Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
A força que está por detrás da maré populista da Europa: os jovens adultos frustrados
Por Eric Sylvers
Republicado por Gonzalo Raffo Infonews.com, em 30 de junho de 2018
A lutarem por encontrar empregos, e muitas vezes a viverem em casa dos pais, as gerações mais jovens estão a impulsionar os partidos antiestablishment para novas alturas de poder
Giada Gramanzini voltou para a casa dos pais, em Nápoles, no ano passado, enquanto procurava trabalho. Os jovens desempregados estão a conduzir a mudança política contra o sistema dos partidos do arco do poder, o establishment, na Europa.
Uma revolta juvenil está a subverter a política italiana, e pode ser um prenúncio de coisas que poderão estar para vir.
O maior governo antiestablishment da Europa ocidental que chegou ao poder no início deste mês, foi em grande parte impulsionado pelos jovens eleitores italianos. Lutando com uma persistente falta de perspetivas de emprego na última década, os jovens votaram em massa nos dois partidos do antiestablishment italiano nas eleições de 4 de março no país, o Movimento 5 estrelas e a Liga Norte, um partido anti-imigração este último.
O resultado deixou a descoberto uma marcada brecha geracional, com os italianos mais velhos, que muitas vezes têm de apoiar os seus filhos crescidos, a continuarem a votar nos partidos tradicionais.
O mesmo padrão aparece em toda a Europa do Sul, e as forças que estão por detrás desta demarcação eleitoral mostram poucos sinais de abrandamento. Quase 30% dos italianos com idades entre 20 e 34 não estão a trabalhar, a estudar ou nalgum programa de formação, segundo o Eurostat, uma percentagem mais elevada do que em qualquer outro país da União Europeia. A Grécia é o segundo com 29%, enquanto a taxa de Espanha é de 21%.
“A Itália está em colapso e, no entanto, nada mudou neste país desde há pelo menos 30 anos“, disse Carlo Gaetani, um engenheiro a trabalhar por conta própria em Puglia. Dez anos antes, quando Gaetani estava no começo dos seus 20 anos, votou num partido de centro-esquerda que ele pensava e desejava que iria forçar a que houvesse desenvolvimento económico no sul da Itália. Quando a Itália caiu numa devastadora recessão, sentiu-se traído pelos partidos italianos tradicionais de esquerda. Ele tem visto amigos em extrema dificuldade para encontrarem empregos, e diz que as suas próprias oportunidades de negócios estão limitadas ao setor privado em estagnação, porque as comissões para o setor público são geralmente atribuídas a pessoas com conexões partidárias que ele não tem.
Gaetani, agora com 33 anos, votou no Movimento 5 Estrelas na eleição de 2013, uma escolha que ele repetiu em março com mais convicção. “5 Estrelas é a nossa última esperança. Se eles também falharem, acho que vou deixar de votar“, disse ele.
Perspetivas de curto prazo
Os adultos mais jovens que encontram emprego devem muitas vezes ter de aceitar contratos de curto prazo.
Quota de adultos idade 15-25 com contratos temporários (geralmente um ano ou menos) em 2017

A taxa de emprego dos italianos abaixo dos 40 anos tem caído todos os anos de 2007 a 2014, antes de passar a ficar praticamente constante nos últimos três anos, de acordo com o Eurostat. Entretanto, tem aumentado todos os anos para aqueles situados entre os 55 e os 64 anos, em parte devido a um aumento na idade da passagem à reforma.
O número de italianos abaixo dos 34 na pobreza absoluta – definido como sendo incapaz de pagar bens e serviços básicos – mais do que dobrou entre 2010 e 2016 para 10%, de acordo com o Instituto Nacional de estatística italiano, ou Istat. Para aqueles que têm acima de 65 anos caiu de 5,4% para 3,8%.
Um problema importante no sul da Europa é um sistema de emprego dual em que as pessoas com contratos por tempo indeterminado – muitas vezes os trabalhadores mais velhos – desfrutam de forma sólida de segurança do trabalho e de benefícios. Ao mesmo tempo, durante a crise, os empregadores começaram a utilizar cada vez mais contratos de curto prazo, geralmente com duração de um mês a um ano. Na Itália, 62% dos contratos para os que têm menos de 25 anos foram de curto prazo em 2017, quando eram de 25% em 2000.
Os decisores políticos italianos introduziram os contratos de curto prazo na década de 1990, em parte para ajudar os jovens a entrar no mercado de trabalho, como um passo para os contratos de trabalho permanente. Os empregadores usaram-nos para evitar o custo e a trabalheira envolvidos em despedir as pessoas. Fazendo-se eco das reformas nos mercados de trabalho noutros lugares da Europa, a Itália introduziu uma grande reformulação das regras de trabalho em 2014 e 2015 com que tentava fazer com que os empregadores passassem a utilizar mais contratos por tempo indeterminado, incluindo milhares de milhões de euros em cortes de impostos. Os cortes mais generosos expiraram em 2016.
Sem trabalho
No sul da Europa, os adultos mais jovens ainda estão em grandes dificuldades uma década depois de ter rebentado a crise.
Pessoas entre os 20 e os 34 anos não empregados, que não frequentam a escola nem estão em programa de formação

