A GALIZA COMO TAREFA – alteridades – Ernesto V. Souza

Sempre gostei da história alternativa. Também da história como fição alternativa, como género de romance, mas não falo nisso. Apenas de se focar num momento da história, num episódio, numa biografia e de analisa-lo contextual e documentalmente no possível e intensamente. Mas não ficar aí, senão na compreensão e análise de qualquer momento da história como um ponto no espaço no cruzam infinitas trajetórias e são possíveis um conjunto complexo de soluções apenas determinadas pelas circunstâncias e o agir, não poucas vezes absurdo e irreflexivo, dos seres humanos no comando.

Os estados modernos, seguindo o magistério das grandes religiões de Ocidente e dos imperadores e reis do Oriente jogam desde há muito a fixar, expurgar, ajustar a história numa narrativa linear, teleológica e ajeitada as virtudes, normas, convenções e modas do momento, impulsadas ou desejadas pelos poderes e as oligarquias. Não sempre, tantas vezes na realidade, dão as contas ou casam as cronologias e factos expostos.

Pois a historia, a cultura, as línguas, a literatura, as religiões, as tradições culturais, os elementos constitutivos da nação,  vistas relativamente como adições de processos, acontecimentos, mudanças, casualidades, decisões e teimas dos poderosos dos que resultam camadas de elementos, e narrações, podem ser contemplados, em conjunto, como um pastiche, de legitimidades, relíquias, restos, antiguidades, falsificações, interpretações possíveis e desencaminhadas, restauros e adaptações, sempre mais moderno tudo do que se pretende, com ajustes e reajustes de pomposa exibição propagandista e com belos enganos filhos da perspetiva matemática e artifícios à trompe-l’œil.

E com as línguas é bem a mesma cousa. Antes da escolarização obrigada e uniforme, antes da imprensa e a tv, antes da reforma abrir a língua e a leitura aos vulgares, antes da França em momento e exaltação de poder superar o latim como língua de cultura e elemento de comunicação internacional na Europa, as línguas e com elas as literaturas nacionais não eram o que hoje pensamos, nem serviam nem tinham as funções completas, nem  o valor identificativo de reivindicação, passaporte e símbolo que hoje lhes damos.

Viajar ainda hoje, pela França, pela Itália, pela Espanha e por Portugal de ouvidos e olhos bem abertos, com uma base léxica ampla, descrente dos falsos amigos (entendendo-os como meras possibilidades e soluções fixadas) e um mínimo de etimologias na cabeça daria para questionar tanto a eternidade das nações quanto a substancialidade identitária das línguas Romances. Pelo menos tanto como podemos rir hoje dos Paços, academias e leis dos velhos Reis, dos foros, muralhas, aquedutos, canais de agua, e vias dos Imperadores da China, da Roma, ou do poder temporal e exibicionista dos Faraós do Egito e os Papas de Roma.

Seria curioso, no caso Europeu, que permanecesse a diglossia Latim Romance e também todo o leque de Oriente a Ocidente dos inúmeros dialetos europeus, com as suas literaturas romances, sem aquelas unificações burguesas necessárias os acionistas de ferro-carris, parlamentos e grandes mercados.

Os outros talvez existam, mas é mais doado aprendê-lo na escola e dá-lo por bom a base de repetir tópico sobre tópico até fazer muro, fosso e fronteira, que demonstrá-lo.

2 Comments

  1. Quiçá…Mas onde estão aí as casses dominantes e os povos que senhoreiam outros e ajustam a história construindo o estado como estrutura fulcral da sua dominação e da sua nacionalização dos submetidos, é dizer, da dominação

    1. Essa é uma boa pergunta… mas a questão é porque esses povos, essas classes, esses indivíduos chegaram a ser assim? é dizer, que sucessos, que evoluções, que circunstâncias aconteceram previamente, que expliquem cada passo delas no presente ou no passado?
      Apertas,

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