Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Diagnóstico inútil ou programa político?  Por Heiner Flassbeck

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Seleção e tradução de Francisco Tavares

Obrigado a Heiner Flassbeck

Diagnóstico inútil ou programa político?

Heiner-Flassbeck por Heiner Flassbeck

Publicado por flassbeck_logo em 9 de agosto de 2018

Integrando a nossa discussão sobre o TARGET [1], já tinha perguntado o que move os economistas alarmistas, que apenas advertem mas nunca apontam as razões para os problemas que eles “revelaram”? Agora, o líder desta espécie, Hans-Werner Sinn, está de volta e aproveita o 20º aniversário do euro como uma oportunidade, de forma completamente inútil, que o euro não foi uma história de sucesso. Por conseguinte, devemos perguntar explicitamente que agenda política de quem prossegue este homem, que tão voluntariamente se apresenta a si próprio como um académico neutral?

Sinn escreve na sua coluna no diário económico alemão Handelsblatt:

“Se considerarmos a data das taxas de câmbio em maio de 1998 como o ponto de partida, o euro tem a idade de 20 anos. A primeira década foi de festa na Europa do sul, a segunda foi em clima de ressaca – e a terceiraaestá marcada por uma crescente radicalização política”.

O homem que, em tempos, queria impôr cortes radicais nos salários na Alemanha, dedica quatro quintos do seu artigo à Europa do sul, que para ele é constituída por Itália, Espanha, Portugal e Grécia. Com a sua apelidada “festa” nos primeiros dez anos, a Europa do sul lançou as bases da crise na zona euro, que continua até hoje devido à política irresponsável do BCE e aos saldos dos bancos centrais nacionais da zona euro junto do BCE (TARGET balances), acima de tudo à custa dos alemães.

A França nunca é mencionada e o papel devastador desempenhado pela Alemanha na criação da crise do euro é, claro, completamente ignorado, tal como se espera de um “bom” economista alemão. Apenas os outros – segundo Sinn – perderam irresponsavelmente a sua competitividade e agora não querem assumir a responsabilidade pela sua prodigalidade.

 

Nos países em que “governam os socialistas radicais”

Mostrámos em muitos artigos (aqui, por exemplo) que as análises económicas do Sr. Sinn não têm sentido, pelo que não que não desejo repetir tudo de novo. Contudo, a classificação política do emérito professor de economia é absolutamente grotesca. Ele deplora corretamente a ainda miserável situação económica nos quatro países europeus do sul e, sobretudo, menciona o baixo nível de produção industrial e o persistente alto nível de desemprego jovem. Mas depois entra numa avaliação política que mostra de uma vez por todas a verdadeira motivação da sua argumentação. Escreve ele:

“Estes países são governados por socialistas radicais que não querem saber de disciplina orçamental, e em Itália os velhos partidos foram varridos do mapa. O governo radical do Movimento Cinco Estrelas e da Lega, sob a proteção dos outros países do euro, quer obter muito mais empréstimos do que aqueles que já tem e ameaça deixar o euro se a UE lhe negar esse direito”.

Isto é mais do que absurdo; é uma pérfida e sem dúvida deliberada distorção das condições políticas. Na Grécia, como qualquer criança sabe, não foram os socialistas, que tinham sido democraticamente eleitos pela primeira vez em janeiro de 2015, mas sim a troika que expulsou todo e qualquer socialismo e forçou uma política estritamente neoliberal aos socialistas desde o verão de 2015. Em Portugal, o Partido Socialista sob António Costa atingiu o poder em 2015 porque o governo conservador que o precedeu conduziu o país a uma crise cada vez mais profunda. Desde então, a economia estabilizou de algum modo pela primeira vez. O ministro das finanças deste governo é agora o líder do Eurogrupo, o que certamente não indicia que os socialistas radicais estejam em ação neste forum.

Ainda mais incrível é a qualificação sem sentido das condições políticas em Espanha. Aqui, os muito moderados social-democratas sob Pedro Sánchez assumiram o poder há apenas dois meses, retirando-o aos conservadores (via um voto de não confiança), conservadores que, acreditem ou não, estiveram no poder desde 2011 até 2018 sob Mariano Rajoy. Mas isto não é tudo. O novo governo italiano apenas é incluído entre os socialistas porque quer contrair empréstimos (ver a minha análise aqui)!

 

A agenda política é nacionalista

Isto é tudo tão ridículo que nem vale a pena criticá-lo. No entanto, mostra muito claramente a agenda política do escriba que recorre a coisas absurdas. Precisamente no debate do TARGET, sob a capa de académico, Sinn está tão somente preocupado em criar um clima contra o euro. Ao mesmo tempo, contudo, ele está certamente a fazer propaganda para aqueles que, de um ponto de vista nacionalista alemão, estão empenhados na abolição do euro e prosseguindo um programa neo-liberal extremo. Toda a liderança do Partido alemão de ulra-direita, o AFD, só pode aplaudir a argumentação acrobática de Sinn.

Ao negar qualquer culpa alemã, fomentando objetivamente velados ressentimentos em relação a outras nações, e atirando todas as culpas para cima dos “socialistas”, matam-se vários coelhos de uma só cajadada. E se isso é feito sob a capa de um “académico objetivo”, é particularmente eficaz, porque a grande maioria dos alemães ficam deliciados quando os seus preconceitos parecem ser cientificamente confirmados.

Quando compreenderão isto os académicos ativos das universidades alemãs e se distanciam abertamente de um dos seus que andou sempre na fronteira da seriedade e agora cruzou claramente essa fronteira e está envolvido numa campanha política nacionalista?

Este artigo foi publicado em alemão em Makroskop (makroskop.eu) e em inglês em Brave New Europe (braveneweurope.com).

 

Texto original em http://www.flassbeck-economics.com/useless-analysis-or-political-programme/

 

[1] Tecnologia de processamento de pagamentos transnacionais dentro da zona euro.

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