Calor abafante. Sozinho a caminhar pelas avenidas da cidade na tarde castelhana. É a hora de mais calor e eu ando insensato na procura de uns papéis. Os carros passam doentes em fugida e a temperatura, emergindo do chão em forma quase sólida, bafa o ar. A vista se desintegra em ondas. É como se andasse numa cena de confronto em qualquer anime.
O calor penetrou a cidade: as ruas, a pedra, os monumentos e edifícios. O asfalto fumega. Caminhar é uma sensação pesada e mais de estranha soidade. Imagino o lento, solene ambrar do camelo e a música no Lawrence da Arábia do David Lean.
Estou por dizer obrigado a cada sombra que vou encontrando. E por adorar como deusas cada uma das árvores que me aparecem. Mesmo que seja uma, aos poucos, é que consolam. São fortes, ilhas de vida que testemunham que existe algures a frescura. E mais quando há várias, grandes, frondosas, em conjuntos nas pequenas praças de relvado verde, com fonte e bancos. Ir passando perto de sebes, árvores, largos com altas árvores é uma delícia. É inacreditável o contraste. E envolvente o breve cheiro vegetal.
Que dias. Só nos barzinhos com ar e nas grandes lojas é que se pode estar. O mesmo diz a gente das casas, só com ar condicionado ou sistemas de refrigeração. Mas e depois quem paga as contas? Nós não temos ar e de dinheiros imos tendo menos, arrepia a conta do super-mercado acotio. O apartamento está, foi sorte, bem orientado, perto do rio, tem correntes de ar e boa ventilação. Contudo nunca tal calor se passou nesta casa.
Por fora das urbes o mundo arde. Quanta gente a morrer, cozida, nas suas casas, em trabalhos sem sentido. Velhos, gente humilde, operários. A mudança climática. Ainda há quem duvide dela. E mais há quem continue negando. Enfim. Dá para debater se na realidade os humanos podemos fazer já algo para remédio. Desde logo e individualmente – como nos querem fazer ver para participarmos nos negócios doutros- pouco.
As vivendas, as ruas, que pouco eficientes, absurdas e só boas para negócio das construtoras. Dou em pensar em jardins japoneses, com as suas pausas, curvas e equilíbrios. Tenho por casa um livrinho japonês, sobre jardins, de 1934, publicado com apóio do Ministério de Turismo e os Comboios Japoneses (Japanese Gardens by prof. Matsunoke Tatsui, Tokio : Maruzen Comp., 1934 (Tourist library, 4)). Comprei em Montevideu há quase 25 anos. Arrepia-me esse Japão cuidadoso de jardins do grande paisagista e divulgador cultural e ao mesmo tempo o imperialismo contemporâneo seu, genocida meticuloso. De aí dou em Burle Marx e na ideia de um Brasil moderno e utópico que agora parece outro sonho quebrado. Penso na cidade, num manto de verdura em continuidades fluídas. Talvez imaginando plantas, jardins, cores, caminhos naturais e aguas me console. Quanto lembro das conversas com os amigos e amigas apaixonados pela arquitetura.
Mas como tudo. Pós-pandemia como na pré-pandemia. Sem lições. Quem planificou estas cidades absurdas, estes grupos de vivendas de betão, materiais de péssima qualidade, ruas enormes sem roturas de ar e largos sem sombras, nem árvores, sem jardins porticados, desatentas não apenas da mudança climática quanto da simples vida humana?