Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Legislativas em França – Macron: a festa já acabou!
Muitas catástrofes no horizonte
Por Jean-Luc Gréau, economista francês
Publicado por Causeur.fr em 8 de junho de 2017
http://www.causeur.fr/macronmania-macron-legislatives-44354.html
Todas os meios empresariais do planeta se congratularam com a eleição de Emmanuel Macron. Mas essa euforia não durará muito tempo, porque já muitas catástrofes se perfilam no horizonte. A crise italiana ameaça a zona euro, a China afundará muito em breve e a Argélia está prestes a explodir…

Desmentindo o diagnóstico de um bom espírito que pensava que o mandato presidencial de cinco anos de François Hollande selaria “a agonia da mentira mitterrandiana [1. Marcel Gauchet, Comprendre le malheur français p. 157, éditions Stock, 2016.]”, um concurso de circunstâncias inaudito permitiu a eleição de um herdeiro do presidente que colocou a França na dupla ratoeira do euro e da Europa: o mitterrandismo sobreviveu, algum tempo ainda, à sua mentira e ao seu fracasso.
A eleição do 7 de maio confirmou o prognóstico que tinha arriscado nestas colunas, pensando que a França estaria ainda uma vez mais em contracorrente. Em 1981, tinha designado um presidente apoiado num programa meio marxista, em contraponto da Inglaterra de Margaret Thatcher e da América de Ronald Reagan. Hoje, a França instala um homem apoiado pelos meios de negócios de Wall Street e da City com a esperança que possa ser um contraponto dos projetos de Donald Trump e sobretudo dos de Theresa May.
Deixei ao cuidado das melhores escritas políticas de Causeur a tarefa de esclarecer o cenário que conduziu aos resultados das eleições em 7 de maio. No entanto, dois pontos aparecem-me com força durante a campanha: primeiramente, as verdadeiras eleições primárias são mediáticas, em segundo lugar, a França vive no passado.
Se a França não tem fronteiras, os problemas do mundo são os seus
São os meios de comunicação social que aderiram desde a primeira volta, numa proporção de nove em cada dez, à candidatura de Emmanuel Macron, que ostentaram sobre o baluarte um homem profundamente associado à gestão do presidente de saída, para depois o apoiarem na segunda volta numa proporção que roça os cem por cento. Os candidatos saídos das primárias republicanas ou deram um tiro nos próprios pés ou foram mesmo enterrados com o partido socialista, desqualificado por cinco anos de poder. “How to do much about nothing”, “tanto barulho para nada” teria dito Shakespeare se estivesse vivo, sobre o episódio das primárias. Mas, sobretudo, o que é que nos fica realmente da democracia de que os meios de comunicação social se querem assumir como a guarda pretoriana, se o pluralismo deixar de existir?
A França vive no passado. O passado da Frente popular de 1936: “No pasarán”. O passado do tratado de Roma cujo sexagésimo aniversário acaba de ser comemorado: “A Europa é o nosso destino”. O passado do programa comum de 1972 ressuscitado por Hamon e Mélenchon para as necessidades da sua campanha. O do big bang thatcheriano de 1978: “Não há alternativa”. O do antirracismo militante dos anos 1980: “Não toquem no meu amigo”. O do tratado de Maastricht ratificado em 1992: “O euro é o nosso escudo”. O voto do 7 de maio, que confirmou um personagem cujos grandes apoios em média se situam na casa dos 70 anos, encontra-se na confluência destes anacronismos e destas ilusões.
Acontece que o novo presidente se instala numa França, numa Europa e num mundo onde os desafios se multiplicaram desde a queda providencial do muro de Berlim. Deixando de lado as questões geopolíticas, a Coreia do Norte, o mundo árabe em convulsão, o terrorismo islâmico, limitar-me-ei a três crises inscritas em filigrana na agenda presidencial: a crise italiana, a crise chinesa e a crise argelina.
A crise italiana
Que não me acusem de ser ainda e sempre o pássaro de mau augúrio do ideal europeu. O moral dos partidários do euro e da Europa está no seu ponto mais baixo. Pode-se enfim ler, sob a sua escrita, textos sobre a crise existencial da construção europeia e dos avisos contra as fragilidades reveladas pela experiência da moeda única. Eles imaginam uma Europa a várias velocidades, colocam a hipótese de uma outra Europa que reconciliaria os continentais e os Ingleses, eles avançam ainda a ideia da mutualização das dívidas dos países pobres e dos países ricos. Eles contam com uma aliança sagrada entre Macron e Schulz para voltar a dar lustro ao esburacado edifício que é a construção europeia.
