MARRINER ECCLES, um homem muito à frente do seu tempo (anos 30) e do nosso também – 1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal: 1.16. A história de um outro presidente.  Por Richard H. Timberlake

A good many people believe Marriner Eccles is the only thing standing between the United States and disaster.” – TIME Magazine, 1936

Nota de editor:

Iniciámos no passado dia 1 de Fevereiro uma longa série – de mais de 50 textos – cuja última parte está ainda em preparação. O presente texto “A história de um outro presidente, insere-se no conjunto de 17 textos que compõem a 1ª parte 1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal”.

Esta série é, desde logo, o resultado do labor incansável e da mais elevada competência do seu autor, Júlio Marques Mota, e, como o próprio refere, é um trabalho que leva mais de um ano em preparação e “não foi um trabalho fácil porque, partindo do zero quase absoluto, tivemos de andar a deambular de texto em texto, aceitando uns, rejeitando outros, de referência bibliográfica em referência bibliográfica, cruzando textos e referências bibliográficas”.

É com grande satisfação e orgulho que publicamos na língua portuguesa estes textos em torno das ideias e ações de Marriner Eccles, o mais brilhante de todos os Presidentes do Conselho de Governadores do FED nas palavras de Michael Pettis (e que fazemos nossas). Como diz Júlio Mota, “Marriner Eccles é um dos maiores símbolos intelectuais da oposição fundamentada feita contra os teóricos criadores de catástrofes e os seus vassalos” e cujas ideias e ação, segundo a Time referia em 1936, “protegeram a América do abismo. Trata-se de ideias que na primeira metade do século XX ajudaram a fazer da América um grande país, e que vão contra as ideias destes falcões monetaristas (…) que querem fazer da Europa um insignificante continente”. E como conclui Júlio Mota os “… tempos de ontem, afinal, não diferem muito dos tempos de hoje, a lembrar a frase de Peter Kenen: o mundo mudou muito, mas os problemas são os mesmos. Os problemas são os mesmos e os políticos, pelo que se vê, são também os mesmos. É exatamente isto que confere uma extrema atualidade aos textos que iremos apresentar em torno da obra de Marriner Eccles.”


Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

15 m de leitura

 

1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal

1.16. A história de um outro presidente

O economista Richard Timberlake relembra o legado de W.M. Martin e Marriner Eccles, ex-presidentes do FED.

 

 Por Richard H. Timberlake

Publicado por  em 1 de Junho de 1999 (The Tale of Another Chairman, ver aqui)

 

Na edição de Setembro de 1998 da The Region, o ex-governador do Conselho do Federal Reserve, Andrew Brimmer, apresentou-nos uma grata lembrança de William McChesney Martin Jr., ex-presidente do Conselho do FED que faleceu recentemente. Brimmer destacou a longa presidência de Martin no Conselho do Fed e o seu início do sistema de consenso altamente eficaz para a tomada de decisões políticas.

Brimmer também elogiou Martin pelo papel do falecido presidente em dois episódios políticos que testaram a independência do FED em relação à pressão política imprópria do poder executivo. A independência de qualquer banco central é medida pela capacidade de seu comité de tomada de decisão em executar políticas economicamente apropriadas, mesmo que tais políticas não sejam totalmente toleráveis para os políticos em altos cargos. Ao longo dos tempos, os políticos mais sensíveis às operações do banco central têm sido executivos – presidentes e primeiros-ministros, os seus Secretários do Tesouro e chanceleres do tesouro associados.

O primeiro evento discutido por Brimmer foi a tentativa do FED de se livrar da fixação das taxas de rentabilidade e das taxas de juro ligadas aos títulos públicos negociáveis no final de 1950 e no início de 1951, e este é o episódio com o qual me preocuparei *. Ao discutir esta questão, Brimmer corretamente dá a Martin algum crédito merecido por ajudar a moldar “o acordo” de 3 de Março de 1951 – o acordo que permitiu ao FED finalmente livrar-se do jugo do Tesouro e administrar a sua própria casa. No entanto, Brimmer erra ao dar demasiados  elogios a Martin por travar a batalha com a Casa Branca de Truman que levou ao acordo. O herói desse conflito foi outro membro do Conselho do Fed e ex-presidente, Marriner S. Eccles. Como Eccles tinha pouco a ver com o acordo em si, Brimmer pode ter esquecido o papel que Eccles desempenhou nos estágios iniciais do conflito. No espírito de manter o registo correto e dar crédito onde o crédito é devido (especialmente com respeito a um banco central onde o “crédito” sempre foi tão importante!), ofereço a seguinte correção e suplemento à narrativa de Brimmer (1).

