A Guerra na Ucrânia — “Lei do silêncio na guerra dos gangsters”. Por Diana Johnstone

Seleção e tradução de Francisco Tavares

8 m de leitura

Lei do silêncio na guerra dos gangsters

 Por Diana Johnstone

Publicado por  em 28 de Setembro de 2022 (original aqui)

 

A sabotagem do gasoduto Nord Stream 2 anunciou praticamente que a guerra na Ucrânia não poderá senão intensificar-se, sem fim à vista.

 

Tripulação do Talivaldis LVNS a realizar treino de contra-medidas de minas no Mar Báltico durante o exercício marítimo anual BALTOPS em Junho de 2020. (NATO)

 

As guerras imperialistas são travadas para conquistar terras, povos, territórios.  As guerras de gangsters são travadas para afastar os concorrentes. Nas guerras de gangsters, emite-se um aviso obscuro, depois partem-se as janelas ou incendia-se o local.

A guerra de gangsters é o que se faz quando já se é o patrão e não se deixa entrar qualquer força de fora no seu território. Para os donos em Washington, o território pode estar praticamente em todo o lado, mas o seu núcleo é a Europa ocupada.

Por uma estranha coincidência, acontece que Joe Biden se parece com um chefe da máfia, que fala como um chefe da máfia e que usa um meio sorriso meio torcido como um chefe da máfia.  Basta ver o agora famoso vídeo:

Ver o vídeo aqui

Pres. Biden: “Se a Rússia invadir…então deixará de haver um Nord Stream 2. Acabaremos com ele”.

Repórter: “Mas como fará isso, exactamente, uma vez que…o projecto está sob o controlo da Alemanha”?

Biden: “Prometo-vos que seremos capazes de o fazer”.

 

Capazes, certamente.

Custou milhares de milhões de dólares a colocação do gasoduto Nord Stream 2 através do Mar Báltico, desde perto de São Petersburgo até ao porto de Greifsfeld na Alemanha. A ideia era assegurar o abastecimento seguro de gás natural à Alemanha e a outros parceiros europeus, contornando a problemática Ucrânia, conhecida pela sua prontidão em utilizar os seus direitos de trânsito para desviar gás para si própria ou chantagear clientes.

Mapa da zona Nord Stream 2. (Berria Egunkaria, CC BY-SA 4.0, Wikimedia Commons)

Evidentemente, a Ucrânia foi sempre veementemente hostil ao projecto.  Os Estados Unidos também o foram. Tal como a Polónia, os três Estados Bálticos, Finlândia e Suécia, todos atentos ao que se passava no seu mar.

O Mar Báltico é uma massa de água quase fechada, com estreito acesso ao Atlântico através dos estreitos dinamarquês e sueco. As águas perto da ilha dinamarquesa de Bornholm, onde as condutas do Nord Stream foram sabotadas por enormes explosões submarinas, estão sob constante vigilância militar por parte destes vizinhos.

“Parece completamente impossível que um actor estatal possa realizar uma grande operação naval no meio desta área densamente monitorizada sem ser notado pelos inúmeros sensores activos e passivos dos estados do litoral; certamente não directamente em frente da ilha de Bornholm, onde dinamarqueses, suecos e alemães têm encontro marcado para monitorizar as actividades de superfície e submarinas”, escreve Jens Berger no excelente website alemão Nachdenkseiten.

Em Junho passado, Berger relata, 

a manobra anual dos Baltops da NATO teve lugar no Mar Báltico. Sob o comando da 6ª Frota dos EUA, 47 navios de guerra participaram no exercício este ano, incluindo a força da frota dos EUA em torno do porta-aviões de helicóptero USS Kearsarge. De particular importância é uma manobra particular conduzida pela Task Force 68 da 6ª Frota – uma unidade especial de desativação de engenhos explosivos e operações submarinas dos Fuzileiros Navais dos EUA, a mesma unidade que seria a primeira indicada para um acto de sabotagem de um oleoduto submarino“.

Em Junho deste ano, esta mesma unidade estave envolvida numa manobra ao largo da ilha de Bornholm, operando com veículos subaquáticos não tripulados.

Membro da tripulação do Talivaldis LVNS na sala de operações, controlando e acompanhando o movimento do robô submarino durante o exercício marítimo BALTOPS em Junho de 2020. (NATO)

 

Berger considera que uma importante operação de sabotagem “não poderia ter sido realizada directamente debaixo dos narizes de vários estados litorais sem que ninguém reparasse“. Mas ele acrescenta esta observação inteligente: “se se quiser esconder algo, é melhor fazê-lo em público“.

Para poder fixar dispositivos explosivos a um gasoduto de modo meio desapercebido, seria necessário uma distracção plausível – um motivo para mergulhar perto de Bornholm sem ser imediatamente suspeito de ter cometido um acto de sabotagem. Não tem sequer de estar directamente relacionado no tempo com os atentados. Os dispositivos explosivos modernos podem, evidentemente, ser detonados remotamente. Então, quem tem conduzido tais operações na área marítima nas últimas semanas? O acaso sorte quis que fosse exactamente a mesma força de intervenção que rodeia o USS Kearsarge a que esteve novamente na zona marítima em torno de Bornholm, na semana passada.

