Ainda com o Natal atrás das costas — Aqui vos deixo dois textos e dois comentários sobre os mesmos. Por Júlio Marques Mota

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Aqui vos deixo dois textos a propósito do Natal e dois comentários sobre os mesmos (*)

(*) Nota de editor: textos a publicar nos próximos dois dias.

 Por Júlio Marques Mota

Coimbra, 10 de janeiro de 2023

 

O Natal de 2022 acabou. Falo do Natal como festa de família que começou muito antes do 24 de dezembro, sobretudo quando se tem netos.

Enviei-vos no Dia de Reis três textos que considero de exceção embora o segundo e o terceira não sejam de abordagem nada fácil.

Na sequência desse email, um amigo meu que é figura culturalmente relevante na Universidade em Portugal, e esta á uma instituição que neste campo está a ficar cada vez mais irrelevante, mandou-me o seguinte email:

“Não te sabia tão natalício. Mas… eu também sou. Odeio o Pai Natal, mas gosto do Menino Jesus, não pela sua divindade (em que não acredito) mas pelo seu simbolismo. E gosto dos presépios dos artesãos portugueses. Tenho alguns muito bons. Envio-te o dos Ginjas de Estremoz. E, já agora, para pensares no Novo Ano com alguns excessos, desde que sejam controlados, envio-te um Baco de Mafra” Fim de citação

ao qual respondi o seguinte:

“Estou na mesma posição que tu, não vou em divindades e desde os tempos em quer larguei Deus pelo meu caminho na vida. O que me impressionou é que foi a primeira vez que peguei nas figuras do presépio e encantei-me ao pegar nas peças e olhar para o detalhe com que foram feitas. Na fragilidade daquelas peças em porcelana senti nelas a arte e o empenho do artesão que há setenta anos as fez. E comoveu-me. Simples.

Mas já agora sugiro-te uma leitura atenta aos três textos.” Fim de citação

Passada a quadra festiva, comecei a ” arrumar” coisas em pastas que coloquei num disco duro externo, coisas em que vou deixar de pensar por agora. Nestas coisas que estou a arrumar vejo dois textos de uma autora inglesa de que muito gosto ; Mary Harrington, textos que penso de leitura quase que obrigatória mas que não quis colocar na série sobre o Natal.

  1. O Natal ainda está marcado pelo Covid (original aqui )
  2. Porque é que a sociedade ainda precisa da família (original aqui)

 

Sobre estes dois textos, dois curtos comentários.

a)  O Natal ainda está marcado pelo Covid  

Este texto fala-nos sobre o que foi a tragédia do Covid, sobre a tragédia que foram também as nossas opções mas sobretudo levanta o véu sobre uma questão de que ninguém gosta de falar: o impacto sobre as capacidades cognitivas dos nossos filhos e netos. Ironicamente, o Secretário de Estado do Ensino Superior só sabia argumentar que agora, os professores tinham mais tempo para investigar! Ignorava inclusive que o ensino à distância exigia muito mais trabalho aos docentes e fornecia muito menos capacidade de aprendizagem aos estudantes o que para o referido secretário de Estado parecia ser completamente irrelevante.

Deixemos o Ensino Superior e falemos do Ensino Primária, mesmo que de passagem apenas. Pela parte que me toca e pelo que me foi dado assistir, por acompanhamento à distância, refiro-me aqui ao que se passou em termos de aprendizagem com a minha neta nos dois anos anteriores, nas primeira e segunda classes. Neste contexto, fiquei a saber também dos esforços heroicos da sua professora que quis conciliar o impossível: o cumprir de um programa extensíssimo, um plano científica e pedagogicamente mal feito e muito complicado de explicar, e ao mesmo tempo procurar conseguir que os alunos aprendessem as matérias do programa. Os défices cognitivos em português e em matemática irão ser enormes. Oficialmente, ninguém quis, ninguém quer, oficialmente pensar nisso. E é pena.

Curiosamente, aparentemente, ninguém pensou em reter os alunos em classe, em não haver passagens de ano. Complicado, logisticamente difícil, talvez, mas do ponto de vista de aquisição de conhecimentos ou de criação de capacidade para os adquirir, penso que seria a atitude política a tomar mais adequada à situação dessas crianças em que muitas delas não viram um tablete, em que muitas mais não tinham ninguém em casa para as ajudar. E esta lógica podia ser estendida aos níveis de ensino seguintes.

Pode parecer absurdo o que estou a dizer, isso pode. Por contraponto a esse argumento, basta pensarmos nas crianças que fizeram dois anos em confinamento parcial ou total, sem apoio de casa, e que entram este ano na terceira classe. Esta necessariamente será mal feita e entrarão na quarta classe igualmente coxos e dela sairão para o ciclo ainda mais coxos, com défices acumulados em capacidades cognitivas em que se corre o risco de nunca mais poderem serem recuperáveis. Relembro aqui, cito de memória, um texto que publiquei, em agosto passado, sobre a cretinização do ensino, onde um especialista francês nos dizia que no seu tempo as operações de multiplicar e dividir se aprendiam, e geralmente bem, na terceira classe, hoje aprendem-se, e geralmente mal, no segundo ano do ciclo. Pense-se nisso.

E é de tudo isto que, explicita ou implicitamente, nos fala este primeiro texto de Mary Harrington quando se refere às amarras estabelecidas com o Covid.

 

b) Porque é que a sociedade ainda precisa da família

Trata-se de um texto grave, muito grave, que nos mostra como muitos marxistas, entre os quais, talvez eu próprio porque naveguei muito nestas águas, nunca perceberam ou nunca refletiram que o Homem Novo a que se referia o marxismo teria de sair dos escombros de uma civilização ocidental, bem ou mal construída, mas assente no forte desenvolvimento das forças produtivas e nos mecanismos de fraternidade e de subjetividade inerentes à mensagem de Cristo. O marxista Henri Lefebvre tinha razão: podemos ignorar Cristo, mas nunca a sua mensagem e, nesta, a família é uma peça estrutural fundamental. E é aqui que o Natal ganha a sua força, é aqui que também se mostra que a sociedade não pode, não deve minimizar a ideia de família. E para se falar disto não é necessário falarmos nas divindades de qualquer uma das religiões: basta percebermos como é que se faz de cada recém-nascido um adulto, os adultos que nós somos, e com as necessidades afetivas que todos nós temos desde criança.

Curiosamente, não será por acaso que as teses marxistas ortodoxas sobre a família não se distinguem das teses de outros radicais (de esquerda ou de direita, o que aqui é indiferente) reenviando os “cuidados” de criar uma criança a serem fornecidos pelo mercado.

Suprema ironia esta onde os extremos se podem tocar, de novo. Dramática e suprema ironia, esta!

É este o tema que percorre o texto de Mary Harrington ao assinalar que as sociedades não podem dispensar as famílias.

 

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