A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL. O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA. UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [1] – Uma coleção de artigos de Onubre Einz. III – A economia alemã, um crescimento à americana personalizado? (parte 2).

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

images eua alemanhaIII – A economia alemã, um crescimento à americana personalizado? (parte 2), por Onubre Einz

 

 

 

Publicado por criseusa.blog.lemonde em 29 de abril de 2013

Reedição revista do artigo publicado em A Viagem dos Argonautas em 31 de março de 2015 (vd.  https://aviagemdosargonautas.net/2015/03/31/a-alemanha-o-seu-papel-nos-desequilibrios-da-economia-real-o-outro-lado-da-crise-de-que-nao-se-fala-uma-analise-assente-na-divisao-internacional-do-trabalho1-iii-a-economia-ale-3/ )

 

 

(conclusão)

B – O jogo dos supergini na base dos rendimentos em valor

Para mostrar o forte crescimento recente das desigualdades, inventámos o SuperGini. O SuperGini consiste em expressar as relações de rendimento entre o percentil do topo e do fundo da escala social. É uma medida em bruto da progressão das desigualdades de rendimento.

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Este quadro lê-se facilmente: em 2005, o rendimento do percentil 99 era de 12,4 vezes o rendimento do percentil 1, representando os alemães mais pobres. O percentil 98 era de 10,2 vezes o percentil 1.

A explosão das desigualdades foi particularmente significativa pelo seguinte. O ano de 2007 é um ponto culminante devido ao colapso dos rendimentos do percentil 1. A crise que provoca o colapso dos rendimentos da propriedade do capital permite um regresso a uma situação de desigualdades menos fortes.

A segunda lição deste quadro é que mostra a concentração dos rendimentos para o Top 1 % das famílias cujos dados quantitativos não são comunicados pelo Eurostat, assim como os dados do Top 20 e do top Ten. O top 100 distingue-se geralmente fortemente do top 99 por uma diferença de rendimentos muito acentuada.

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A escala de rendimentos medida pela relação dos rendimentos dos percentis 99-95 ao segundo percentil dá uma medida menos extrema da subida das desigualdades. Mas as conclusões que tirámos permanecem as mesmas. A concentração acelerada dos rendimentos para o alto da escala social permanece visível entre 2005 e 2007. De novo tomamos a medida da evolução dos rendimentos do top 100 considerando também o percentil 99. A ruptura entre o percentil 99-2 e os outros percentis é muito significativa. Ela dá-nos informação quanto à ruptura de escala que teria introduzido se o Eurostat tivesse disponibilizado os dados do percentil 100. O facto é universal : o rendimento das famílias do top 100 cava por toda a parte muito fortemente o fosso com os percentis 95-99 dos rendimentos.

Conclusão.

A análise que aqui propomos visa apoiar uma tese. A de um modelo alemão de crescimento assente na ganância, importado dos EUA e adaptado pelos nossos vizinhos germânicos. O extraordinário aumento das desigualdades na repartição do rendimento que acompanha fenómenos bem conhecidos além Atlântico tem aqui um elemento de demonstração suplementar. Parece-nos convincente que a Alemanha teve uma tentação de crescimento à americana. Os dados dos patrimónios parecem confirmar esta tese. Para que uma transferência de rendimento se faça através dos rendimentos da propriedade do capital, é necessária uma concentração bastante forte dos patrimónios no topo da escala social.

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O património líquido das famílias (Património total menos dívida ou Netto Vermögen ) certifica esta tese, calculado aqui por dois organismos alemães, o PHF (Private Haushalte und Ihre Finanzen) ligado ao Bundesbank e o The German Socio-Economic Panel Study (SOEP) do German Institute for Economic Research, DIW Berlin (http://www.diw.de/en/soep). A repartição (Verteilung) do património indica uma concentração deste a favor do topo da escala social tendo por efeito dar às aplicações financeiras uma parte cada vez mais importante e uma parte menos importante ao imobiliário e ao endividamento para os decis superiores (90-100). Esta configuração é ideal para acelerar as transferências de riqueza através dos juros líquidos das famílias (juros pagos menos juros recebidos) e a concentração dos dividendos distribuídos no topo da escala social onde se acumulam as grandes carteiras de ações. Os rendimentos das empresas obtidos através de títulos privados e a polarização dos rendimentos salariais para o topo ligada com uma baixa relativa das transferências sociais fazem o resto.

Para que este processo de enriquecimento não seja interrompido, é necessário em algum momento cortar nos investimentos em infraestruturas (o que está em curso desde há muito), e depois sobre o investimento produtivo, é necessário cortar sobre os salários nomeadamente os mais baixos e sobre as prestações sociais. Tudo isso estava em curso na Alemanha; a crise apenas suspendeu essa evolução. As nossas teses estão a dar boa prova de si mesmas…

Faltará examinar o modelo de crescimento alemão pelas exportações para determinar se a febre da desigualdade da Alemanha poderá voltar. Esta retoma está condicionada por uma grande questão: o modelo alemão de crescimento pelas exportações é exequível? A Alemanha entre 2001 e 2007 não terá tomado uma má direção e com muito mais razão insustentável?

Para esboçar uma resposta a esta difícil pergunta, será necessário alargar a questão da política económica da Alemanha à Europa e ao mundo. É que o modelo de crescimento que foi criado recentemente pressupõe que a economia alemã obtenha ainda excedentes líquidos importantes da sua balança comercial (e não somente excedentes brutos) e que encontre uma ligação de crescimento à exportação na Europa e, mais ainda, nas regiões do mundo onde o crescimento seja dinâmico. Sem isso, a economia alemã corre o risco de ter um crescimento muito fraco, e a partilha do rendimento tornar-se, consequentemente (ipso facto), conflituosa e a financeirização por procuração impossível.

Se esta dinâmica das exportações não é efetuada, a base produtiva alemã como alicerce de enriquecimento das elites económicas através da financeirização por procuração não será mais que um breve parêntesis, a tentação norte americana revelar-se-á insustentável.

A questão vertente é determinar se as políticas de austeridade impostas pela Alemanha não serão uma vontade das elites económicas de voltarem à situação que prevalecia após o estabelecimento da agenda 2000 e antes da crise. Nesta história muito exótica, 90 % dos alemães não têm, verdadeiramente, uma palavra a dizer…É por isso que quando falamos da política alemã, estamos sempre a falar da política dos Top 10 medida pelos dados estatísticos.

Texto original em http://criseusa.blog.lemonde.fr/page/11/

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