Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Por Politicoboy
Publicado por em 14 de Julho de 2021 (Trump: vers un retour inexorable au pouvoir, ver aqui)

Longe de ter virado a página do Trumpismo, o Partido Republicano está a redobrar os seus esforços para permitir o regresso do bilionário ao poder, criando centenas de leis para enfraquecer o processo e as instituições eleitorais. Em vez de reagirem ao que denunciam como um ataque sem precedentes à democracia americana, Joe Biden e o Partido Democrata parecem estar presos a uma realidade alternativa onde os compromissos bipartidários com uma oposição golpista devem prevalecer sobre a ação política para proteger o funcionamento das instituições.
Durante as primárias democratas de 2020, Joe Biden insistia frequentemente na sua capacidade de trabalhar com o Partido Republicano, apontando a sua longa experiência no Senado para justificar a sua capacidade de obter compromissos. Esta preocupação parecia na melhor das hipóteses anacrónica, na pior das hipóteses delirante, dado que o Partido Republicano (Grand Old Party – outro nome para o Partido Republicano) fez da oposição sistemática a Barack Obama uma estratégia política vencedora, e depois da sua adulteração ao extremismo de Donald Trump um pré-requisito inultrapassável. No entanto, Biden previa que uma vez derrotado o bilionário, o Partido Republicano experimentaria uma forma de epifania que o traria de volta à mesa de negociações.
A tomada de assalto do Congresso por ativistas pró-Trump poderia ter sido um acontecimento desencadeante. Tendo-se livrado por pouco serem linchados por uma multidão violenta, os líderes do Partido Republicano condenaram fortemente Donald Trump. Mitch McConnell, presidente da bancada republicana do Senado, culpou o bilionário pela insurreição. “Não contem comigo” para defender Trump, diz a influente senadora Lindsey Graham, da Carolina do Sul. Mas a ala mais radical do partido, longe de virar as costas ao presidente em exercício, decidiu redobrar esforços. O chão do Congresso ainda tem as cicatrizes da insurreição quando 138 representantes da Câmara e 7 senadores votam contra a certificação das eleições.
O Partido Republicano procura preservar os seus interesses eleitorais, evitando contrariar Donald Trump
Desde então, os opositores a Donald Trump dentro do Partido Republicano têm sido alvo de verdadeira uma caça às bruxas. Mitch McConnell tem sido repetidamente alvo do antigo presidente, sendo chamado de estúpido “filho da mãe ” e “político escuro, austero e oportunista”. Liz Cheney foi destituída das suas funções de quadro do grupo parlamentar da Câmara numa votação na Câmara dos Representantes depois de criticar as “mentiras de Trump sobre as eleições presidenciais”. Vários eleitos que votaram pela destituição do bilionário em Fevereiro de 2021 foram sujeitos a um voto de desconfiança por parte das sucursais locais do partido. Aqueles que se recusaram a inverter os resultados das eleições em certos estados são alvo de múltiplas ameaças de morte. Nenhuma cabeça deve sobreviver. Qualquer pessoa que conteste a teoria de que Joe Biden roubou as eleições através de fraude eleitoral em massa tornou-se persona non grata.
Donald Trump retomou os comícios de campanha, começando em Ohio, para atacar diretamente o representante republicano local Anthony Gonzales e de dar o seu apoio ao candidato que irá desafiar Gonzales numa primária para as eleições intercalares de 2022. Gonzalez está entre os poucos eleitos conservadores que votaram a favor da impugnação de Donald Trump em Janeiro de 2021.
Mitch McConnell cedeu perante esta demonstração de força. Depois de afirmar que apoiaria Donald Trump em 2024, declarou que “100% dos meus esforços são dedicados a parar a agenda democrata”. O senador do Kentucky é um mestre da obstrução parlamentar, ele que anteriormente se tinha gabado que o seu único objetivo era “levar Obama a cumprir não mais que um mandato”. Estas duas declarações devem ser levadas à sua conclusão lógica. Em 2009, os Estados Unidos enfrentavam a pior crise económica desde a década de 1930. Em 2021, a situação é potencialmente pior. Longe de se recentrar, o Partido Republicano abraçou plenamente o Trumpismo. Alguns parlamentares chamam agora ao assalto ao Capitólio um “passeio turístico”, apesar dos 140 feridos das forças da ordem, das múltiplas hospitalizações e dos quatro mortos entre os manifestantes.
