É SÓ ESPUMA, por JOÃO MARQUES

Enviado por Júlio Marques Mota

Mais uma vez, cumprindo os mais elementares princípios físico-químicos, a espuma veio ao de cima e, com ela, a revelação de práticas industriais corrosivas e de sistemas instalados, que o não são menos, nas mais altas instâncias do poder judicial, cuja independência estaria constitucionalmente incólume.

No caso do rio Tejo, as “descobertas” agora realizadas pela máxima autoridade ambiental, podiam ser constatadas por um simples contacto direto com os que, pelo seu passado e na falta de alternativas económicas viveram da riqueza piscícola fluvial, desde a fronteira até aos limites do círculo urbano da capital lisboeta. Durante gerações mantiveram um convívio ambiental e até afetuoso com aquele caudal de água, situações que conheci ainda jovem, agora arquivadas na minha memória.

Durante quase duas décadas – na elaboração de estudos, nas reuniões que mantive com representantes do Estado ou das suas direções regionais – tive a ocasião de constatar o enorme empenhamento, dedicação dos funcionários, a sua qualidade profissional e uma alergia indómita a que as decisões técnicas fossem subjugadas a ordens de diretórios políticos, o que nem sempre aconteceu.

Os casos mais recentes que a indústria da comunicação (IC) vai revelando, mais do que elucidando, apresentam, contudo, uma componente inequivocamente positiva – a denúncia de factos emanando das mais altas esferas da função pública, lenta mas progressivamente ocupada por delegados das grandes famílias e, não só, políticas. Se a esta constatação acrescentarmos uma outra – a inundação da IC pelo futebol e os seus agentes, fora das quatro linhas – num contexto de concentração intolerável da informação, pelo que já há quem enuncie a expressão, ainda com alguma timidez, de “regresso ao passado”, mesmo ignorando que o contexto internacional tende a favorecer visões em que prevalece a unicidade e/ou o definhamento da prática política.

Saindo deste retângulo, nada melhor do que dar um salto até ao Parlamento Europeu, que atribuiu o seu último Prémio Sakharov (dezembro, 2017) – como sabemos destinado a promover a liberdade de pensamento e a defesa dos direitos humanos – à oposição democrática ao regime venezuelano. Momentos antes da sua divulgação, eis que surge a voz de uma mulher, que tinha sido também selecionada para a outorga de tal distinção e o que Lolita Chávez disse não pode ficar arquivado, já que sublinha factos concretos que ocorreram junto à sua aldeia de Santa Cruz de Quiché (Guatemala), palavras que deveriam figurar nos compêndios da exploração, da destruição humana e ambiental e do poder discricionário das multinacionais.

Muitas mulheres têm sofrido crimes atrozes, a maioria jovens indígenas maias, por lutar contra a injustiça ou tentar resistir à ocupação das suas terras ancestrais. Com a experiência dos seus 45 anos, Lolita referiu um dos últimos casos, em que duas companheiras colocaram o seu corpo em frente das máquinas de empresas mineiras para impedir a destruição do seu meio-ambiente secular. Só desde o início desta década – sublinhou – permanecem impunes novecentos crimes de assassinato, em que as máfias, paramilitares e mercenários mandatados pelas multinacionais, ocupam, destroem a nossa terra para saquear os minerais e as madeiras e, depois, deixam tudo ao abandono, citando o caso da empresa espanhola ACS, cujo principal acionista é o atual presidente do Real Madrid.

Poderia preencher esta página com casos concretos e detalhados deste esventrar do planeta, não só na América Latina, como numa África recolonizada, agora com a progressiva presença chinesa ou ir até ao continente asiático, onde se multiplicam ações devastadoras, a última das quais numa das principais minas de ouro da Indonésia, de uma intensidade e brutalidade perante seres humanos, situação agora revelada na reportagem apresentada pelo canal estatal France 24.

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