A teoria do “Maior Idiota ” conduz a um mundo estranho de rendimentos negativos. Por Neil Collins

Espuma dos dias_globalização_financeirização_taxas juro negativas 2

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

A teoria do “Maior Idiota [1]” conduz a um mundo estranho de rendimentos negativos

Empréstimos concedidos a perder dinheiro só fazem sentido se houver outros compradores dispostos a arriscar perdas ainda maiores.

 

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Publicado por FTimes em 23 de agosto de 2019 (ver aqui)

Republicado por Gonzallo Rafo (aqui)

19 A teoria do Maior Idiota
Jyske Bank oferece aos seus clientes hipotecas em euros a 10 anos a uma taxa de menos 0,5 por cento © Reuters

 

Assim, senhor Christiansen, quanto gostaria que lhe pagássemos pelo privilégio de lhe emprestarmos dinheiro? Será que 0,5 por cento ao ano seria suficiente? Isto não é fantasia. O Jyske Bank, uma instituição financeira dinamarquesa altamente respeitável, está a oferecer aos seus clientes nacionais hipotecas em euros a 10 anos a uma taxa de menos 0,5%. Está a pagar-lhes para ficarem com o dinheiro.

O Governo alemão sabe de tudo isto, pois os investidores preparam-se para aceitar uma perda garantida se mantiverem os seus títulos de dívida pública, os Bunds, até à maturidade. Como observa o diário de mercados Grant’s Interest Rate Observer: “Um quarto das obrigações empresariais e públicas de todo o mundo tem um preço que permite obter um rendimento de menos que nada.”

Bem-vindo ao mundo estranho das taxas de juro negativas. Tem sido rentável, também, para os compradores anteriores. Como a Lex salientou esta semana, o governo alemão reembolsou 30% da sua dívida no decorrer no ano passado.

Pode haver ainda mais ganhos, mas estamos aqui perante a teoria do “Maior Idiota “. Ouvimos os argumentos de que as companhias de seguros e os fundos de pensões precisam de fazer corresponder o retorno dos ativos presentes às responsabilidades futuras, mas isto só faz sentido se essas responsabilidades diminuírem, o que seria uma novidade. De outra maneira, emprestar com perda garantida só faz sentido se for possível encontrar outro comprador que esteja preparado para arriscar uma perda garantida maior.

Quanto aos bancos, ainda não se adaptaram a este admirável mundo novo. Se eles cobram aos clientes para cuidar de seu dinheiro, vamos, em vez disso, manter o dinheiro debaixo do colchão. Isto reduz os balanços dos bancos precisamente quando deveriam ser encorajados a expandir os seus empréstimos.

O Sr. Christiansen pode estar encantado por estar a ganhar dinheiro com a sua hipoteca. Os seus colegas dinamarqueses poderão estar menos satisfeitos com o impacto a longo prazo na sua economia.

Será que eles ousam enviar para a sucata o HS2?[2]

Ao contrário do nosso senhor Christiansen, o Governo do Reino Unido continua a ter de pagar juros sobre a sua dívida, mas a taxa é inferior a 1%. Isso ajudará os defensores do comboio financeiro fugitivo que é o HS2 na revisão independente, que o último secretário de transportes lançou esta semana.

A primeira regra destas revisões é decidir sobre a resposta que se quer e escolher os membros do painel para a produzir. Assim, o presidente é um ex-presidente da HS2 Ltd, e os nove membros incluem o ex-presidente do Rail Freight Group, o presidente da Network Rail e o presidente do Transport for the North.

É pouco provável que a revisão conclua que todo o empreendimento é um erro terrível. Mais provável é algum truque de conjetura pelo qual o custo projetado pode ser recalculado para parecer mais aceitável – talvez terminando a linha inconvenientemente longe de Londres.

Para evitar parecer um encobrimento, a revisão também deve produzir projeções confiáveis de receita de passageiros e de custos operacionais, algo que o governo não teve coragem de fazer. O painel poderá até ousar concluir que há um preço ao qual faz sentido amortizar os 4 mil milhões de libras já gastos e investir em vez disso numa rede de que se precise desesperadamente.

Precisas mesmo daquele carro elétrico?

Se o leitor pensa que estava a salvar o planeta, abandonando o seu diesel sujo e passando a andar de carro elétrico, aqui está um choque desagradável. A Comissão Científica e Tecnológica do Parlamento do Reino Unido concluiu que se deve abandonar completamente o automóvel. A posse generalizada de veículos pessoais, diz, “não parece ser compatível com uma significativa descarbonização “.

Este é mais um golpe para a indústria automóvel do Reino Unido, ofegante com as más vendas e a depositar as suas esperanças em ser salva por estes veículos “limpos”. A diabolização do gasóleo já era suficientemente má, mas pior ainda é a ideia de que a próxima geração não aspira a nenhum novo motor brilhante. Não é divertido se o leitor é sempre o motorista designado.

A comissão conclui que os veículos elétricos não eliminam as emissões, mas apenas as deslocam para longe da vista, quer através da extração das matérias-primas necessárias para as suas baterias, quer para os geradores de energia.

Está mais na moda do que nunca preocupar-se com as alterações climáticas, e mais de metade dos cidadãos do Reino Unido dizem que são a favor de emissões “líquidas zero” até 2050, de acordo com um estudo da Ipsos Mori. Relatórios como este do Parlamento mostrarão se estamos a falar a sério sobre os sacrifícios necessários para lá chegar.

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Notas

[1] Nota de Tradutor: Em finanças e economia, a teoria do “Maior Tolo” afirma que o preço de um objeto é determinado no mercado não pelo seu valor intrínseco, mas pelas crenças irracionais e pelas expectativas dos participantes do mercado. Um preço pode ser justificado por um comprador racional sob a crença de que outra parte está disposta a pagar um preço ainda maior. Por outras palavras, pode-se pagar um preço que parece “loucamente” alto porque se pode ter racionalmente a expectativa de que o item pode ser revendido a um “tolo ainda maior”.

[2] N.T. A High Speed 2 (HS2) é uma linha ferroviária de alta velocidade planeada para o Reino Unido.

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O autor: Neil Collins, é comentador de mercados financeiros no Financial Times. Anteriormente trabalhou para Daily Telegraoh, London Evening Standard, Sunday Times e Reuters.

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