Homenagem ao Carlos Tenreiro, uma série de textos sobre questões de macroeconomia e de alta finança – 14. A vingança dos bancos com direitos de nome de estádio (1ª parte). Por David Dayen

Carlos Tenreiro
Carlos Tenreiro, um estudante de excecional maturidade emocional, de rara cultura, de rara sensibilidade e de alta capacidade pedagógica para transmitir o que sabia e até muitas vezes a gerar nos estudantes uma apetência por aquilo que ele mesmo ainda não sabia, mas que faria parte da sua trajetória de conhecimentos a desenvolver.

 

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

14. A vingança dos bancos com direitos de nome de estádio (1ª parte).

Por David Dayen David Dayen

The Intercept, 2 de março de 2018

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Photo: Spencer Platt/Getty Images

 

Em vez de assumirem o controle das armas, os democratas estão a juntar-se aos republicanos para um ataque às escondidas à Reforma de Wall Street

 

Em meados de janeiro, os altos executivos do Citigroup realizaram uma teleconferência com repórteres sobre os ganhos do banco no quarto trimestre de 2017. A discussão deslocou-se para um obscuro projeto de lei do Congresso, referido como S.2155, lançado pelos seus apoiantes bipartidários principalmente como um veículo para aliviar os bancos comunitários da pressão regulatória e, 10 anos após a crise financeira, para fazer correções técnicas necessárias à histórica lei de reforma de Wall Street, a lei Dodd-Frank.

Mas o diretor financeiro do Citi, John Gerspach, disse aos repórteres da teleconferência que ele pensava que alguns dos maiores bancos – como, digamos, o Citigroup – também devem ser contemplados no projeto de lei S.2155. John Gerspach, defendia que o Congresso deve afrouxar as regras em torno de como os bancos poderiam investir e conceder empréstimos. O mecanismo específico para o fazer seria alterar o que é conhecido como o índice de alavancagem suplementar, ou SLR (supplementary leverage ratio), um requisito sobre capital próprio que é fundamental no que diz respeito aos maiores bancos do país. Esta relação simples define a quantidade de capital próprio que os bancos devem ter como proteção face ao montante dos seus ativos totais, como sejam os empréstimos concedidos.

O S. 2155, naquele momento, reduziu o rácio de alavancagem, mas apenas para os chamados bancos de custódia, os quais não têm como principal atividade a concessão de empréstimos, mas sim a proteção dos ativos para os indivíduos ricos e as empresas como por exemplo fundos mútuos. Como se escreveu, a medida teria ajudado apenas dois bancos dos EUA, State Street e Bank of New York Mellon. Esta medida irritou fortemente Gerspach. “Nós, obviamente, não achamos isso justo, por isso gostaríamos de ver o S. 2155 modificado “, disse ele aos repórteres.

Os republicanos e democratas que levaram o projeto de lei S. 2155 através do Comité Bancário do Senado devem ter ouvido os apelos do Citi. (eles alteraram a definição de banco de custódia numa versão subsequente do projeto de lei. Anteriormente estipulava que apenas um banco com um elevado nível de ativos de custódia se poderia qualificar para ficar ao abrigo do rácio SLR, mas agora é definido como banco de custódia “qualquer instituição de guarda de ativos ou empresa holding predominantemente envolvida em custódia, segurança e atividades de gestão de ativos.”). A mudança poderia permitir que praticamente qualquer grande banco possa tirasse proveito da nova regra.

Vários lobistas dos bancos disseram à The Intercept que o Citi tem pressionado os legisladores para flexibilizarem a linguagem ainda mais, de modo a assegurar que possa aproveitar a redução do rácio de alavancagem e aumentar o nível de riscos tomados. “O Citi está a fazer um esforço muito agressivo”, disse um lobista bancário que pediu para não ser citado porque ele está a trabalhar no novo projeto lei. “É uma alteração de vulto e é por isso que eles estão a fazer muita pressão “. Um porta-voz do Citigroup recusou-se a comentar esta afirmação.

