A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: a inversão da destruição que estava em curso?
Nos dias 2 e 3 de Junho realiza-se em Lisboa o 11º Congresso da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública. É um momento oportuno para fazer um balanço e uma reflexão sobre a Administração Pública até pela importância que ela tem para todos os portugueses, facto esse que é esquecido pelos “comentadores” que dominam os media que não se cansam de denegrir os seus trabalhadores.
É importante recordar que num mundo globalizado, assente em princípios neoliberais, como é aquele em que infelizmente vivemos, a importância do Estado e, consequentemente, da Administração Pública, seu suporte material, é fundamental pois só o Estado é que poderá garantir, por um lado, um mínimo de segurança aos portugueses através de sistemas públicos de educação, de saúde, de segurança social, de justiça, etc., universais que combatam as desigualdades e a insegurança (por insuficientes que possam ser são os únicos que podem dar à maioria da população essa garantia, pois nos privados domina a caça ao lucro, e só têm acesso a eles quem tem dinheiro para os pagar, por mais que digam o contrário); por outro lado, que os interesses coletivos de desenvolvimento e de bem-estar dos portugueses não sejam triturados pelos interesses dos grandes grupos económicos; e, finalmente, que os interesses nacionais e a soberania do país sejam acautelados e defendidos. E para que tudo isto seja possível, é necessário um Estado interventivo e, consequentemente, uma Administração Pública forte de qualidade que é o seu suporte, o que exige o respeito e defesa dos interesses, direitos e dignidade dos trabalhadores da Função Pública (o que não tem acontecido), pois sem trabalhadores não há Administração Pública o que é, muitas vezes, esquecido pelos portugueses que exigem serviços públicos de educação, saúde, etc. de qualidade.
A DESTRUIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PELO GOVERNO PSD/CDS, E A INVERSÃO ATUAL
O quadro 1, com os dados da Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) mostra o que aconteceu durante a “troika” e o governo PSD/CDS, e com o atual governo PS:
Quadro 1- O número de trabalhadores da Função Pública no período 31-12-2011/31-3-2016
Como revelam os dados da DGAEP, entre Dez.2011 e Set.2015, período da “troika” e do governo PSD/CDS, o numero de trabalhadores de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) sofreu uma forte redução de 78.340 (-10,8%), sendo os grupos profissionais mais atingidos o dos “técnicos superiores” (-2.622), o dos “assistentes técnicos” (-12.967), os “assistentes operacionais” (-21.533), profissionais que são essenciais ao funcionamento de todos os serviços públicos, e o dos “docentes” do ensino básico, secundário e superior (-28.574), fundamentais ao desenvolvimento do país, e também o dos “enfermeiros” (-1.431) necessários ao funcionamento do SNS. O aumento verificado no número de médicos neste período (+ 1.865) é na sua maioria fictício pois trata-se principalmente de médicos-tarefeiros que fazem poucas horas por dia.
Como mostra também o quadro, após a entrada em funções do governo PS, a situação parece ter-se invertido, pois o número de trabalhadores da Função Pública aumentou em 12.888 entre Set.2015 e Mar.2016 (+9.157 no último trimestre de 2015, e +3.731 no 1º Trimestre de 2016). E categorias importantes para o bom funcionamento de serviços essenciais à população, como são “técnicos superiores” (+2767), “assistentes operacionais” (+663), professores (+7.030), médicos (+1.572) e enfermeiros (+910). Mas é um numero ainda manifestamente insuficiente para recuperar a Administração Pública da destruição e degradação causada pelo politica da “troika” e do governo PSD/CDS. E isto é mais preocupante porque na pág. 12 do Programa de Estabilidade 2016-2020 enviado pelo governo à Comissão Europeia consta o compromisso, e é importante não esquecer, de respeitar “um rácio de novas entradas por saída de funcionários inferior a um até 2019 e de manutenção do emprego público a partir de 2020”
“INVERSÃO” FEITA COM O AUMENTO DA PRECARIEDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Uma análise fina feita aos dados divulgados pela DGAEP, mostra que a “inversão” foi feita fundamentalmente à custa do recurso a trabalhadores precários como mostra o quadro 2.
