Espuma dos dias – A Guerra na Ucrânia, para lá dela — “Um Mundo em plena tormenta – a quem culpar?” Por Strategic Culture

Seleção e tradução de Francisco Tavares

6 m de leitura

Um Mundo em plena tormenta – a quem culpar?

Editorial de  em 10 de Junho de 2022 (original aqui)

 

 

Um mundo melhor é incompatível, de facto é impossível sob o reinado da disfunção e destruição capitalista liderada pelos Estados Unidos.

Que o mundo está na prateleira de tempos tumultuosos é amplamente aceite. O tumulto imediato provém do impacto económico global da crescente inflação no preço dos bens de consumo básicos. Uma preocupação prioritária é a insegurança alimentar e a fome de milhares de milhões de pessoas no nosso planeta, e não apenas para as nações consideradas de baixo rendimento e subdesenvolvidas. A pobreza atingiu níveis recorde nas chamadas “nações ricas” onde muitos cidadãos têm mais dificuldade em pôr comida na mesa para as suas famílias.

Tudo isto é uma expressão e condenação do fracasso histórico do sistema económico ocidental. O sistema do lucro privado em detrimento das necessidades humanas é cada vez mais visto como totalmente inadequado e obsoleto. Além disso, é cada vez mais visto como estando deliberadamente a sujeitar as pessoas à pobreza e à crise, o que o torna ainda mais condenável. O capitalismo empresarial tem criado problemas terríveis que o planeta enfrenta e está a exacerbar estes problemas, não a aliviá-los. O próprio sistema deve ser repudiado por algo mais democrático, sustentável, e eficaz na satisfação das necessidades humanas.

Mas para além das falhas económicas inerentes ao sistema ocidental, devemos acrescentar o abjecto fracasso da política ideológica.

A actual crise económica crescente tem sido intensificada por escolhas políticas específicas feitas por governos controlados por empresas e pelos seus burocratas não eleitos e com salários excessivos.

Risivelmente, os maus governantes ocidentais têm procurado transferir a culpa para a Rússia.

O Presidente dos EUA Joe Biden inclusive deu o nome do líder russo Vladimir Putin à inflação. Biden refere-se à escalada dos preços ao consumidor como “a subida de preços de Putin”. Este é um jogo de culpas ridículo, um jogo que os americanos e outros cidadãos ocidentais não estão a comprar. Eles não estão a comprar por uma boa razão. É um disparate evidente.

É evidente que os Estados Unidos têm estado sentados numa bomba de inflação desde há vários anos, devido às suas infindáveis políticas orçamentais de impressão monetária e ao abuso dos privilégios globais do dólar arbitrariamente utilizado como a principal moeda de reserva. A implacável acumulação da dívida nacional dos EUA (agora quase 30 milhões de milhões de dólares e continuando a subir) e os excessos selvagens de subsidiar empresas, bancos e bilionários conduziram ao caos social da grotesca desigualdade e pobreza. O mesmo processo degenerativo do capitalismo neoliberal pode ser visto em toda a Europa.

Mas aos problemas europeus auto-infligidos acresce a sabotagem gratuita das relações energéticas com a Rússia – a mando de Washington.

A União Europeia enfrenta um turbilhão de inflação em grande parte devido aos preços da energia que estão pelas nuvens. Isto, por sua vez, resulta do autoflagelo de sancionar o comércio de energia com o parceiro de longa data do continente, a Rússia. O grupo de reflexão Bruegel, sediado em Bruxelas, observou esta semana que a inflação geral dos preços está “a afectar a Europa muito mais do que os Estados Unidos, porque dependemos muito mais da Rússia”.

As decisões de sancionar a Rússia por parte dos Estados Unidos e da Europa são ideológicas. Estas decisões são tomadas por uma classe política que não tem qualquer preocupação com o impacto nas suas sociedades. Em suma, esta é a desgovernação de uma elite antidemocrática. Dar a volta e transferir a culpa para a Rússia é uma forma desprezível de escapar dos seus próprios delitos.