Os seus exercícios de futurologia transformados em migalhas esquecem o essencial. Não há novos riscos prontos a manifestarem-se num próximo futuro? Com certeza que há, como por exemplo, um risco bancário e um risco político.
A Agência encarregada da supervisão dos bancos da zona euro avalia em mil milhões de euros o montante total dos empréstimos frágeis guardados nas suas contas. Estes empréstimos estão muito desigualmente repartidos: as proporções são de 47% para a Grécia [3.A falência declarada dos bancos gregos é tratada no âmbito das ajudas periódicas recebidas pelo Estado grego a título do seu plano de resgate], 16% para a Itália, 14% para a Irlanda, apesar do resgate massivo dos bancos irlandeses efetuado em 2011, 6% para a Espanha [o grosso dos riscos está concentrado no terceiro banco do país, o Banco Popular]. A natureza específica do sistema faz com que não se possa acantonar uma crise no seu país de origem. Ora, de momento, é a Itália que apresenta o maior risco para a zona euro e para o resto do mundo. Uma solução que implique a intervenção dos seus parceiros parece ter sido afastada para lá das grandes datas políticas francesas e alemãs. Implica com efeito novas injeções de fundos públicos que contradiriam as regras da nova União bancária europeia.
O risco político decorre da subida em força na Itália, por um lado, da esquerda da esquerda, o Movimento 5 estrelas, e por outro, da direita da direita, a Liga do Norte, que romperam com o euro e a Europa.
Este risco situa-se num contexto de falta de interesse dos Italianos para com a experiência europeia, sendo agora pouco mais de metade que a aprovam, contra 80% há dez anos, e mais ainda, num contexto de ceticismo do patronato italiano, cada vez menos convencido dos benefícios da moeda única. As eleições legislativas projetadas para 2018 dir-nos-ão se os Italianos estão ou não prontos para dar o salto que os separa de um regresso à soberania monetária.
As dívidas apodrecidas das empresas chinesas
A crise chinesa não deixa de se fazer esperar. Faz já cinco anos pelo menos que os sinais de alarme começaram a ressoar, primeiro com pouco ruído, seguidamente de modo mais insistente e alto. O esquema desta crise é do mais simples de compreender. É um esquema simétrico e oposto ao da crise americana de 2008. O sismo americano resultou de um consumo excessivo e de um sobre endividamento das famílias num território que vai desde a Flórida até à Califórnia. O que nos promete a China tem a sua origem num sobre investimento e num sobre endividamento das empresas chinesas.
Alguns surpreender-se-ão. Não se diz, por aqui e por acolá, que a China está a passar de um modelo baseado no investimento para um modelo baseado sobre o consumo? Os números dizem-nos, pelo contrário, que o investimento permanece desproporcionado, para não dizer extravagante: representa 45% do PIB contra 34% em 2000. O seu motor é o esforço maciço de infraestruturas: os Chineses constroem anualmente mais estradas, mais auto-estradas, mais linhas de TGV, mais aeroportos.
Neste momento, há três coisas a compreender. Primeiramente: o sobre investimento induz um consumo adicional – coisa constantemente esquecida pelos economistas do FMI e da OCDE, e muitos outros – que mascara essa desproporção. Em segundo lugar: apoia-se sobre uma dívida maciça das empresas que contribuem, direta ou indiretamente, para esta proporção extravagante: 170% do PIB (a título de comparação, em 2008, a dívida das famílias americanas representava 100% do PIB). Em terceiro lugar: os dirigentes políticos são apanhados numa armadilha: o simples facto de estabilizar as despesas de infra-estruturas ao seu nível atual teria por efeito provocar uma recessão, pelos seus efeitos secundários sobre o investimento das empresas e sobre o consumo.
As autoridades financeiras chinesas estão disso conscientes. O presidente da autoridade de regulação bancária, Guo Shuqing – retenham o seu nome – já puxou o sinal de alarme contra “o caos que ameaça”, indo ao ponto de pôr a sua cabeça sobre o cepo. “Se não prevenir o caos, demitir-me-ei”. Não é, por conseguinte, certo que a questão das dívidas apodrecidas possa esperar pelo 19º Congresso do PC chinês, programado para o próximo Novembro que deve, em princípio, reconduzir o presidente Xi. De toda a maneira, o caos financeiro de que fala Guo Shuqing abalaria mais uma vez a mundialização, depois do enormíssimo abalo de 2008.
