Cimeira da UE: avanço ou recuo na reconstrução da Europa? Texto 1 – Braço de ferro sobre o Fundo de Recuperação, entre vetos cruzados e prendas. Por Anna Maria Merlo

Europa avanço ou recuo 6

Seleção de Júlio Marques Mota e tradução de Francisco Tavares

Texto 1 – Braço de ferro sobre o Fundo de Recuperação, entre vetos cruzados e prendas

Anna Maria Merlo Por Anna Maria Merlo

Publicado por Il Manifesto em 19/07/2020 (ver aqui)

 

Sem travões. No Conselho Europeu está a ser procurado um compromisso de um dia para o outro. Os países “frugais” recebem mais dinheiro e exigem o direito de veto sobre os mediterrânicos.

Cimeira UE 1 Braço de ferro sobre o fundo Recovery entre vetos cruzados e prendas 1

 

No segundo dia do Conselho Europeu “histórico” para o plano de recuperação pós-Covid, a Europa continua a debater, concentra-se numa miríade de números, enquanto, como avisa o Comissário do Orçamento, a crise do Coronavírus não terminou e os cidadãos e a economia precisam urgentemente de respostas.

Os 750 mil milhões do prometido plano de recuperação com o nome optimista Next Generation EU, são atacados, a França e a Alemanha viajam juntas e defendem o número, os “frugais” impõem modificações e controlos, um travão de super-emergência para supervisionar os gastos dos habituais suspeitos. O Presidente do Conselho, Charles Michel, faz uma chuva de prendas, alguns milhões aqui e ali, e na intransigência de ontem olhou para outro lado quando se tratou do respeito pelo Estado de direito.

E no final, propõe cortes miseráveis, piores do que as propostas dos “avarentos”: menos 2 mil milhões para Horizon, programa de investigação, 2,7 mil milhões de poupanças na saúde em pleno Covid, 5 mil milhões de redução para a transição agrícola.

As negociações continuam durante a noite. Durante o jantar, o Presidente do Conselho, Charles Michel, trouxe a última versão do compromisso para um acordo, com alguns ajustamentos ao projecto discutido durante o dia.

Uma DÍVIDA COMUM reduzida na parte das subvenções, mesmo que apenas ligeiramente segundo Michel (menos 50 mil milhões, de 500 para 450 mil milhões), de facto 325 mil milhões (em vez de 433 mil milhões da versão anterior) se se subtrair o financiamento atribuído ao BEI e outras linhas de crédito, mas os “frugais”, que de 4 passaram a 5 (Holanda, Suécia, Dinamarca, Áustria, mais Finlândia), pedem menos 155 mil milhões; um “super travão de emergência” concedido às exigências dos Países Baixos e dos frugais, que permite pôr em causa os planos nacionais de recuperação que suscitam críticas no escrutínio feito pelo Ecofin, uma espécie de veto ligeiro, que suscitou fortes reacções de Giuseppe Conte; um aumento de “descontos” para os países contribuintes líquidos que já estavam a beneficiar deles, mais 50 milhões para a Áustria, 25 milhões para a Dinamarca e Suécia; e depois uma chuva de prendas para passar a pílula, mais 100 milhões para Espanha e Portugal para as regiões desfavorecidas, 200 milhões para a Bélgica, mil milhões para a República Checa, 100 milhões para Chipre, 240 milhões para a Eslovénia e até 100 milhões para o Luxemburgo através do programa ReactEu.

E para compensar um pouco esta prodigalidade marginal, cortes míopes mais do que surpreendes: menos 2 mil milhões para Horizon, o programa europeu de investigação, menos 2,7 mil milhões para a saúde, menos 5 mil milhões para o desenvolvimento rural.

Num TEXTO DE 65 PÁGINAS, o Presidente do Conselho, Charles Michel, tentou ontem convencer os 27 Chefes de Estado e de Governo reunidos no segundo dia da cimeira, após um primeiro dia que arriscou, na sexta-feira à noite, ver o fracasso total do programa de recuperação europeu, Next Generation Eu, que deverá permitir à Europa sair da crise pós-Covid, que conduz este ano a uma recessão de mais de 8% do PIB e a um aumento dramático do desemprego.

A FRANÇA RECUSA Cortes no montante de 750 mil milhões, em consonância com o Europarlamento, que ameaça votar contra se houver regateio entre o Fundo de Recuperação e o orçamento 2021-27. Angela Merkel e Emmanuel Macron uniram forças, sempre como um par nas reuniões de grupo.