 

Marriner Eccles torna-se presidente do Conselho de Governadores do FED

Marriner S. Eccles, um mórmon e banqueiro de Utah, foi o primeiro presidente do Conselho do FED depois que o Congresso aprovou a Lei Bancária de 1935. Ele escreveu grande parte da Lei e foi uma força indireta na promoção da sua defesa junto do Congresso. A lei efetivamente remodelou o Sistema da Reserva Federal de tal forma que o Congresso poderia melhor tê-lo rotulado de “Lei do Banco Central de 1935”. Como justa recompensa pelos seus esforços, o presidente Franklin Roosevelt nomeou Eccles no final de 1935 para ser o primeiro presidente do novo Conselho de Governadores.

Na época, Eccles tinha uma posição subordinada no Departamento do Tesouro dos Estados Unidos – assim como Martin tinha 15 anos depois, pouco antes de se tornar presidente. O secretário do Tesouro na época, Henry Morgenthau Jr., havia trabalhado em estreita colaboração com Eccles. Morgenthau gostou das ideias de Eccles e isso foi fundamental para persuadir Roosevelt a nomear Eccles para o cargo de presidente do FED.

O apoio de Morgenthau a Eccles não foi totalmente altruísta. Eccles era um “fiscalista” convicto e franco, [n.t.: isto é, um defensor da utilização do défice como instrumento chave da política expansionista na resposta à crise]. Ele argumentou que a Grande Depressão, então em plena força, tinha sido o resultado de uma despesa agregada inadequada. Os gastos totais no setor privado, observou ele, foram muito reduzidos em relação aos níveis de 1929 e nem de longe o suficiente para promover o pleno emprego, apesar do que todos consideravam um ambiente monetário flexível e fácil. A solução “fiscalista” era que os governos federal e estaduais empreendessem programas de expansão de despesa pública que impulsionariam a economia dos EUA numa trajetória que a levaria ao pleno emprego. O principal papel da política monetária, argumentou Eccles, era servir de catalisador para essa política orçamental  expansionista. Ao manter as taxas de juros “baixas”, a política monetária permitiria ao Tesouro contrair empréstimos a baixo custo e financiar de forma expedita os vários programas de despesa pública. Essa filosofia de gastos e taxas de juros era música para os ouvidos dos funcionários do Tesouro. Uma política monetária que reforçasse a política orçamental era exatamente o que eles queriam para os seus grandes programas de despesa pública.

Antes da Lei Bancária de 1935, o Secretário do Tesouro havia sido presidente ex officio [em virtude do seu cargo] do Conselho do Federal Reserve e geralmente dirigia o Conselho da maneira que queria. No entanto, com um “fiscalista” como presidente do conselho, o banco central estaria a operar da maneira que o Tesouro desejava, sem o secretário sequer ser visto nem achado nas decisões do FED. Eccles, o novo presidente, era virtualmente um secretário-assistente do Tesouro para os assuntos monetários.

Os grandes programas de gastos da década de 1930 não exigiram muito estímulo monetário do FED. As taxas de juros estavam tão baixas que quase se sumiam da vista. Durante grande parte da década de 1930 e depois, a taxa dos títulos do Tesouro esteve em torno de 3/10 de 1 por cento, e frequentemente mais baixa.

 

Política do FED durante os anos de depressão e guerra

Declarado formalmente, o propósito original do Sistema da Reserva Federal era satisfazer as necessidades de crédito do comércio, bancos e indústria. Depois de 1935, a meta primária, mas não declarada, do Fed passou a ser a manutenção de um mercado “ordeiro” para títulos do governo. “Ordeiro” passou a significar um padrão quase fixo de taxas de várias classes de títulos de dívida pública. Se as taxas tendessem a subir e os valores de mercado a cair, o Federal Open Market Committee (FOMC) interviria comprando títulos suficientes para manter as taxas próximas do valor de emissão. Os défices orçamentais sem precedentes que o Tesouro estava a financiar, embora muito modestos em comparação com o que se verificou durante a Segunda Guerra Mundial e mais tarde nas décadas de 1970 e 1980, levaram os funcionários do Tesouro a manter pressão contínua sobre o FED para manter as taxas a esses níveis baixos.

