em desestabilizar o governo sírio e criar um pretexto para uma invasão pelo Iraque e pela Jordânia, cujos governos estavam já sob controlo da CIA. Kim Roosevelt previa que o novo governo fantoche instalado pela CIA “ se apoiaria fundamentalmente sobre fortíssimas medidas de repressão e por um exercício arbitrário do poder”, de acordo com um documento desclassificado da CIA publicado no jornal The Guardian.

Mas todo este dinheiro da CIA falhou em corromper os oficiais sírios. Os soldados informaram o regime baassista das tentativas de corrupção pela CIA. Em resposta, o exército sírio invade a embaixada americana, e fez seu prisioneiro Stone. Depois de um interrogatório, Stone confessou na televisão o seu papel no golpe de Estado iraniano e a tentativa abortada da CIA de derrubar o governo legítimo da Síria. Os Sírios expulsaram Stone e dois colaboradores da embaixada dos Estados Unidos – o primeiro diplomata do Departamento de Estado americano a ser expulso de um país árabe. Hipocritamente, a Casa-Branco de Eisenhower rejeitou a confissão de Stone como “uma invenção” e “um calúnia”, uma recusa inteiramente engolida pela imprensa americana conduzida pelo New York Times e na qual acreditou o povo americano, que partilhava a visão idealista que Mossadegh tinha do seu governo. A Síria afastou todos os políticos favoráveis aos USA e executou por alta traição todos os oficiais implicados no golpe de Estado. Para se vingarem, os Estados Unidos conduziram a Sexta Armada para o Mar Mediterrâneo, ameaçaram de guerra e incitaram a Turquia a invadir a Síria. Os Turcos reuniram 50.000 homens junto à fronteira síria e não fizeram marcha atrás face à oposição unânime da Liga Árabe, cujos líderes estavam furiosos com a intervenção dos Estados Unidos. Mesmo depois de ter sido expulsa, a CIA prosseguiu os seus esforços secretos para derrubar o governo baassista sírio democraticamente eleito. A CIA conspirou com o MI6 britânico para criar “um Comité para a Síria Livre”, e fornece armas aos Irmãos Muçulmanos para assassinar três membros do governo sírio que tinham contribuído para tornar pública “a conspiração americana”, de acordo com que escreve Matthew Jones em The Preferred Plan: The AngloAmerican Working Group Report on Covert Action in Syria, 1957” (“o plano favorito”: relatório do grupo de trabalho anglo-americano sobre a ação clandestina em Síria, 1957). A estupidez maldosa da CIA afastou mais ainda a Síria dos Estados Unidos e empurrou-a para alianças renovadas com a Rússia e o Egipto.

Na sequência da segunda tentativa de golpe de Estado na Síria, rebentaram motins antiamericanos no Médio Oriente, do Líbano à Argélia. Entre as suas repercussões, é necessário contar o golpe de Estado do 14 de Julho de 1958, efectuado por uma nova vaga de oficiais antiamericanos que derrubaram o rei do Iraque favorável aos Americanos, Nuri al-Said. Os líderes deste golpe de Estado tornaram públicos documentos governamentais secretos que revelam que Nuri al-Said era uma marionete largamente bem paga pela CIA. Em resposta à traição americana, o novo governo iraquiano convidou diplomatas e conselheiros económicos soviéticos e virou a costas ao Ocidente.

