Seleção e tradução de Francisco Tavares
12 m de leitura
A Europa: apanhada numa armadilha
Publicado por The Next Recession, em 24 de Julho de 2022 (original aqui)
As grandes economias estão a aproximar-se da recessão, se é que não estão lá já; e, no entanto, as taxas de inflação continuam a aumentar (por agora). Os últimos inquéritos à actividade empresarial, denominados Índices de Gestores de Compras (PMIs), mostram que tanto a zona Euro como os EUA estão agora em território de contracção (ou seja, qualquer nível abaixo de 50). Os PMI compostos (que reúnem tanto a indústria transformadora como os serviços) para as principais economias em Julho mostram:
US 47,5 (contracção)
Zona Euro 49,4 (contracção)
Japão 50,6 (expansão retardada)
Alemanha 48,0 (contracção)
UK 52,8 (expansão retardada)
Ninguém deve ficar surpreendido com a pontuação da Zona Euro, dado o impacto das sanções sobre as importações de energia da Rússia, que está a enfraquecer gravemente a produção industrial no centro da Europa (ver abaixo). A produção industrial alemã tem vindo a contrair-se há mais de três meses.
O grande choque foi nos EUA. O PMI composto americano também caiu no território de contracção, 47,5 em Julho, baixando acentuadamente dos 52,3 em Junho para assinalar uma queda sólida na produção do sector privado. A taxa de declínio foi a mais acentuada desde as fases iniciais da pandemia em Maio de 2020, uma vez que tanto os fabricantes como os prestadores de serviços relataram condições de procura moderada. Assim, no momento em que entramos na segunda metade de 2022, a actividade empresarial dos EUA está em queda.
E de acordo com a última estimativa de crescimento real do PIB pelo modelo NOW do PIB da Reserva Federal de Atlanta, nos três meses até Junho, a economia dos EUA contraiu-se a uma taxa anualizada de -1,6%, correspondendo a uma queda semelhante de -1,6% no primeiro trimestre. Se esta estimativa for confirmada na próxima semana, isso significaria que os EUA estariam tecnicamente em recessão.
A resposta actual a esta afirmação é: como pode a economia americana estar em recessão ou perto dela, quando a taxa de desemprego está próxima dos mínimos históricos e os salários continuam a aumentar? Mas esta resposta é, no mínimo, duvidosa. Primeiro, existem duas medidas de emprego para os EUA: os números dos salários e o inquérito aos agregados familiares (um inquérito aos agregados familiares com emprego). O último mostra actualmente o oposto do primeiro, nomeadamente uma queda no número de americanos no trabalho. Nesta medida do agregado familiar, a força de trabalho diminuiu de 164,376 milhões para 164,023 milhões, e a taxa de participação (aqueles que trabalham em comparação com a população em idade activa total) caiu mais do que o esperado para 62,2% – gráfico abaixo.
Além disso, os pedidos iniciais de desemprego (o número de pessoas que reivindicam prestações por estarem desempregadas) estão agora em constante aumento.
E o número de novos empregos disponíveis (chamados JOLTS) atingiu o seu auge.
Em segundo lugar, e mais importante, o desemprego é um indicador atrasado numa recessão. O indicador principal é o movimento nos lucros das empresas e no investimento empresarial, seguido da produção e depois do desemprego. O emprego é o último porque só aumenta quando as empresas deixam de contratar mais mão-de-obra e começam a reduzir a sua força de trabalho. E só o fazem quando a rentabilidade e a produção começam a diminuir. E, depois de terem atingido os máximos de sempre, as margens de lucro começam a cair.
Durante a crise do COVID, os lucros aumentaram acentuadamente em comparação com os salários e actuaram como motor e ganhador na subida da inflação. Agora isso começa a mudar à medida que os lucros são espremidos pelo aumento dos custos dos componentes e pelo enfraquecimento da procura.
Mas é na Europa que as provas de uma queda total são mais convincentes. E não são apenas os dados sobre o crescimento económico que sustentam isso. Além disso, a Europa enfrenta um enorme aperto na produção e importação de energia, uma vez que as sanções aplicadas às importações de gás e petróleo da Rússia não serão suficientemente compensadas por importações provenientes de outros locais.