Os poderes discricionários de criação de dinheiro do Fed também foram suspensos após a aprovação da Lei Bancária devido aos fluxos massivos de ouro da Europa. As compras do ouro pelo Federal Reserve em conformidade com a lei federal monetizaram o ouro. A Segunda Guerra Mundial viu o fim da maior parte das entradas de ouro, mas o financiamento dos défices substanciais que o governo assumiu para lutar na guerra tornou o mercado de títulos de dívida pública um fator ainda mais crítico nas operações do Tesouro. Com a aprovação total dos responsáveis da Reserva Federal, o Tesouro determinou um padrão para de taxas de rendimento e de juros de tempo de guerra divididas em três tipos de títulos governamentais negociáveis: 3/8 de 1 por cento para títulos do Tesouro a 90 dias, 7/8 de 1 por cento para certificados do Tesouro a um ano e 2 1/2 por cento para os títulos negociáveis de longo prazo. Essa configuração era conhecida como “a âncora”. Eccles costumava argumentar que essas taxas eram “muito baixas”. Ele observou mais tarde: “O padrão de finanças de guerra foi firmemente estabelecido pelo Tesouro; a Reserva Federal meramente executou as decisões do Tesouro” (2). Durante a guerra e nos anos seguintes, a política monetária permaneceu refém dos imperativos do Tesouro.

Em Fevereiro de 1944, Roosevelt nomeou Eccles para outro mandato de 14 anos como membro do Conselho da Reserva Federal e por outro mandato de quatro anos como presidente do Conselho. Durante este seu mandato de quatro anos, Roosevelt morreu, Harry S. Truman tornou-se presidente dos Estados Unidos e a guerra terminou.

O financiamento das despesas de guerra com o padrão de taxas fixas prescritas pelo Tesouro gerou aumentos sem precedentes nos volumes de massa monetária dos EUA. De Novembro de 1941 a Agosto de 1945, o volume de massa monetária M2 cresceu a uma taxa média de 19 por cento ao ano, e o aumento total no período foi de 102 por cento (3). Os preços aumentaram em aproximadamente 65 por cento no período de cinco anos, 1941 -1946 (4).

A manutenção do padrão das taxas de juros ditadas pelo Tesouro garantiu uma inflação subsequente. À medida que o Tesouro vendia os seus títulos para financiar os défices públicos, os preços dos títulos tendiam a cair e suas taxas de rendimento a subir. Para cumprir o seu compromisso de manter as cotações dos títulos e as taxas de mercado baixas, o FOMC teve de comprar títulos no mercado aberto e criar o dinheiro para os pagar. Mais dinheiro em circulação pressionou os preços à alta. Essa dinâmica agravou ainda mais as pressões sobre o mercado de títulos públicos. Enquanto o Tesouro prescreveu a política monetária, o FED foi o motor da inflação tristemente descrito nos manuais de economia.

 

Fiscalismo pós-guerra de Eccles

Eccles, como observei acima, era um ardente fiscalista. No entanto, ele reconheceu no início do período de guerra que o tempo para políticas orçamentais e monetárias expansionistas era coisa do passado e que a inflação era agora o mal a ser combatido. Consequentemente, ele propôs vários programas que teriam restringido a criação de dinheiro no mercado monetário por grosso e a inflação em desenvolvimento (5). No entanto, o secretário de Estado Morgenthau e outros políticos nos governos Roosevelt e Truman, e no Congresso, não simpatizaram com coisas como impostos mais altos e gradual aumento das taxas de juros. Consequentemente, o FED continuou a administrar a oferta de moeda de acordo com as exigências do Tesouro.