Provocando a hostilidade do Iraque e da Síria, Kim Roosevelt deixou o Médio Oriente para trabalhar como quadro na indústria petrolífera que ele tinha tão bem servido durante a sua carreira de funcionário na CIA. O seu substituto como chefe de departamento na CIA, James Critchfield, tentou uma conspiração abortada para assassinar o novo presidente iraquiano, utilizando um lenço envenenado, de acordo com Weiner. Cinco anos mais tarde, a CIA teve êxito finalmente em derrubar o presidente iraquiano e a levar ao poder o partido Baas. Um jovem assassino carismático de nome Saddam Hussein era um dos chefes distintos da equipa baassiste posta no poder pela CIA. O secretário do partido Baas, Ali Saleh Sa ‘ adi, que assumiu as suas funções ao mesmo tempo que Saddam Hussein, declarará mais tarde: “Chegamos ao poder nas bagagens da CIA,” de acordo com “A Brutal Friendship: The West and the Arab Elite”, de Said Aburish, jornalista e escritor. Aburish contou que a CIA tinha fornecido a Saddam e aos seus amigos uma lista de pessoas a assassinar que “deviam imediatamente ser eliminadas para garantir o sucesso.” Tim Weiner escreve que Critchfield reconheceu mais tarde que a CIA, de facto, “tinha criado Saddam Hussein”. Durante os anos Reagan, a CIA deu a Saddam Hussein vários milhares de milhões de dólares para treino e apoio às forças especiais, para armas e serviços operacionais de informações, sabendo que Saddam Hussein utilizava gás mostarda, gás enervante, e armas biológicas – incluido o anthrax fornecido pelo governo dos USA – na sua guerra contra o Irão. Reagan bem como o seu director da CIA, Bil Casey, consideravam Saddam como um amigo potencial para a indústria petrolífera americana e uma sólida muralha contra a expansão da revolução islâmica iraniana. O seu emissário, Donald Rumsfeld, ofereceu-lhe esporas de vaqueiro em ouro e uma escolha de armas tanto químicas ou biológicas como convencionais aquando de uma viagem à Bagdad em 1983. Ao mesmo tempo, a CIA fornecia ilegalmente ao Irão, adversário de Saddam, milhares de mísseis anti-tanques e antiaéreos para combater o Iraque, um crime tornado famoso pelo escândalo do Irangate. Os jihadistes de cada campo voltaram mais tarde muitas dessas armas fornecidas pela CIA contra o povo americano.

Enquanto a América assiste a mais uma intervenção violenta no Médio Oriente, a maior parte dos Americanos não tem consciência quanto “os corta-chamas” das precedentes gafes da CIA contribuíram para a formação da crise actual. Os ecos de várias décadas de manigâncias feitas pela CIA continuam a ressoar hoje através das capitais do Médio Oriente, das mesquitas às escolas das madrassas, sobre a paisagem devastada da democracia e do Islão moderado que a CIA contribuiu para destruir.

Uma série de ditadores iranianos e sírios, entre os quais Bachar el-Assad e o seu pai, utilizaram a história dos golpes sangrentos da CIA como pretexto para o seu governo autoritário, para as suas tácticas repressivas e para a sua necessidade de uma aliança forte com a Rússia. Estes negócios por conseguinte são bem conhecidos das pessoas na Síria e do Irão que interpretam naturalmente os rumores de intervenção dos americanos face à esta história.

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Enquanto que a imprensa conformista americana repete como um papagaio que o nosso apoio à rebelião síria é de natureza meramente humanitária, numerosos árabes consideram a crise actual como uma simples guerra clandestina que tem mais a ver com pipelines e com a geopolítica. Antes de nos precipitarmos mais intensamente na conflagração, seria bem melhor ter em consideração a massa de factos sobre a qual se apoia esta nossa perspectiva.

Deste ponto de vista, a nossa guerra contra Bachar el-Assad não começou com as manifestações civis pacíficas da Primavera árabe em 2011. Bem antes, começou em 2000, quando o Catar propôs a construção, através da Arábia Saudita, da Jordânia, da Síria e da Turquia, de um longo pipeline de 1.500 quilómetros para um custo de 10 mil milhões de dólares. O Catar partilha com o Irão os campos do gás de South Pars/North Dome a maior reserva de gás natural no mundo. O embargo comercial mundial proibia ao Irão até recentemente de vender gás no estrangeiro. Ao mesmo tempo, o gás do Catar não podia ser entregue sobre os mercados europeus a não ser em estado liquefeito e transportado por via marítima, uma via que limita os volumes e aumenta consideravelmente os custos. O pipeline encarado teria conectado directamente o Catar aos mercados europeus de energia, pela via dos terminais de redistribuição na Turquia, que teria assim embolsado enormes quantias em comissões de trânsito. O pipeline turco-qatari teria conferido aos reinos sunitas do Golfo pérsico uma predominância decisiva nos mercados mundiais do gás natural e teria reforçado o Catar, o país da zona que é o mais fiel aliado da América. O Catar abriga duas enormes bases militares americanas e o Alto Comando dos Estados Unidos no Médio Oriente.

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Sírios olham para um cartaz do Presidente sírio Bachar el-Assad | Louai Beshara/AFP/Getty Images
(continua)

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Ver o original clicando em:

http://www.politico.com/magazine/story/2016/02/rfk-jr-why-arabs-dont-trust-america-213601?o=0

Ver a Parte I deste artigo de Robert F. Kennedy, Jr., publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clicando em:

O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – I

Ler a introdução de Júlio Marques Mota, publicada anteontem em A Viagem dos Argonautas:

O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – a introdução de JÚLIO MARQUES MOTA

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