Os esforços legislativos não tiveram o efeito desejado de criar a mudança estrutural no mercado de trabalho que levaria a que os empregadores se desacostumassem de utilizar contratos de curto prazo, mas antes a preferirem contratos a prazo. Em 2016, quando as isenções fiscais estavam em vigor, apenas 13% dos novos contratados estavam em contratos de curto prazo. No ano passado, mais de quatro em cada cinco novos contratados foram feitos em contratos de curto prazo, de acordo com o Istat.
O Movimento 5 Estrelas atraiu milhões de jovens eleitores com promessas de reverter as novas regras do mercado de trabalho, dar aos desempregados e aos pobres um chamado Rendimento Básico Universal de 780 euros por mês, e abolir os contratos de aprendizagem não remunerada. O seu líder, Luigi Di Maio, foi um estudante universitário que abandonou os estudos superiores aos 26 anos que vivia com os seus pais quando foi eleito para o Parlamento em 2013. Hoje, ele é um vice-primeiro-ministro.
A Liga também fez da revogação da recente lei laboral uma parte central do seu programa eleitoral.
Os problemas económicos da Itália tiveram um papel importante nos sentimentos dos jovens eleitores acerca da imigração durante a campanha eleitoral também, um dos temas que animou a campanha da Liga. “Não podemos acolher toda a África”, disse Gianluca Taburchi, um empregado de 23 anos de um supermercado de Perugia, que votou pela Liga. “Nós já temos os nossos próprios problemas. Temos muito desemprego, temos muitos empregos precários.”
Matteo Salvini, o líder da Liga que se tornou um vice-primeiro-ministro e Ministro do Interior no novo governo, prometeu fazer regressar centenas de milhares de migrantes para os seus países de origem. O Movimento 5 Estrelas, que se estende a ambos os lados da linha em muitas questões, falou na necessidade de travar a imigração ilegal, mas não apelou às deportações em massa.

Aproximadamente 53% dos italianos abaixo dos 35 anos votaram pelos dois partidos no seu conjunto, de acordo com uma sondagem da Ipsos.
Aproximadamente 43% dos italianos acima dos 65 anos votaram pelos partidos do centro-Direita ou centro-esquerda no seu conjunto, quando apenas 28% dos italianos jovens o fizeram.
Noutros lugares, quase 40% dos espanhóis abaixo dos 35 anos disseram numa sondagem em abril que votariam pela extrema-esquerda Podemos e os seus aliados políticos numa próxima eleição. Na Grécia, mais de 41% desses jovens entre 18 e 24 anos votaram a favor do SYRIZA na eleição de 2015, seis pontos mais do que o partido antiestablishment teve em todas as faixas etárias.
Argyro Maltasoglou, de 30 anos, disse que votou no SYRIZA na eleição de 2015 porque ela pensou que o partido começaria a fazer mudanças radicais, especialmente em termos de políticas para ajudar os jovens. Desde a sua saída diplomada da faculdade em 2013, ela tem saltitado entre contratos de curto prazo que duram menos de um ano. Ela tem procurado um emprego desde que o seu contrato de curto prazo como secretária num hospital de Atenas expirou em Março.
O trabalho pago a $500 por mês, foi o máximo que Maltasoglou ganhou até agora. Ela teve que aceitar dinheiro dos seus pais para viver. “Isto não é o que eu sonhei quando estava a estudar”, disse ela. “Eu gostaria de ter uma família, mas eu não ousaria sequer pensar nisso agora, nestas condições.”
Uma exceção ao fenómeno geracional é o voto de 2016 do Reino Unido para deixar a UE: 71% dos eleitores de idade entre os 18 e os 24 anos votaram para que o país permaneça no bloco, de acordo com uma sondagem feita por YouGov. Apenas 26% pessoas de 65 anos ou mais votaram para permanecer na UE.