Eccles, recordando o período alguns anos depois, observou: “Nos cinco anos entre o Dia V-J [15/08/1945, vitória sobre o Japão] e a Coreia [Junho de 1950], os esforços repetidos [que] a Reserva Federal fez para lidar com uma fonte primária de inflação não chegaram a lugar nenhum. … O Departamento do Tesouro, com a sua tendência institucional crónica para o dinheiro a baixo custo, tinha a palavra final sobre as políticas monetárias e de crédito ” (6). Eccles admitiu que” favoreceu “uma política de dinheiro barato durante a Depressão e “concordou com uma política de dinheiro barato durante os anos de guerra”. Porém, “não havia justificação para uma tal política [depois do Dia V-J], quando tínhamos excedentes orçamentais e vivíamos sob crescentes pressões inflacionistas … [A política de apoio] fomentava o crescimento injustificado das reservas bancárias que alimentavam os fogos inflacionistas; e esses incêndios lentamente consumiram o poder de compra real do dólar” (7).

Eccles fora um aliado e apoiante de Roosevelt. Por causa da sua postura orçamental conservadora após a guerra e outros fatores, ele não era um dos favoritos do presidente Harry Truman. Portanto, quando o seu mandato de quatro anos como presidente terminou em 1948, Truman não o reconduziu nesse cargo (8). A sua participação no Conselho, no entanto, não foi afetada pela sua destituição como presidente, e Eccles decidiu permanecer no Conselho como um membro comum.

 

Atritos entre o FED e o Tesouro

A insistência do Tesouro para que o FED continuasse a apoiar o mercado de títulos de dívida pública a todo o custo agravou muito a inflação em desenvolvimento nos meses que se seguiram ao início da Guerra da Coreia. O programa de suporte de preços estava em vigor desde cerca de 1940, e o seu antecessor, um mercado “ordeiro”, vinha de 1935. Pode-se supor, portanto, que os responsáveis da Reserva Federal estavam condicionados pelo domínio do Tesouro. Eles não estavam sozinhos. Muitos economistas proeminentes argumentaram que o sistema de “âncora” era bem aconselhado (9).

A retomada da despesa em excesso, tanto de privados como do setor público, na segunda metade de 1950, encorajou o FED a hesitar ligeiramente na sua política de apoio ao mercado de títulos do governo. Altos responsáveis do Departamento do Tesouro, especialmente John Snyder, o Secretário do Tesouro, deram início à campanha que se tornou uma causa célebre. Num discurso proferido para um grupo de empresários no final de 1950, o Secretário do Tesouro Snyder afirmou que o então presidente do FED, Thomas McCabe, e o FOMC haviam concordado em continuar indefinidamente a política de taxas de rendimento fixas para os títulos da dívida pública.

Este falso anúncio chocou alguns membros do FOMC, especialmente Eccles. Certos jornalistas de jornais também notaram essa prepotência e não apenas a criticaram nos seus próprios termos, mas pediram uma explicação a Eccles. Depois de algumas respostas públicas de Eccles e Allan Sproul, então presidente do Fed de Nova Iorque, o governo Truman “convidou” todo o FOMC para uma conferência na Casa Branca. Esse movimento não tinha precedentes na história do Sistema da Reserva Federal. Na verdade, o presidente Woodrow Wilson tinha evitado utilizar essa tática nos primeiros anos do FED por causa das suas óbvias implicações políticas.

 

A guerra Fed-Tesouro

A reunião entre os membros do FOMC e o Presidente Truman teve lugar como previsto na tarde de 31 de Janeiro de 1951. As atas detalhadas da reunião mostram claramente que não foram discutidos nem feitos acordos sobre taxas de juro ou valores de cotação para os títulos. Em primeiro lugar, o tema da conversa foi sobre a necessidade de levar a cabo políticas orçamentais e de tributação sólidas para lidar com a Guerra da Coreia. No final da reunião, o presidente McCabe perguntou ao Presidente qual seria a natureza geral da declaração que faria à imprensa. Truman respondeu que o seu comunicado de imprensa incluiria discussões sobre o orçamento, impostos, o esforço de defesa, a necessidade de confiança pública no crédito do governo, mas nada sobre o mercado de títulos do governo (10).

