A ITÁLIA NA ENCRUZILHADA – V – POR ANNA ROSA SCRITTORI

 

A situação

«Uma experiência destinada a arrasar as tradicionais categorias da política do século XX». É a opinião que recorre com mais frequência nos comentários de muitos observadores da direita internacional a propósito do actual governo italiano. A novidade de tal experiência residiria no facto de o contrato subscrito pelas forças do governo (“Lega” e “M5s”) anular a tradicional oposição entre direita e esquerda na gestão do Estado. E com isto não favorecer a actualização do Estado liberal numa mais ampla estrutura supra-nacional (a Europa), redescobrindo assim a soberania separada dos diversos Estados, e promovendo contemporaneamente a gestão efectiva do poder por parte do “povo” nas formas de democracia directa gerida pela rede.

A “Lega” de Salvini actua um programa político fundado nos valores do nacionalismo (primeiro os Italianos); o “Movimento 5 estrelas”, por sua vez, através da plataforma Rousseau (gerida por uma sociedade privada) preocupa-se em interpretar a vontade e as necessidades do “povo”, desvalorizando a função democrática e cultural dos chamados “corpos intermédios”: partidos, sindicatos e organizações da sociedade civil que normalmente asseguram a oportuna intermediação entre os diversos poderes do Estado e as realidades locais que formam as vivências da “gente”.

Depois de dez meses de governo, todavia, a “experiência” aparece cada vez mais como uma fórmula vazia e os dois partidos que dele fazem parte, que subscreveram uma manobra económica em défice contra a “austerity europeia”, manifestam contínuas divergências sobre as medidas a adoptar: “flat tax” e/ou rendimentos de cidadania?; potenciamento das infraestruturas e/ou tutela do ambiente?.

Com tais premissas, a actividade de governo está em fase de estagnação, a economia regista os primeiros sintomas de recessão, mas, dado que, de momento, não existe uma possível alternativa, o contrato entre “Lega” e “M5s” continua como pura fórmula de poder. O verdadeiro “patrão” da situação é obviamente Matteo Salvini, que, com a sua atitude musculada e xenófoba, obtém um cada vez maior consenso entre os eleitores, enquanto os “grillini”, mais atentos a medidas sociais mas politicamente incompetentes, registam uma forte queda de preferências nas sondagens, mas, como se sabe, os membros do governo estão empenhados numa permanente campanha eleitoral, vestindo, de cada vez, a pele da maioria e da oposição.

 

E a esquerda?

Depois da pesada derrota eleitoral de 2018, o Partido Democrata só recentemente reapareceu na cena política com a eleição do novo secretário, Nicola Zingaretti, que aprontou um programa para refundar a identidade de um partido de esquerda e construir uma alternativa credível às escolhas do actual governo. Os temas sobre os quais se funda a actividade do novo PD são, obviamente, o empenho pelo trabalho, o contraste às desigualdades sociais, abrindo-se aos grupos de voluntariado que trabalham na periferia das grandes cidades, o apoio à investigação científica e à inovação tecnológica, com a finalidade de oferecer novas possibilidades ao futuro dos jovens. A prova de um efectivo “renascimento” do PD será visível só nos resultados das próximas eleições europeias.

O debate cultural

Nestes últimos meses, mais do que nas secretarias dos partidos, empenhados na difícil campanha eleitoral para as eleições de Maio, o debate cultural sobre a situação italiana desenvolveu-se principalmente entre intelectuais e opinionistas que tentaram analisar os eventos de hoje em relação com os grandes movimentos históricos e com as expectativas do futuro. Os episódios de racismo e xenofobia, que se verificaram quase diariamente em várias cidades da Itália, induziram os comentadores a interrogar-se se o forte consenso popular concedido à extrema-direita  não é um retomar de modos e comportamentos do período fascista.

