Em tempos de quarentena, é bom e fecundo trazer a este nosso Hoje Covid-19, outros Hoje, quando a pandemia dá pelo nome de fascismo salazarista, com a Pide/DGS e a Guerra Colonial. Sou ordenado Presbítero, nesses terríficos tempos de presos políticos, que é uma outra forma de quarentena bem pior. Nos primeiros 5 anos, não sou pároco. O bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Admnistrador Apostólico da diocese faz questão de me nomear Prof de Religião e Moral, pago pelo Estado e cuja aula é então obrigatória. Primeiro, no Alexandre Herculano e depois no D. Manuel II, um e outro só de rapazes.
Só depois de expulso de capelão militar na Guiné-Bissau e já com o rótulo de ‘padre irrecuperável’, é que sou nomeado pároco de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses. Com a Pide/DGS sempre à perna. E os sobrinhos da ‘Fidalga’ dona de metade dos campos da freguesia e da ‘Casa da Igreja’ onde ela própria reside, ao lado do pequeno adro do templo paroquial, do qual se acha dona e gestora. O que me vale é já então não saber por experiência o que é o Medo. E ao ver-me cercado de espias e de hipócritas, o Humor, irmão gémeo do Amor, cresce mais e mais dentro de mim e desarma-os a todos. Até os agentes da Pide/DGS ficam aos papéis comigo e nos frequentes interrogatórios a que sou submetido, acabo sempre por levar a melhor, porque só respondo às perguntas deles, quando me autorizam a ditar directamente para o escrivão – é então o tempo das máquinas-de-escrever – as minhas respostas. De modo que eles saem sempre a perder.
Exonerado depois de 14 meses, sou de novo nomeado pároco. Desta vez, para Macieira da Lixa e por D. António, recém-regressado do exílio ‘dourado’ de 10 anos. E se em Paredes de Viadores, dou à luz o Boletim paroquial ‘SEMENTE VIVA’, em Macieira da Lixa, dou à luz o Boletim paroquial ‘ENCONTRO’. Cujas primeiras Edições vêm depois a integrar o Processo levantado contra mim pela Pide/DGS, que tem como ponto de partida, a denúncia do então Presidente da Junta, Júlio de Sousa Lemos, cujo ‘prato forte’ é um aerograma que então envio em resposta a um jovem de Macieira a participar activamente na Guerra Colonial em África. Pede-me que reze uma missa para que venha são e salvo da Guerra. Sem ainda nos conhecermos, ao responder-lhe, advirto-o, ‘Estás em África. Não penses que estás a defender a pátria. Isso é mentira. Se eu fosse militar, recusava-me a fazer essa Guerra. Tu, porém, farás o que a tua consciência te disser.’ O jovem envia o meu aerograma para sua mãe que, por sua vez, o entrega ao Presidente. E nessa mesma semana sou preso pela Pide/DGS e levado para Caxias.
Na primeira páscoa que vivo em Macieira, logo em 1970, um dos Textos que escrevo no ENCONTRO, entregue em mão em cada casa, aponta já para o fim do ‘Compasso’. Mas, quando me dou conta de que as populações ainda não estão suficientemente esclarecidas para esse passo qualitativo em frente, aceito sair com o ‘Compasso’, mas, antes, deixo claro que não há foguetes, não comemos nem bebemos nada nas casas, tão pouco há ‘folar’ para o pároco. E é o bom e o bonito, comigo a brincar pelos caminhos da aldeia como um pároco menino. A modos de uma pedagógica paródia pastoral. E em 1971, já não há ‘Compasso’. O que constitui um sadio escândalo em toda a diocese!!!
Chega, logo depois da páscoa, o mês de Maio de 70 com a tradicional novena e a reza diária do terço na igreja paroquial. Aceito a custo a tradição, mas converto a novena em 31 dias de Evangelização. Em vez do terço completo, reza-se apenas, devagar, 1 Pai Nosso e 10 Avé-Marias. Dou-me entretanto ao trabalho de escrever cada dia o Texto que hei-de dizer como meditação na novena,ao final de cada tarde. Disponho, no final do mês, de 31 Textos. Nasce assim o Livro, ‘MARIA DE NAZARÉ-Um Pequeno Povo de Pobres Reconhece-a Como a Companheira Ideal no Esforço a Fazer Para a Libertação de Todos’. O Livro, com chancela ‘Afrontamento’, é de imediato apreendido e proibido pela Pide/DGS e é mais uma peça do Processo levantado depois contra mim.
Venho a saber, após sair da minha primeira prisão política, que o Livro vendeu clandestinamente milhares e milhares de exemplares. Alegro-me e fico surpreendido com o que a Afrontamento me entrega em dinheiro de Direitos de Autor. Converto todo esse dinheiro numa doação à Fábrica da igreja, para ela adquirir um campo e erguer nele um Jardim Infantil, mas com animação cultural. Só que, na semana em que vão iníciar-se as obras, sou preso segunda vez pela Pide/DGS e o Bispo tira-me de pároco. E ainda hoje o campo lá está, mas a fazer de arraial para a festa de S. Roque. Cuja, enquanto sou o pároco, nunca chega a realizar-se. Pois nos damos conta, a Comissão e eu, de que afinal, a haver festa, ela deveria ser ao cão de S. Roque, porque, segundo os pregadores que antes vinham cá fazer o sermão, o santo é ele, porque cuida do Roque e o alimenta!!!
Os outros Textos das outras Pastas já activadas:
1 Poema de cada vez
O PALÁCIO DA VENTURA
Antero de Quental
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Evgeny Morozov
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Andrés Torres Queiruga
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