Para ATENUAR O SALTO federal do empréstimo comum, a UE poderia renacionalizar de facto parte das políticas: cortes na PAC (uma questão candente para a França), mas também a concessão – com os Países Baixos entre os principais beneficiários – de um aumento para 20% do montante dos direitos aduaneiros atribuídos aos orçamentos nacionais (os Países Baixos têm muitos portos, a partir dos quais passam as importações destinadas a todo o bloco da UE).

A Hungria utilizou a caneta vermelha para eliminar do texto proposto por Charles Michel todas as referências ao respeito pelo Estado de direito, uma forma de nos lembrar que sobre qualquer acordo pesa sempre a ameaça de veto de Orban, que não quer ouvir qualquer crítica ao seu governo iliberal e rejeita categoricamente “qualquer condição política prévia” aos pagamentos.

O CORTE no HORIZON é um SÍMBOLO mais do que negativo, porque diz respeito ao futuro e aos jovens: “prevêem cortes orçamentais, referindo-se ao mesmo tempo ao empenho e às competências dos investigadores europeus no combate à pandemia”, denunciou Kurt Deketelaere do Conselho Europeu de Investigação. A Business Europe, a organização patronal, também protestou contra os cortes na Horizon. “Esta negociação é um mau avanço”, disse o Grupo S&D do Parlamento Europeu.

A NEGOCIAÇÃO ARRISCOU-SE A DESCARRILAR na sexta-feira à noite, pelo que Michel apresentou ontem um novo projecto de acordo. Há uma redução na percentagem de “subsídios” aos Estados, como queriam os “frugais”, que preferem empréstimos. Uma parte particularmente delicada diz respeito às condições para o pagamento da ajuda: os Países Baixos pretendiam o direito de veto, obtiveram um super travão de emergência, “se um país tiver algo a objectar”, no prazo de 3 dias exige levar o problema ao Conselho Europeu ou Ecofin, que deve procurar um compromisso.

Mas “quando, excepcionalmente, o compromisso não puder ser alcançado, um ou mais Estados-Membros podem indicar uma oposição razoável à aprovação do pagamento, com base em desvios graves em relação a uma conclusão satisfatória dos pontos e objectivos-chave importantes comuns da UE”. A Holanda saudou este veto ligeiro, “um passo sério na direcção certa”, para Mark Rutte “se um grupo de países quiser realmente subsídios, então estarão sob condições rigorosas”.

O AUSTRÍACO SEBASTIAN KURZ acrescentou: temos de evitar “uma união de dívida a longo prazo, queremos certamente mostrar solidariedade, mas também temos em mente os interesses dos contribuintes austríacos”. A Itália opõe-se, Giuseppe Conte contra-ataca na frente da política fiscal comum e considera o travão de emergência “inaceitável de um ponto de vista jurídico e político”.

O ORÇAMENTO PLURIANUAL 2021-27, que deve ser aprovado, mantém-se em 1074 mil milhões euros (inferior ao proposto pela Comissão e mesmo superior ao proposto pelo Parlamento Europeu), ma jornalistas o Presidente do Conselho apresentou um quadro do orçamento que atribui 1078 mil milhões de euros, ou seja, há 4 mil milhões de euros que não se encontram. O Comissário do Orçamento Johannes Hahn, confrontado com as dificuldades de aprovação, lembrou aos líderes que o tempo está a esgotar-se: “A crise não acabou, o Coronavírus está a crescer. É tempo de encontrar um acordo para apoiar o que é urgentemente necessário para os cidadãos e a economia”.

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A autora: Anna Maria Merlo-Poli, licenciada em Filosofia e doutorada em História da Economia, é correspondente de “Il Manifesto” em França. É também correspondente de “Il Giornale dell’Arte”. Publicou, com Antonio Sciotto “La rivoluzione precária” (Ediesse, 2006).

 

 

 

 

1 Comment

  1. A Europa não do Norte, quer dominar, tomar conta do continente. A Alemanha estado nação desde o século xIx, com Bismarck, fez a 1ª guerra mundial para ficar com colónias em África, matou povos no Namibe, fez a 2ª guerra que foi o horror que sabemos e tenta enriquecer à custa dos do sul da Europa . Com a Troyka encheu os bolsos. Dá-lhe muito jeito dominar esta costa atlântica…E agora há-de tentar LUCROS. Os holandeses beneficiam com offshores para os ricaços portugueses, que com a conivência dos governantes não pagam cá os seus impostos. Temos a cultura da corrupção instalada e contando com a fraqueza da Justiça o que nos denigre, rebaixa. Do que conheço destes povos, de residentes cá, são dum grande pragmatismo, oportunismo e arrogância.
    Eu gosto de ser da europa do Sul onde nasceram as grandes civilizações. Leia-se de braudel “O Mediterrâneo”

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