No dia seguinte, dois relatos da reunião apareceram nas gravações dos jornais O primeiro era do próprio presidente Truman e afirmava que o Conselho do FED “tinha prometido o seu apoio… para manter a estabilidade dos títulos da dívida pública enquanto durasse a emergência”. O segundo relato era feito por um porta-voz do Tesouro que interpretou a declaração da Casa Branca como significando que o Fed apoiaria o mercado de títulos do governo “nos níveis atuais” (11).

Os jornalistas então contactaram Eccles para verificar a substância da declaração de Truman-Snyder. Eccles respondeu que nenhum acordo desse tipo havia sido discutido, muito menos alcançado. No dia seguinte, a refutação de Eccles sem o seu nome apareceu nas notícias do Washington Post e do New York Times. Ao mesmo tempo, membros individuais do Conselho do FED receberam cópias de uma carta que o Presidente acabara de enviar ao presidente McCabe. Nela, o Presidente agradeceu a McCabe por lhe assegurar que “o mercado de títulos da dívida pública será estabilizado e mantido nos níveis atuais”. Esta carta ainda não havia sido divulgada para a imprensa, pelo que os membros do Conselho, incluindo Eccles, pensaram que a evidente falta à verdade poderia ser anulada por uma reunião entre McCabe e o Presidente Truman. No entanto, a Casa Branca divulgou a carta à imprensa antes que o FOMC pudesse protestar (12).

Foi no final da tarde de sexta-feira que um repórter de jornal telefonou a Eccles pedindo-lhe uma explicação sobre a declaração à imprensa da Casa Branca, agora publicada. Nessa altura, os outros membros do FOMC já tinham deixado Washington ou não estavam disponíveis para uma ação concertada. Na verdade, nenhum outro membro do comité se tinha oposto às anteriores declarações falsas do Tesouro. Consequentemente, se Eccles não oferecesse nenhuma correção, a declaração da Casa Branca-Tesouro ficaria sem contestação. Sabendo que era o único membro do FOMC que podia ou faria qualquer coisa, Eccles divulgou a sua resposta sobre o estratagema Truman-Snyder a um repórter do New York Times que também a disponibilizou a outros grandes jornais. Com a sua declaração, Eccles também deu ao repórter uma cópia da ata da conferência FOMC-Truman que tinha decorrido três dias antes (13).

Eccles não declarou o óbvio – que Truman e Snyder estavam a tentar forçar o que era suposto ser uma agência governamental independente para fazer o que o Tesouro pretendia e por razões de ordem puramente políticas. A ata da reunião da Casa Branca foi uma refutação suficientemente clara dos objetivos pretendidos pelo Executivo. Eccles agiu unicamente sob a sua própria responsabilidade, e falou apenas em seu próprio nome. Subsequentemente, Sproul elogiou-o por isso, mas mais ninguém no comité aprovou ou criticou a sua ação (14).

 

O papel do Congresso na disputa entre o FED e o Tesouro

As tensões entre Tesouro e a Reserva Federal tinham chamado a atenção do Congresso já em 1949, e tinham sido objeto de uma investigação pela Subcomissão de Políticas Monetárias, de Crédito e Fiscais presidida pelo Senador Paul Douglas. Douglas tinha sido professor de economia na Universidade de Chicago, e sabia a diferença entre um dólar e uma obrigação do Estado. A subcomissão fez o seu relatório em Janeiro de 1950, um ano inteiro antes de ter rebentado o conflito que Eccles relatou.

A essência do Relatório do Comité Douglas era que tanto o Fed como o Tesouro deveriam seguir as normas sobre o emprego, produção, poder de compra e níveis de preços implícitos na Lei do Emprego de 1946. O Relatório afirmava também que “a vontade do Congresso” era que o FED tivesse “poder e responsabilidade primária” sobre o custo do crédito, e que as ações do Tesouro em relação ao dinheiro e ao crédito deveriam “ser tornadas coerentes com as políticas da Reserva Federal ” (15) e não o contrário.