O PARTIDO REPUBLICANO ESTÁ A PREPARAR METODICAMENTE O TERRENO PARA UM SEGUNDO ASSALTO AO PODER EM 2024
O Partido Republicano bloqueou a criação de uma comissão parlamentar bipartidária de inquérito sobre o assalto de 6 de Janeiro. Entre outras coisas, deveria explicar as falhas do dispositivo policial. Embora tivesse sido dirigida conjuntamente por ambas as partes, Mitch McConnell fez esforços consideráveis para impedir a sua criação, e com sucesso.
Politicamente, a comissão era um perigo para o Partido Republicano. Teria sido obrigado a examinar a sua própria responsabilidade pela insurreição e a reconhecer o papel central de Donald Trump. O bilionário não só tinha encorajado a violência, como tinha pedido ao seu ministro da Defesa que facilitasse a marcha sobre o Capitólio e depois recusou-se a chamar os seus ativistas que tinham entrado no Congresso, apesar dos apelos de vários senadores republicanos e do número três do partido, Kevin McCarthy.
O Partido Republicano procura preservar os seus interesses eleitorais, evitando contrariar Donald Trump, e por extensão, os 63% dos eleitores republicanos que querem que ele se candidate novamente em 2024 e os 50% que consideram Biden ilegítimo. Mas para além da sua recusa em condenar a tentativa de golpe, o Partido de Lincoln está envolvido num assalto em larga escala às estruturas democráticas americanas.
Todas as barreiras que impediram o assalto de 2020 serão removidas
O Centro Brennan para a Justiça identificou cerca de 361 novas propostas legislativas para alterar as regras eleitorais. Estados chave como a Geórgia, o Texas e a Flórida estão a intensificar os esforços para restringir o acesso ao voto das minorias suscetíveis de votar Democratas. Por exemplo, ao restringir a utilização de votação antecipada por correspondência, ao reduzir o número de locais de votação nas zonas urbanas e ao proibir a distribuição de água aos cidadãos que aguardam na fila de espera para votar [1]. Algumas disposições visam abertamente as pessoas de cor. Por exemplo, a votação aos domingos após a missa – uma prática amplamente praticada pelos afro-americanos – será efetivamente banida no Texas e na Geórgia. As novas leis também procuram autorizar os cidadãos a virem controlar as mesas de voto, uma medida que até agora tem sido ilegal nos Estados Unidos, mas que Donald Trump tinha encorajado, a priori, a fim de intimidar os eleitores democratas.
Em segundo lugar, as novas leis alteram as regras para a certificação das eleições a nível local. O objetivo é simples: permitir aos republicanos eleitos alterar legalmente o resultado se o seu candidato perder. Isto é algo que Trump tentou fazer sem sucesso em 2020. Na Geórgia, a nova lei permite a substituição dos membros do conselho de supervisão (membros do conselho eleitoral) responsáveis pela organização das urnas a nível do condado. Uma dúzia de supervisores considerados hostis já foram removidos e substituídos por republicanos cumpridores. Em muitos estados, o poder de certificar o resultado final está a ser transferido de organismos onde os democratas tem a sua palavra a dizer para parlamentos onde o Partido republicano é largamente maioritário. No Texas, se a legislação proposta for aprovada, o perdedor poderá procurar alterar o resultado em tribunal sem ter de apresentar qualquer prova de fraude. Tentativas semelhantes foram rejeitadas em 2020 devido à falta de provas. Tais reivindicações serão agora hipoteticamente admissíveis por um juiz conciliador.
Terceiro, muitos dos eleitos e quadros republicanos que defenderam a tentativa de Donald Trump de subverter a eleição são candidatos para os cargos responsáveis pela certificação dos resultados a nível do condado. As manobras de intimidação do bilionário falharam no Michigan e na Geórgia em 2020, graças à integridade dos eleitos conservadores então em funções. É provável que sejam substituídos por extremistas que tenham abraçado este método golpista.
Finalmente, no Arizona, uma comissão de inquérito para auditar os resultados de 2020 foi criada pelo parlamento local controlado pelos Republicanos. Por muito inverosímil que isso possa parecer, a auditoria está a ser realizada por uma empresa privada propriedade de um apoiante político de Donald Trump. O fornecedor em questão, chamado Cyber Ninja, não tem nemhuma experiência na matéria e já cometeu numerosos erros, ao ponto de tornar inutilizáveis as máquinas eletrónicas para futuras eleições. O objetivo não é invalidar os resultados de 2020. Apesar da aparente crença de Donald Trump de que poderia ser reinstalado como presidente até ao final do Verão, não há forma legal de inverter uma eleição certificada.