A crise argelina
Os vossos diários evitam bem dizê-lo. A Argélia falhou a sua independência. No plano político: este país, mais soberano juridicamente que a França capturada pela Europa, está nas mãos da nomenklatura militar e civil. No terreno económico e financeiro, a sua sobrevivência depende anualmente um pouco mais da sua produção de petróleo e de gás, é a terceira produção mundial após a Rússia e o Irão. Os hidrocarbonetos representam 98% das suas exportações.
Mas é hoje um país de 40 milhões de habitantes, dos quais uma maioria de jovens que não têm outras perspetivas que não sejam pequenos trabalhos ligados ao consumo, às prebendas ou às sinecuras procuradas pelo regime ou a emigração para a França. Os cérebros dos jovens Argelinos estão obcecados pela imagem dos vistos que lhes permitiria mudar para o outro lado do Mediterrâneo (o que nos mostra o carácter provocador e grotesco da postura de Emmanuel Macron quando culpou a França «de um crime contra a humanidade cometido na Argélia»). Com efeito, mal informados pelos seus compatriotas instalados em França, pensam que a França, dotada da proteção social mais dispendiosa do planeta, tem os meios para os acolher e à escala dos milhões.
O próximo mandato presidencial verá o desaparecimento de Abdelaziz Bouteflika. Então, ou aparecerá uma personalidade providencial que faça o que deveriam ter feito os seus antecessores, purgar a administração e o exército, e dar o poder económico aos empresários privados, apelando ao mesmo tempo à restrição dos nascimentos, contra as homilias dos imams, ou o caos instalar-se-á e, nessa corrente do caos, uma nova oposição islamita tentará impor-se em Argel, a Branca. Das costas argelinas poderiam então lançar-se milhares de barcos de novos migrantes.
Como é que o presidente se poderia opor à sua chegada? A ocasião terá então chegado de expiar pelos erros da colonização, acolhendo populações cujos antepassados a França oprimiu. Os media estarão vigilantes noite e dia.
Quos vult perdere Jupiter dementat, “Júpiter enlouquece primeiro aqueles que quer destruir“
Esta afirmação tem a ver em primeiro lugar com Marine Le Pen. Após um percurso sem nenhum erro com que tinha conduzido o seu partido, reorganizado sob a sua direção, ao nível de primeiro partido da França, ela acumulou erros importantes durante a sua campanha. Primeiro, inventando uma prioridade ao emprego dos cidadãos nacionais, inútil e incongruente, que a expunha um pouco mais à incriminação de xenofobia. Em seguida, aos zig-zags sobre a questão da moeda única, com a ideia de uma moeda comum acrescentada à moeda nacional restaurada, com o objetivo de acomodar Nicolas Dupont-Aignan e de amaciar as críticas da imprensa burguesa de direita. Por último, mostrando uma violência verbal que não é seu hábito, por ocasião do debate do 3 de maio, enquanto que Macron tinha pedido a rejeição da sua candidatura em nome de uma violência presumida da FN que apenas se viu nos municípios administrados por ele. Três faltas das quais lhe será difícil redimir-se.
A afirmação diz respeito também ao seu rival vitorioso. O indivíduo não duvida de nada. Uma sorte insolente acompanhou-o, levando-o em muito pouco tempo de um estatuto de empregado do banco Rothschild ao de chefe de um Estado velho de oito séculos. Quando se é glorificado por nove de cada dez meios de comunicação social do Hexágono, pelo New York Times, Wall Street Journal, o Guardian e muitos outros ainda, quando tem ao seu lado praticamente toda a nomenklatura política e económica destes quarenta últimos anos, de Alain Madelin a Cohn-Bendit passando por Pierre Gattaz, quando assim é, será que se consegue ainda ter os pés bem assentes na Terra?
Para fazer face à desorientação de espírito que o ameaça, Macron teria necessidade de se apoiar sobre uma cultura histórica ou literária. Mas os seus discursos revelam o vazio enorme do personagem, aí onde as dificuldades do tempo quereriam que aparecesse um Bonaparte económico e político. Onde irá a França sob a férula de Emmanuel Macron? Os defensores do sistema advertiram-nos desde o dia 23 de Abril: “Macron ou o caos.” E se fosse “Macron e o caos”?