Muitos fabricantes alemães estão a avisar que terão de encerrar completamente a produção se as entradas de energia secarem. Petr Cingr, o chefe executivo da maior empresa produtora de amoníaco da Alemanha, e um importante fornecedor de fertilizantes e fluidos de escape para motores diesel, alertou para as consequências devastadoras do fim do fornecimento de gás russo. “Temos de parar [a produção] imediatamente“, disse ele, “de 100 para zero“. Segundo os analistas do UBS, não haver gás para o Inverno resultará numa “recessão profunda” com o PIB a contrair 6% até ao final do próximo ano. O Bundesbank alemão advertiu que os efeitos sobre as cadeias de abastecimento globais de qualquer corte russo aumentariam o efeito de choque original em duas vezes e meia. A ThyssenKrupp, o maior fabricante de aço da Alemanha, disse que sem gás natural para fazer funcionar os seus fornos “não se pode excluir a possibilidade de paragens e danos técnicos nas nossas instalações“.
E é pior. A inflação ainda está a aumentar na maioria das economias europeias. Assim, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu que tem de agir para aumentar as taxas de juro de forma acentuada. Aumentou a sua taxa de juro oficial em 50bp na semana passada, mais do que o esperado, levando a taxa para território positivo pela primeira vez numa década. Os dias de “flexibilização quantitativa” foram substituídos por “aperto quantitativo”.
Mas esta medida surge na pior altura para países como a Itália, altamente dependentes da energia russa. Na semana passada, o antigo presidente tecnocrata do BCE, o primeiro-ministro italiano Mario Draghi foi forçado a demitir-se quando vários partidos do seu governo de coligação retiraram o seu apoio; alguns porque se opuseram ao seu apoio à ajuda militar à Ucrânia; e outros porque viram a sua oportunidade de ganhar uma eleição. A Itália tem um rácio da dívida pública muito elevado em relação ao seu PIB.
Até agora, os custos dos juros do serviço dessa dívida têm sido baixos porque as taxas de juro têm sido mantidas baixas pelo BCE, que também tem concedido milhares de milhões de crédito aos governos da zona euro. Mas agora as taxas de juro estão em alta e os investidores em obrigações do governo italiano têm-se preocupado com o facto de a Itália (especialmente uma sem um governo viável) poder achar difícil cumprir o serviço destas dívidas. Assim, o rendimento das obrigações italianas a 10 anos subiu para mais de 3,5%. A queda do governo italiano também ameaça a distribuição de milhares de milhões de euros dos fundos de recuperação Covid da UE, supostamente indo para Itália no próximo ano para impulsionar o seu crescimento económico.
Assim, a economia da Europa está a descer, precisamente quando o BCE sobe as taxas para controlar a inflação. Como já expliquei em posts anteriores (N.T. publicado em A Viagem dos Argonautas, ver aqui), o aumento das taxas de juro para controlar a inflação crescente causada pela fraca oferta e produtividade e a guerra da Ucrânia não funcionará, excepto para provocar uma quebra.
O BCE recorreu agora a uma medida desesperada ao introduzir um instrumento de protecção da transmissão (TPI), uma nova forma de crédito que será concedida a governos como a Itália se os preços das suas obrigações caírem. No entanto, isto poderá nunca ser utilizado porque significaria que o BCE estaria a conceder um financiamento ilimitado das despesas orçamentais da Itália, algo que provavelmente seria contrário a todas as regras “de Maastricht” para a zona euro.
O BCE é apanhado no que um analista chamou um “cenário de pesadelo“. A chefe adjunta do grupo de reflexão económica Bruegel com sede em Bruxelas, Maria Demertzis, afirmou: “O risco que temos pela frente é que, devido à crise energética, a zona euro possa acabar em recessão, ao mesmo tempo que o BCE terá de continuar a aumentar as taxas se a inflação não descer“. Krishna Guha, chefe de política e estratégia dos bancos centrais no banco de investimento americano Evercore, disse: “A combinação de um choque estagflacionista gigantesco de gás natural russo tornado arma e uma crise política em Itália é o que está mais próximo de uma tempestade perfeita quanto se pode imaginar para o BCE“.
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O autor: Michael Roberts [1938-], economista britânico marxista. Trabalhou durante mais de 30 anos como analista económico na City de Londres. É editor do blog The next recession. Publicou, entre outros ensaios, Marx200: a Review of Marx’s economics 200 years after his birth (2018), The long Depression: Marxism and The Global Crisis of Capitalism (2016), The Great recession: a Marxist view (2009).