O objetivo é preparar-se para 2024 persuadindo o eleitorado republicano da existência de fraude massiva. Se a auditoria chegar a esta conclusão, a Fox News e os outros meios de comunicação social conservadores terão apenas de repetir esta mentira durante três anos. Especialmente porque o partido Republicano quer exportar esta tática de auditoria para outros estados sensíveis, tais como a Geórgia e o Wisconsin.
Todas as barreiras que impediram o golpe de 2020 serão assim removidas ou significativamente enfraquecidas. Mesmo que falhem localmente, o partido Republicano poderá inverter o resultado no Congresso federal, desde que tenha uma maioria em ambas as câmaras. E como a direita está a fazer campanha apenas sobre o tema das eleições roubadas de 2020, é pouco provável que os seus eleitores exijam algo menos dos seus eleitos.
UM CÍRCULO VICIOSO DE AFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA
A capacidade do partido Republicano para impor este cenário depende das eleições intercalares de 2022. Para assegurar uma grande vitória, o partido Republicano pode contar com dois elementos.
O primeiro é político. O ocupante da Casa Branca tem perdido sistematicamente estas eleições desde 1934, em média 24 lugares na Câmara dos Representantes. Ora, os Democratas têm aí uma maioria particularmente pequena de 5 lugares, o que lhes garante estatisticamente a derrota. E por uma boa razão. A baixa afluência nestas eleições recompensa sistematicamente o lado que consegue mobilizar a sua base. A este respeito, a oposição tem sempre uma vantagem significativa. 2002 foi a única exceção: a América estava a emergir do trauma do 11 de Setembro e a cota de popularidade de George W. Bush era quase recorde.
O segundo ponto é puramente técnico. O Partido Republicano é um mestre da arte de manipulação na determinação dos círculos eleitorais (gerrymandering), ou seja, a divisão partidária de distritos eleitorais para obter uma vantagem estrutural. A próxima manipulação sobre as áreas de circunscrições eleitorais, feita de dez em dez anos, deverá ter lugar no Outono de 2021. O partido Republicano terá mão livre na maioria dos estados-chave para desenhar os contornos de cada circunscrição eleitoral a seu favor. Em 2018, utilizando este método, o Partido Republicano do Wisconsin conseguiu obter dois terços dos representantes eleitos, apesar de uma grande vitória do Partido Democrata. Em 2022, a desvantagem estrutural do Partido Democrata parece quase intransponível. Estima-se que um resultado nacional tão positivo como em 2020 (4% mais votos, o que é uma diferença historicamente elevada) levaria, no entanto, os Democratas a perderem o controlo da Câmara dos Representantes [2]. Para os parlamentos dos diferentes estados, é ainda pior. São estas assembleias locais que aprovam as leis que regem os direitos de voto e a certificação dos resultados.
O ataque coordenado do Partido Republicano às instituições democráticas foi concebido para assegurar a conquista do poder por uma minoria de eleitores
Para o dizer claramente, o Partido Democrata tem praticamente garantido que perderá a sua maioria no Congresso e o seu poder de veto em muitos estados que determinam o resultado das eleições presidenciais. Esta mudança antecipada não seria necessariamente problemática se refletisse a escolha dos eleitores, mas esse não é o objetivo da direita conservadora. No Texas, a extensão do direito de porte de armas sem licença em público e a proibição do aborto, mesmo em casos de violação, foram votadas apesar de rejeitadas por três em cada quatro eleitores. Após os cortes de energia ocorridos no Inverno passado, causados por uma excecional onda de frio e ligados às alterações climáticas, os eleitos republicanos estão a procurar tributar as energias renováveis e subsidiar a eletricidade baseada no carbono. No entanto, foram as centrais elétricas a gás e a carvão que causaram os apagões. No Congresso, a oposição do Partido Republicano a qualquer medida que favoreça as classes trabalhadoras e médias é sistemática, tal como os projetos para aumentar os impostos sobre os mais privilegiados e as multinacionais. Mais uma vez, contra a vontade de três em cada quatro americanos e de uma maioria do eleitorado conservador.