O papel da administração Truman na controvérsia que Eccles acabou por suscitar um ano mais tarde sugere que o Executivo não levou as resoluções do Congresso demasiado a sério. Assim, após a resistência pública de Eccles no início de Fevereiro de 1951, congressistas influentes insistiram que o Tesouro e a Reserva Federal eliminassem as suas diferenças e depois se mantivessem afastados um do outro, cada um no seu campo de ação. É aqui que o relato de Brimmer sobre a influência de Martin se torna significativo. Martin foi fundamental na elaboração do acordo a que o Fed e o Tesouro chegaram apenas um mês após a divulgação de Marriner Eccles. Pelos seus bons ofícios a este respeito, Martin tornou-se o seguinte presidente do FED (16).

Eccles retirou-se do Conselho do FED  alguns meses após o conflito. O Professor Lloyd Mints, que era meu professor na Universidade de Chicago pouco depois destes acontecimentos, não concordava muito com as teorias monetárias ou políticas do Eccles. No entanto, ele saudou Eccles pela sua coragem em afirmar as suas convicções a qualquer pessoa, “… e que digam mal de ti se não gostas delas”. Eccles era um adversário que nem mesmo Harry Truman conseguia intimidar nem manobrar .

Deixando de lado o drama da disputa entre o FED e o Tesouro, a razão duradoura para a separação dos poderes monetário e de gestão da dívida foi o fracasso patente dos programas de dinheiro a baixo custo e juros baixos em alcançar resultados aceitáveis. Muitos outros, tanto no governo quanto nas Universidades partilhavam do fiscalismo de Eccles. O fiscalismo agressivo, o aspeto político prático do keynesianismo, provou ser ineficaz e prejudicial – embora essa seja uma outra história. A política monetária, após o fracasso dos excessos orçamentais parecia merecer um lugar ao sol. E William McChesney Martin, o novo presidente do Fed, mostrou pelos registos que deixou que estava à altura da tarefa.

 

* O segundo episódio descrito por Brimmer envolveu a tentativa do presidente Nixon de encorajar Martin a aceitar o cargo do Tesouro em 1968 para que Nixon pudesse nomear Arthur Burns como presidente do Fed. Martin disse “não, obrigado” e Burns foi nomeado em 1970, após a passagem à reforma de Martin.

 


Notas

(1) Neste relato remeto-me à autobiografia de Eccles, Beckoning Frontiers, Public and Personal Recollections, editada por Sidney Hyman, (New York: Alfred A. Knopf, 1951), a Milton Friedman e Anna J. Schwartz, A Monetary History of the United States, 1867-1960, NBER (Princeton: Princeton University Press, 1963), a Donald Kettl, Leadership at the Fed, (Yale University Press: New Haven and London, 1986, e a algum material do meu próprio livro, Monetary Policy in the United States, (Chicago: University of Chicago Press, 1993).

(2) Eccles, Beckoning Frontiers, 358, 382.

(3) Friedman and Schwartz, A Monetary History, 548, Table 23.

(4) Richard H. Timberlake, Monetary Policy in the United States, (Chicago: University of Chicago Press, 1993), 306-309. Este número é uma reestimativa dos valores do Índice de Preços ao Consumidor para o período de guerra.

(5) Eccles, Beckoning Frontiers, 352-366.

(6) Ibid. 481.

(7) Idem.

(8) Kettl, Leadership at the Fed, 63.

(9) Friedman and Schwartz, Monetary History, 624, note 21.

(10) Eccles, Beckoning Frontiers, 487-490.

(11) Ibid. 491.

(12) Ibid. 492.

(13) Ibid. 493-494.

(14) Ibid. 495.

(15) U.S. Congress, 81st Cong., 2nd sess., Monetary, Credit and Fiscal Policies: Report of the Subcommittee of the Joint Committee on the Economic Report, Sen. Doc. No. 129, January 1950 (Washington: Government Printing Offices, 1950).

(16) Kettl, Leadership at the Fed, 74-75.

 


O autor: Richard Henry Timberlake [1922-2020], foi um economista americano que foi professor de Economia na Universidade da Geórgia durante grande parte da sua carreira. Tornou-se um dos principais defensores da banca livre, a crença de que o dinheiro deveria ser emitido por empresas privadas, e não por um monopólio governamental. Escreveu sobre os casos de Concursos Jurídicos do Supremo Tribunal dos EUA no seu livro “Constitutional Money: A Review of the Supreme Court’s Monetary Decisions”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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