Um projeto de lei que começou como um esforço bem-intencionado para satisfazer algumas queixas talvez legítimas dos bancos comunitários, em vez disso expandiu-se, e tem gerado receios de que Washington esteja a abrir caminho para a próxima crise financeira. É improvável que o Congresso aprove legislação muito significativa em 2018, por isso os lobistas precipitaram-se para encher o porta-bagagens do veículo. “Há muitos interesses diferentes nos serviços financeiros que estão a olhar para isto e a dizerem: ‘Oh meu Deus, finalmente está-se a caminhar para reformar a lei Dodd-Frank, deixem-me aproveitar a ocasião e alterar isto e mais isto'”, disse o Senador Chris Coons, estado de Delaware, numa entrevista. “Há uma dúzia de jogadores diferentes que decidiram que este é o último autocarro que vai sair”.

E o Senador Chris Coons [democrata] é um dos co-patrocinadores da nova legislação.

Uma nação confiante – e o próprio presidente – esperava que o Senado começasse na próxima semana o debate sobre uma reforma importante da política das armas de fogo mas, em vez disso, surgiu um cenário bem mais confuso: no Congresso tipicamente bloqueado, com a maior parte da agenda legislativa de Trump paralisada, membros de ambas os partidos juntar-se-ão para reverter as regras financeiras, no 10º aniversário da maior crise bancária em quase um século. E isso está a verificar-se sem praticamente nenhuma atenção dos media.

Além dos brindes para o Citigroup e outros grandes bancos, o projeto lei irá minar as regras justas quanto à concessão de empréstimos, regras estas que tinham sido criadas para combater a discriminação racial e irá também reverter a regulamentação e a supervisão sobre os grandes bancos regionais, que não são suficientemente grandes para serem chamados bancos globais, mas que têm dinheiro suficiente para conseguirem um estádio com o seu nome. Em nome de um pequeno alívio a ser concedido aos bancos comunitários, tornando a supervisão menos onerosa, estas instituições – que foram batizadas “bancos de estádio” pela equipa do Congresso que se opõe à legislação – estão a fazer um grande rombo na reforma de Wall Street. Vinte e cinco dos 38 maiores bancos nacionais do país, assim como bancos estrangeiros globalmente significativos que estiveram envolvidos numa desenfreada má conduta, ficariam, agora com a nova legislação, livres da supervisão reforçada. Há até verdadeiros brindes para empresas dominantes em prestação de serviços financeiros, como Promontory e uma divisão do conglomerado de Warren Buffett, Berkshire Hathaway. O projeto de lei chega a punir os compradores de autocaravanas (casas móveis), que se encontram entre as pessoas mais vulneráveis do país, cujo reiterado mal estar económico desencadeia tantos discursos na política americana (mas não quando pode se pode fazer alguma coisa sobre isso).

“Os bancos comunitários são o escudo humano para que os bancos gigantes consigam a desregulamentação que querem”, disse a senadora Elizabeth Warren [democrata], do estado de Massachusetts, que está a travar um combate de última hora para bloquear o avanço do projeto lei. “A conquista do Citigroup é mais um exemplo de como em Washington, o dinheiro fala e o Congresso escuta”.

 

(continua)

Kate Aronoff, Aída Chávez, Lee Fang, e Ryan Grim contribuiram para este artigo.

Texto original em https://theintercept.com/2018/03/02/crapo-instead-of-taking-on-gun-control-democrats-are-teaming-with-republicans-for-a-stealth-attack-on-wall-street-reform/

David Dayen: jornalista que escreve sobre economia e finanças. Autor de Chain of Title: How Three Ordinary Americans Uncovered Wall Street’s Great Foreclosure Fraud, vencedor do prémio Ida e Studs Terkel. Colabora com Salon.com e com The Intercept, e escreve semanalmente em The New Republic e em The Fiscal Times. Outros locais onde publica incluem Vice, The American Prospect, Naked Capitalism, In These Times e outros.

 

 

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