No seu M Il figlio del secolo (“M O Filho do Século”), Antonio Scurati sustenta que uma revisitação histórica cuidadosa das causas e dos eventos que caracterizaram o nascimento do fascismo é útil para iluminar as diferenças entre os eventos de então e os do nosso tempo, e sobretudo para reforçar as escolhas do antifascismo, que fundou, no após-guerra, a República Italiana. Scurati segue a parábola do fascismo e a história pessoal de Mussolini de 1919 a 1925 como se se tratasse de um romance em que nada é inventado. Escreve o autor: «cada personagem, diálogo ou discurso narrado está historicamente documentado e testemunhado por mais do que uma fonte. Dito isto, é também verdade que a História é uma invenção à qual a realidde fornece os seus materiais».

Valendo-se de cartas, artigos de jornal e despachos oficiais, o escritor traça a evolução do movimento fascista. Em 1919, para cobrir a desilusão do Tratado de Versallhes – que, no fim da primeira guerra mundial tinha humilhado a Itália -, Mussolini promove a formação dos “fasci de combate”, cobre as acções violentas dos seus “arditi” (valentes) contra os socialistas maximalistas, os quais provocam a “greve dos patrões” nas fábricas entre combates e violências inauditas, mas vencem as eleições. O insucesso nas eleições de 1919 é apenas temporário porque Mussolini, apoiado pelo consenso da burguesia e de muitos intelectuais, entre os quais D’Annunzio e Marinetti, afirma-se cada vez mais; em 1922 tem lugar a chamada “marcha sobre Roma”; em 1923 é fundado o PNF (Partido Nacional Fascista); em 1924 o assassínio de Giacomo Matteotti, deputado da oposição socialista, assinala o início oficial da ditadura fascista que, entre alternadas peripécias, termina apenas com o final do segundo conflito mundial.

Michela Murgia, por sua vez, no seu Istruzioni per diventare fascisti (“Instruções para se tornar fascistas”), ocupa-se do problema com a ligeireza da ironia, ligando-se idealmente ao saboroso “pamphlet” em que Umberto Eco revelou que uma certa inclinação para o “fascismo” faz parte do ADN de nós italianos, que, mais cedo ou mais tarde, teremos que enfrentar «o fascista que está em nós». A argumentação da escritora desenvolve-se através do paradoxo, mas parece convincente. Segundo ela, por causa das dificuldades de o sistema democrático resolver muitos problemas, «os povos tornam de boa vontade ao fascismo de modo quase espontâneo». Os sinais de tal adesão são múltiplos: a transformação do líder em Chefe, a simplificação do pensamento e da linguagem, a criação da figura do inimigo, a insistência na necessidade de protecção, usando até a violência… «Ser democrata», sustenta M. Murgia, «é uma fadiga imensa. Então porque continuamos a sê-lo quando podemos escolher um atalho mais rápido e seguro?».

No seu ensaio La notte della Sinistra (“ A noite da Esquerda”), Federico Rampini, por seu lado, elenca os muitos erros cometidos pela Esquerda em Itália, e não só. Segundo ele, a crise global da frente progressista só se inverte partindo do zero, renunciando à assimilação dos “divos” de Hollywood e dos “big” da Silicon Valley, e recomeçando da periferia. Ainda quanto a Rampini, o grande erro do PD foi o de ignorar os medos e o pedido de protecção dos cidadãos mais débeis, deixando-os à gestão da direita de Salvini.

(Tradução de Manuel Simões)

2 Comments

  1. Mas a Itália será um País? Na verdade, será bom não esquecer que nunca foi outra coisa mais do que uma manifestação expansionista (colonizadora) do Reino da Sardenha (Saboia e Piemonte). Os multinacionalismos – mais ano, menos anos – desmoronam-se. CLV

  2. E’ vero ma bisogna considerare anche i molti moti ottocenteschi contro le occupazioni straniere in molti stati
    italiani. Garibaldi, per esempio- vero eroe del Risorgimento- con la sua campagna militare tendeva a unificare l’Italia dalla Sicilia al Veneto. Poi, contro il volere di Mazzini, dovette fermarsi per il dictat del primo ministro del regno di Sardegna. Così dopo qualche anno si è formato il Regno d’Italia sotto i Savoia.
    La Resistenza e la guerra di liberazione (1943-45) contro i nazi-fascisti è considerata un secondo risorgimento perchè ha fondato La Repubblica Italiana e òasua costituzione democratica

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