Estudos na sequência da votação Brexit mostraram que, neste caso, os jovens britânicos valorizaram a maior facilidade de trabalho, estudar e viajar pelo estrangeiro que a adesão à UE lhes traz. Ao mesmo tempo, muitos eleitores mais velhos viam que deixar a UE seria como uma oportunidade para que o Reino Unido controlasse melhor a imigração.
O sofrimento no sul da Europa reflete um sentimento existente em grande parte do mundo ocidental de que a geração mais jovem terá que lutar muito para ultrapassar os seus pais em riqueza e segurança. Metade dos italianos que responderam no ano passado a uma pesquisa on-line no sítio Monster.com sobre empregos disseram que achavam que vão ganhar menos ao longo das suas carreiras do que os seus pais.
Os jovens italianos, que suportaram o peso da prolongada recessão do país, em triplo V, ainda carregam as cicatrizes que afetarão as suas perspetivas de carreira, de compra de casa e de natalidade durante as próximas décadas.
Os bancos estão relutantes em conceder empréstimos a pessoas com contratos de curto prazo, o que ajudou a empurrar a idade média dos compradores de casa para 41,6 anos em 2017, quando era de 39,4 anos em 2012, de acordo com Fabiana Megliola, diretora de investigação para o grupo imobiliário Tecnocasa. Em 2017, 56% dos compradores de casas em Itália tinham idades abaixo dos 45, 10 pontos percentuais a menos que em 2012.
O número de italianos que se casaram caiu de um quinto na última década, de acordo com o Istat. Em 2016, o último ano para o qual os dados estão disponíveis, os homens italianos casaram-se em média na idade dos 35 anos e as mulheres com média de 32 anos, em ambos os casos dois anos a mais que em 2008. Os nascimentos atingiram o seu ponto mais baixo no ano passado.
Falta de retoma
Na Itália, os problemas económicos levaram muitos adolescentes a viverem com os pais e a não se casarem.
Parte dos adultos de idade entre os 25 e os 34 anos que vivem com os seus pais em 2016

Número de novos casamentos em Itália

Num país com laços familiares fortes, os pais estão a intervir para ajudar os seus filhos jovens adultos. Eles muitas vezes podem dar-se ao luxo de poder ajudar, porque usufruem de pensões que são o fruto de décadas de benefícios de pensões de reformas generosas. A Itália gasta mais de 15% do seu rendimento económico em pensões, o valor mais elevado na Europa, com exceção da Grécia.
Cerca de metade dos italianos com idade entre 25 e 34 vivem com os seus pais, segundo o Eurostat, quase o dobro da média europeia e mais do que em qualquer outro país da Europa Ocidental. Este número aumentou 3 pontos percentuais na última década. E mais de um terço dos italianos na casa dos seus 30 anos recebem ajuda económica dos seus pais ou avós, de acordo com um relatório da Associação da agro-indústria Coldiretti e pela empresa de inquéritos Ixè.
Partidos como o 5 Estrelas poderão continuar a conquistar mais jovens eleitores, se eles forem capazes de promulgar algumas das políticas pró-juventude que os seus líderes defenderam em campanha. “Eu não estou interessado em política, porque ninguém em ambos os lados [do espectro político] está a fazer grande coisa para ajudar os jovens”, disse Giada Gramanzini, 29 anos de idade, diplomada pela Universidade italiana. Giada Gramanzini não encontrou um emprego estável desde que decidiu não renovar um contrato de três meses como rececionista em tempo integral em que lhe pagavam cerca de $2.70 por hora. No ano passado, ela voltou a viver com os seus pais aposentados e enviou mais de 70 currículos antes de se mudar para Nova York no mês passado para tentar a sua sorte num outro país.
Nas eleições de março, ela votou por um pequeno partido pró-europeu, no que ela chamou de um protesto contra o partido democrata – o partido centro-esquerda que governou nos últimos cinco anos. Ela não sentia que o 5 Estrelas estivesse pronto para governar.
O seu pai, Emilio, recebe uma boa pensão, depois de trabalhar a maior parte de sua carreira para a administração municipal de Nápoles. A sua mãe, Daniela, começou a trabalhar em tempo integral aos 20 anos e foi funcionária dos serviços camarários da cidade durante várias décadas. Daniela aposentou-se no ano passado.

Daniela preocupa-se com o início tardio da entrada de Giada na vida adulta. “Como é que podemos não nos preocuparmos com a nossa filha se aos 29 ela ainda não encontrou o seu caminho?”, pergunta a mãe.
—Nektaria Stamouli e Jeannette Neumann contribuiram para este artigo.
Texto republicado por http://gonzaloraffoinfonews.blogspot.com/2018/06/the-force-behind-europes-populist-tide.html
O autor: repórter no Wall Street Journal. Esteve anteriormente Informilo, Financial Times, The New York Times e International Herald Tribune. Formação académica: The John Hopkins University – Paul H. Nitze School of Advanced International Studies.