Assim, está-se perante um círculo vicioso que leva ao colapso progressivo das regras democráticas americanas. A manipulação sobre os círculos eleitorais (Gerrymandering) permite aos eleitos republicanos ter a maioria nas assembleias locais enquanto se encontram em minoria nas urnas, o que os leva a atacar os direitos de voto para se manterem no poder, dando-lhes a oportunidade de continuarem os esforços de manipulação no ciclo seguinte. Uma desintegração que é facilitada pelo Supremo Tribunal, onde seis em cada nove juízes foram nomeados por presidentes republicanos. Após ter enfraquecido significativamente as proteções civis no seu veredicto de 2013 Shelby v Holder, acabou de fazer a mesma coisa ao validar as leis restritivas aprovadas no Arizona em 2016 na sua decisão Brnovich v DNC. Para além do seu impacto local, esta decisão corre o risco de encorajar futuros ataques do Partido Republicano aos direitos civis, enquanto priva os democratas dos instrumentos para contestar estas leis em tribunal [3].
Os ataques coordenados do Partido Republicano às instituições democráticas são concebidos para assegurar que a conquista do poder por uma minoria de eleitores [4]. Para ultrapassar estas barreiras técnicas, o Partido Democrata tem duas opções: através de uma lei federal proibir as práticas descritas acima, ou governar de maneira suficientemente popular para ganhar um plebiscito em 2022 e 2024, cuja dimensão permita ultrapassar os obstáculos colocados pelo Partido Republicano.
Os republicanos parecem determinados a fazer o seu melhor para sabotar a recuperação económica. A nível local, os governadores e legisladores conservadores estão a bloquear a implementação de políticas sociais, em particular a expansão da cobertura da saúde pública Medicaid votada localmente por referendo em 2020 e o seguro de desemprego de emergência estabelecido por Biden em 2021.
Em Washington, Mitch McConnell não está apenas a utilizar a regra de obstrução- (que requer 60 dos 100 votos para aprovar um projeto de lei no Senado) para bloquear a legislação proposta pelos Democratas. Também parece estar a jogar com o tempo, encorajando vários eleitos republicanos a negociar certos projetos de lei em pura perda de tempo. Por exemplo, os 41 senadores conservadores, que representam quase 60 milhões de eleitores a menos do que os 50 senadores democratas, estão em posição de bloquear qualquer das propostas de Biden, embora ele tenha a opinião dos eleitores republicanos com ele sobre muitas questões, incluindo a tributação dos que auferem rendimentos elevados e o aumento das despesas sociais.
DEMOCRATAS A CAMINHO DO SUICÍDIO COLECTIVO
Os democratas dispõem de uma estreita maioria em ambas as câmaras do Congresso. A Câmara dos Representantes já aprovou um ato legislativo central para o partido, o “For the People Act” ou “HR1”. O texto prevê a proibição da manipulação dos círculos eleitorais, o reforço das disposições da Lei do Voto de 1964 para proibir a discriminação no acesso às urnas e de facilitar a participação, tornando a Terça-feira Eleitoral um feriado e a votação antecipada mais acessível. O texto de lei inclui também grandes reformas dos mecanismos de financiamento eleitoral que limitariam a influência dos ultra-ricos e das grandes empresas na vida política. Todas estas disposições são extremamente populares, incluindo entre os eleitores conservadores. Mas o projeto de lei precisa de 60 votos para passar no Senado, o que significa dez senadores republicanos. Se estes últimos recusarem liminarmente, os democratas podem votar a favor da reforma da regra da obstrução. Quer para abolir totalmente esta regra – a disposição não faz parte da constituição – quer para permitir que a legislação sobre direitos de voto e gestão eleitoral não esteja dependente desta mesma regra.
Biden tem a oposição de dois dos senadores democratas mais à direita. Joe Manchin da Virgínia Ocidental e Kyrsten Sinema do Arizona. A sua obsessão com o compromisso com os republicanos é particularmente difícil de compreender, a menos que se questione a sua integridade. No Arizona, o Partido Republicano está a tentar ativamente anular a eleição de Sinema. O Partido Democrata local implorou-lhe recentemente, numa carta aberta, que se acabe com a regra do filibusteiro e se aprove o projeto-lei HR1. Mas Sinema, uma antiga ativista anti-racista, está agora a receber ordens dos empregadores, tal como referido numa conferência em vídeo filtrado à imprensa [5]. Este último parece particularmente interessado em preservar a regra do filibusteiro, que garante a proteção dos seus interesses financeiros.
O laxismo de Biden pode ser explicado pela sua relutância em se confrontar com os interesses do capital, e com os senadores democratas que os defendem mais fortemente.