Em suma, durante as manobras da NATO, alguns participantes poderiam ter colocado os explosivos, para fazê-los explodir num momento escolhido mais tarde.

Por uma estranha coincidência, apenas algumas horas após a sabotagem do Nord Stream 1 e 2, começaram as cerimónias de abertura do novo gazoduto Báltico que transporta gás da Noruega para a Dinamarca e a Polónia.

 

O significado político da sabotagem

 

Um Comando dos Royal Marines informa pessoal dos Royal Marines, U.S. Marines, Royal Navy e observadores de Singapura no convés dos veículos do HMS Ocean (Reino Unido) durante o BALTOPS 2016. (NATO)

 

Devido às sanções ocidentais contra a Rússia, o gás não estava a ser fornecido através dos gasodutos destruídos. No entanto, o gás dentro dos gasodutos está a vazar perigosamente. Os gasodutos permaneceram prontos a ser utilizados sempre que fosse possível chegar a um acordo.  E o primeiro e dramático significado da sabotagem é que, doravante, não se pode chegar a acordo. O Nord Stream 2 teria sido a chave para algum tipo de acordo entre a Rússia e os europeus. A sabotagem anunciou praticamente que a guerra não pode senão intensificar-se, sem fim à vista.

Na Alemanha, República Checa e alguns outros países, os movimentos começaram a crescer exigindo o fim das sanções, especificamente para resolver a crise energética, colocando pela primeira vez em funcionamento o Nord Stream 2. A sabotagem invalidou assim a principal exigência dos potenciais movimentos de paz na Alemanha e na Europa.

Este acto de sabotagem é acima de tudo uma sabotagem deliberada de qualquer perspectiva de paz negociada na Europa. O passo seguinte do Ocidente foi os governos da NATO apelarem a todos os seus cidadãos para que abandonem imediatamente a Rússia. Em preparação de quê?

 

Foram os Russos que fizeram a sabotagem

Nesta situação catastrófica, os meios de comunicação social ocidentais estão todos a perguntar-se quem poderá ser o culpado, e a suspeita fixa-se automaticamente na… Rússia. Motivo? “Para aumentar o preço do gás” ou “para desestabilizar a Europa” – coisas que de qualquer forma estavam a acontecer. Qualquer ideia rebuscada serve.

Os líderes de opinião europeus estão a mostrar o resultado de 70 anos de americanização. Especialmente na Alemanha, mas também em França e noutros lugares, durante décadas, os Estados Unidos têm vindo sistematicamente a identificar jovens, convidando-os a tornarem-se “jovens líderes”, convidando-os para os Estados Unidos, doutrinando-os nos “nossos valores” e fazendo-os sentir como membros da grande família transatlântica. Estão ligados em rede em posições de topo na política e nos media. Nos últimos anos, é lançado um grande alarme acerca de alegados esforços russos para exercer “influência” nos países europeus, enquanto os europeus se banham em perpétua influência americana: filmes, Netflix, cultura pop, influência nas universidades, meios de comunicação, em todo o lado.

Quando uma catástrofe atinge a Europa, não se pode culpar a América (excepto o antigo Presidente Donald Trump, porque o establishment americano o desprezava e rejeitava, pelo que os europeus devem fazer o mesmo). Tem de ser o mau da fita no filme, Putin.

O anti-russo fanático ex-ministro dos Negócios Estrangeiros polaco Radek Sikorsky não se conseguiu conter e saudou alegremente as enormes fugas de gás natural do gasoduto destruído com um alegre tuit: “Obrigado, EUA”. Mas a Polónia também estava certamente disposta, e talvez até mesmo capaz. Assim como talvez alguns outros na terra da NATO. Mas todos eles preferem “suspeitar” publicamente da Rússia.

Oficialmente, até ao momento, nenhum governo da NATO sabe quem é que o fez. Ou talvez todos eles saibam. Talvez isto seja como o famoso mistério de Agatha Christie no comboio Orient Express, onde a suspeita recai sobre todos os passageiros, e todos são culpados. E todos unidos em Omerta, na lei do silêncio.

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A autora: Diana Johnstone [1934-] é uma escritora política americana sedeada em Paris, França. Ela concentra-se principalmente na política europeia e na política externa ocidental. É a autora de Fools’ Crusade (Cruzada de Loucos): Jugoslávia, NATO, e Delírios Ocidentais. O seu último livro é Circle in the Darkness (Círculo nas Trevas): Memórias de uma Vigilante do Mundo (Clarity Press). As memórias do pai de Diana Johnstone, Paul H. Johnstone, From MAD to Madness, foi publicado pela Clarity Press, com o seu comentário.

 

 

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