Quadro 2 – Trabalhadores totais e trabalhadores com contratos a prazo na Função Pública
Entre 31-Dez-2012 e 30-Set-2015, o governo PSD/CDS reduziu em 50.527 os trabalhadores da Função Pública, mas 21.720 (42,9%) foram trabalhadores com contratos a prazo. Entre Set.2015 e Mar.2016, com o governo PS o número de trabalhadores da Função Pública aumentou em 12.888, sendo 12.493 (96,9%) com contratos a prazo. Em Set.2015, os trabalhadores com contratos a prazo representavam 9,7% do total de trabalhadores da Função Pública, mas em Mar.2016 já correspondiam a 11,4% de todos os trabalhadores da Função Pública (na Administração Central representavam 13,9%). Para um governo que tomou o compromisso de combater a precariedade, não resta dúvida que é um mau exemplo que dá e também um mau principio que urge corrigir.
CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL FEITA À CUSTA DAS REMUNERAÇÕES DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA
O quadro 3, construído com dados do INE e do Relatório do OE-2016 mostra que uma parcela significativa da consolidação orçamental foi feita à custa das remunerações dos trabalhadores da Função Pública
Quadro 3 – Despesas com pessoal das Administrações Públicas – Contabilidade nacional
Entre 2010 e 2015, as Despesas com Pessoal de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) diminuíram de 24.611 milhões € para 19.950 milhões €, ou seja, em 4.661 milhões €, o correspondente a 2,7% do PIB médio deste período. Em 2016, regista-se uma inversão pois, entre 2015 e 2016, prevê-se um aumento de 657 milhões € que é destinada fundamentalmente a repor os cortes de remunerações feitos aos trabalhadores não permitindo, no entanto, inverter de uma forma real a degradação dos serviços públicos em Portugal levada acabo pela “troika” e pelo governo PSD/CDS.
O quadro 4 com dados da DGAEP, permite fazer uma análise da variação dos cortes nas remunerações que sofreram os trabalhadores da Função Pública desde 2011.
Quadro 4 – Remuneração base média e ganho médio dos trabalhadores da Função Públicas, por grupos profissionais, em Out.20111,Jan.2014, em Jul.2014, em Out.2014 e em Janeiro de 2015 e 2016
Os dados do quadro 4 permitem tirar algumas conclusões importantes desde que se tenha presente o seguinte: os valores de Julho de 2014 são remunerações e ganhos sem cortes pois, como consequência da decisão do Tribunal Constitucional, o corte de Passos Coelho/Portas que era superior ao de Sócrates deixou de vigorar e durante alguns meses (um deles foi precisamente Outubro de 2014), os trabalhadores da Função Pública, receberam as suas remunerações sem cortes. Como mostram os dados do quadro. (1) A remuneração média mensal dos trabalhadores da Função Pública sem cortes é de 1.444€ e o ganho médio mensal (que inclui os outros abonos) também sem cortes é de 1.669€; (2) Com o corte de Sócrates era de 1.385€ (a remuneração média) e 1.602€ (o ganho médio); (3) Com o corte de Passos Coelho/Portas que incidia também sobre remunerações inferiores a 1.500€, mas que foi declarado inconstitucional pelo Tribunal, era já apenas 1.311€ (a remuneração média) e 1.512€ (ganho médio); (4) Com a reposição de 20% do corte feito pelo governo PSD/CDS em 2015 a remuneração base média sobe 1.406€ e o ganho médio para 1.614€ ; (5) Com a reposição de 20% do corte pelo governo do PS em Janeiro de 2016, que somados aos 20% de Passos Coelho, significa que se verifica a reposição atinge 40%, a remuneração média base mensal dos trabalhadores da Função Pública passou a ser de 1.417€ e o ganho médio passou a ser de 1.623€. A remuneração base sem cortes é 1.444€ e o ganho médio sem cortes é de 1.659€ segundo a DGAEP do Ministério das Finanças, valores estes que só serão repostos no ultimo trimestre de 2016.
Como também rapidamente se conclui dos dados do quadro 4 há grupos profissionais (ex. assistentes técnicos e assistentes operacionais que somam, só estes, 273.354 trabalhadores – ver quadro 1) em que a reposição dos cortes das remunerações não tem qualquer impacto no que recebem, pois o seu ganho médio mensal é bastante inferior a 1.500€.