Manchin é um caso mais complexo. Conseguiu o feito de vencer a reeleição em 2018 num dos estados mais desfavorecidos, brancos e pró-Trump do país. O seu conservadorismo parece servi-lo bem. Mas aos 74 anos de idade, e com o seu mandato a ser disputado nas próximas eleições presidenciais, parece pouco provável que consiga manter o seu lugar para além de 2024, se voltar a concorrer. Biden tem poucas alavancas para o fazer ceder: nenhum outro democrata pode pretender ganhar um lugar no Senado no seu estado, Manchin não deve nada a ninguém, e pode contar com uma reforma de ouro no sector privado se deixar a vida pública. Os milhões de dólares em doações financeiras de bilionários e da comunidade financeira para as suas campanhas eleitorais prometem-lhe um futuro seguro [6]. Manchin refugiou-se na sua ideologia para justificar a sua posição. Parece estar convencido de que ainda é possível um compromisso com o Partido Republicano, e acima de tudo, que esse compromisso é desejável.
Uma gravação de uma videoconferência privada com os seus principais doadores, obtida por The Intercept, permite compreender melhor a sua abordagem. Também ele está interessado em defender a existência do filibusteiro, para grande alívio dos seus apoiantes financeiros. Sugeriu a estes apoiantes que fizessem uma doação aos eleitos republicanos que provavelmente votarão com ele para o comité bipartidário sobre o 6 de Janeiro, a fim de enfraquecer o argumento da esquerda democrata que julga vãos os esforços de Manchin em termos de bipartidarismo. Manchin chega ao ponto de sugerir que estes doadores utilizem as suas agendas de endereços para prometer uma reforma de ouro a certos eleitos, confirmando implicitamente os mecanismos de corrupção tácita em vigor em Washington.
Mas na mesma gravação, Manchin parece mais flexível do que deixa transparecer em público. E a recente recusa de todos os senadores republicanos em votar para permitir o debate no Senado da sua versão muito diluída da For the People Act pode forçá-lo a adotar uma abordagem mais direta, como defendido pela esquerda do partido. O seu recente apoio a esta alternativa mostra a sua lenta evolução nesta questão.
Longe de se alarmarem com a situação, os principais conselheiros de Biden dizem estar confiantes de que o Partido Democrata será capaz de mobilizar os seus eleitores independentemente das barreiras colocadas pelo Partido Republicano, citando como exemplo – o que é surpreendente- a campanha de 2020. No entanto, várias ONG de observação ou defesa dos direitos civis e organizações ativistas estão alarmadas com a falta de ação por parte da Casa Branca para chamar a atenção da população americana para a investida republicana.
O processo judicial em curso conduzido pelo procurador-geral de Biden contra as leis da Geórgia levará tempo a ser bem sucedido e é provável que fracasse no Supremo Tribunal, tal como o processo de 2016 do Partido Democrata do Arizona, que foi arquivado no mês passado.
A estratégia da administração Biden é dar prioridade à ação política e à aprovação de reformas populares – tais como o plano de investimento bloqueado no Senado – em vez de politizar o ataque conservador aos direitos de voto [7]. Mas mesmo nesta perspetiva, Biden tem os seus aliados preocupados. Após abandonar o aumento do salário mínimo, renunciar aos 21% de impostos sobre as multinacionais e recuar no aumento proposto da taxa de imposto sobre as sociedades nos EUA, o que equivale a uma renegação das suas promessas, a Casa Branca fez concessões surpreendentes ao partido Republicano. Em particular, recusando-se a impor o seguro de desemprego de emergência aprovado pelo Congresso aos governadores republicanos recalcitrantes.
O laxismo de Biden sobre este ponto pode ser explicado pela sua relutância em enfrentar os interesses do capital e dos senadores democratas que os defendem mais fortemente. Não será a primeira vez que uma democracia cai no iliberalismo devido à falta de coragem e convicção por parte das suas elites “moderadas”. Sem recorrer a comparações históricas, também se pode apontar para a falta de combatividade e excesso de confiança que tem sido a marca do Partido Democrata durante muitos anos, quando os seus principais dirigentes já todos ultrapassaram alegremente os setenta anos e parecem estar presos a um prisma de leitura ultrapassado.
Notas:
[1] https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2021/05/democrats-voting-rights-filibuster/618964/
[2] https://theintercept.com/2021/04/08/republicans-gerrymandering-for-the-people-act-voter-suppression/
[4] https://www.jacobinmag.com/2021/06/voting-rights-voter-suppression-laws-state-level-republicans-ari-berman-interview et “Let them eat tweets, how the right rules in an age of extreme inequality”. Pierson et Hacker, 2020.
[5] https://www.thenation.com/article/politics/kyrsten-sinema-conservative-democrat/
[7] https://www.theatlantic.com/politics/archive/2021/05/biden-manchin-gop-voting-rights/619003/