As cliques governantes ocidentais (“governos” é um termo demasiado educado) impuseram sanções ilegais à Rússia, numa tentativa de estrangular a economia daquela nação. Esta guerra económica atingiu a capacidade da Rússia de fornecer ao mundo os seus copiosos produtos energéticos, bem como o seu abundante fornecimento de cereais e fertilizantes minerais. Tudo isto se repercutiu, como era de esperar, na exacerbação da inflação nos consumidores. Isto deveria ser óbvio numa economia global interligada de forma óbvia. No entanto, as elites ocidentais ou não viram as consequências das suas políticas hostis ou fingem ignorância ao tentarem agora culpar a Rússia.

Vamos por um momento tolerar as opiniões dos líderes não eleitos da União Europeia, Charles Michel e Ursula Von Der Leyen. O primeiro é o presidente do Conselho Europeu que acusou a Rússia esta semana de utilizar “a comida como arma”. Enquanto Von Der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, teve a audácia de afirmar que “o Kremlin está a utilizar alimentos como parte de um arsenal terrorista”.

Washington e os seus vassalos europeus estão absurdamente a converter intervenção militar russa na Ucrânia em bode expiatório dos males do mundo. Especificamente, as elites ocidentais estão a tentar fazer crer que esse conflito criou uma escassez crítica de trigo e de outros cereais básicos. A Rússia é acusada de bloquear os portos marítimos ucranianos. A realidade é que o regime de Kiev apoiado pela NATO, bloqueou o transporte marítimo colocando minas explosivas ao longo da sua costa e portos. Kiev recusa-se a desminar as vias marítimas para a navegação civil. Além disso, se o regime ucraniano quisesse exportar cereais, poderia fazê-lo economicamente através de rotas terrestres para a Bielorrússia. No entanto, essa opção está excluída porque a UE aplicou sanções à Bielorrússia como aplicou à Rússia. Aqui vemos mais uma manifestação de políticas de autodestruição que regressam a quem as aplicou.

Inculpar a Rússia pela turbulência económica global e, em particular, pela crise alimentar que se avizinha, é um completo disparate. A guerra na Ucrânia poderia ter sido evitada se os Estados Unidos e os seus parceiros da NATO se tivessem simplesmente comprometido com a Rússia numa diplomacia razoável para abordar preocupações de segurança justificáveis. Os americanos e os seus substitutos europeus rejeitaram tal diplomacia porque a sua agenda é motivada pela hostilidade e ambições hegemónicas duvidosas. Em qualquer caso, o conflito na Ucrânia é apenas um aspecto de uma ruptura mais geral decorrente de um fracasso ocidental crónico.

O actual mal-estar global tem uma causalidade específica que está enraizada no sistema económico ocidental e no seu belicismo imperialista contra a Rússia, bem como outros inimigos irracionalmente designados, sobretudo a China, mas também o Irão, Venezuela, Síria, Coreia do Norte, Cuba, e Nicarágua, entre outros. Não será a própria designação de tais “inimigos”, em si mesma, o que denuncia quão absurdos e ilegítimos são os regimes imperialistas ocidentais?

Certamente, o testemunho mais condenatório da corrupção e má governação são os vastos recursos (incontáveis biliões de dólares e euros) actualmente desperdiçados em armas militares por Washington e pelos seus vassalos europeus para apoiar um regime infestado de nazis na Ucrânia. As consequências não são apenas a agitação económica global e a fome. O capitalismo ocidental está a conduzir o mundo à guerra e possivelmente à conflagração nuclear.

É possível um mundo diferente e está ao alcance um mundo de relações pacíficas, humanas e fraternais. Mas um mundo tão melhor é incompatível, de facto é impossível sob o reinado da disfunção e destruição capitalista liderada pelos Estados Unidos. A verdade está a olhar o mundo de frente, e nenhuma quantidade de mentiras e bodes expiatórios da elite ocidental o pode esconder.

 

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